Donald Trump vai assinar estado de emergência para construir muro na fronteira com o MéxicoDireito de imagem
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Casa Branca afirmou que Trump vai assinar estado de emergência para ‘garantir segurança’ nas fronteiras

Há mais de dois anos sem conseguir verbas para cumprir sua principal promessa de campanha, a Casa Branca confirmou boatos que circulam há semanas em Washington ao anunciar oficialmente, nesta quinta-feira, que Donald Trump vai declarar Emergência Nacional nos EUA.

A medida é uma resposta a uma série de derrotas de Trump no Congresso, que se negou a garantir os 5,7 bilhões de dólares (ou R$ 21,22 bilhões) necessarios para levantar um controverso muro na fronteira dos EUA com o México.

Sob pressão de eleitores e de olho nas eleições de 2020, Trump parece ter cedido aos conselhos de aliados como seu ex-estrategista-chefe Steve Bannon e deve recorrer a uma ferramenta de crise que, na prática, permitirá a ele tomar decisões que normalmente dependeriam da autorização do Congresso.

Em vigor desde 1978, a declaração de emergências nacionais visa acelerar legalmente decisões do governo em situações de crise e dá sinal verde para que presidentes possam usar poderes especiais previstos em pelo menos 136 leis americanas, segundo um levantamento do instituto Brennan Center.

Segundo Elizabeth Goitein, co-diretora do programa de Liberdade e Segurança Nacional do instituto, os poderes especiais se relacionam com temas diversos, incluindo “uso de forças armadas, saúde pública, comércio, agrigultura, transportes, comunicações e legislação criminal”.

Mas eles também prevêm medidas radicais, como o congelamento de contas bancárias de cidadãos americanos e o envio de tropas para conter manifestantes dentro dos EUA.

Apesar da imediata reação negativa entre rivais democratas, das promessas de protestos por ativistas e defensores de direitos humanos e da incerteza jurídica ventilada entre politicos da própria base republicana, o recurso vem sendo usado mais frequentemente do que muitos imaginam nos EUA.

Atualmente, 31 emergências nacionais declaradas anteriormente nos EUA continuam ativas. O procedimento foi adotado pelo menos seis vezes pelo democrata Bill Clinton, 12 pelo republicano George W. Bush e outras 13 vezes pelo antecessor de Trump, o democrata Barack Obama.

O próprio presidente Trump recorreu à ferramenta três vezes em pouco mais de dois anos de governo.

A grande maioria dos usos pelos antecessores, no entanto, aconteceu para garantir interesses dos Estados Unidos no exterior – e não dentro de suas fronteiras, como quer Trump.

O anúncio da Casa Branca nesta quinta reacende um debate sobre “super-poderes” permitidos aos presidentes americanos com o uso da ferramenta – que pode ser acionada sem o endosso do Legislativo ou do Judiciário.

Como Trump deve se justificar

Obama decretou Emergências Nacionais, por exemplo, para congelar recursos de inimigos políticos no Burundi, na Venezuela, no Yemen, na Ucrânia, no Sudão do Sul, na Somália e na Líbia, além de bloquear dinheiro e terras de indivíduos envolvidos em ataques cibernéticos com fins de corrupção.


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Barack Obama decretou estado de emergência 13 vezes quando era presidente dos Estados Unidos

O próprio Trump já usou o recurso para bloquear propriedades de apoiadores do presidente da Nicarágua, José Ortega e de “envolvidos em casos de abusos sérios de direitos humanos e corrupção” no exterior. Também o fez para impor sanções a países envolvidos em tentatvas de interferência nas eleições americanas.

O uso mais conhecido da ferramenta foi feito por George W. Bush, em 2001, após os ataques de 11 de setembro. Na época, Bush decretou estado de emergência para mobilizar forças armadas para responderem ao ataque e para proibir negócios com pessoas com envolvimento com grupos extremistas.

Em artigo publicado no ano passado, Goitan alerta para possíveis abusos garantidos pelo uso de Emergências nacionais. “Tanto o presidente quanto o Congresso estão livres para declarar uma emergência nacional sempre que desejarem e não há limites sobre que tipos de evento se enquadram na regra”, afirma.

Ela cita extremos, como a regra que permitiria que o presidente “suspenda leis que proíbam o teste de armas químicas e biológicas em seres humanos inconscientes”.

Para a especialista, “poderes de emergência estão sendo usados como pretexto para lidar com outros problemas”.

“É hora de repensar se o nosso atual quadro legal para emergências nacionais é o correto, ou se são necessárias mudanças para preservar o equilíbrio de poderes que os Fundadores pretendiam”, diz.

O principal argumento de Trump ao recorrer a Emergência Nacional no caso do muro será a contenção de uma “crise humanitária” causada pela vinda de imigrantes irregulares do México e de outros países da América Central pela fronteira sul dos Estados Unidos.

O ato que regula as emergências nacionais exige que os presidentes informem ao Congresso quais poderes extraordinários serão usados na emergência. Para especialistas do instituto Brennan Center, dois poderes especiais podem ser os escolhidos por Trump para justificar legalmente a construção do muro sem autorização do Congresso.

Recursos militares para o muro

O primeiro prevê que, em caso de emergência, o secretário de Defesa use recursos aprovados pelo congresso para projetos militares em projetos de construção militar “não autorizados” previamente.O segundo dá liberdade para que o exército suspenda projetos de obras civis e direcione tropas e dinheiro para ajudar a construir “obras civis autorizadas, construções militares e projetos de defesa civil essenciais à defesa nacional.”

Mas as duas opções devem sofrer dura oposição, seja no Congresso, que pode paralisá-las, ou nas ruas, por meio de protestos contra o presidente, além nos tribunais – no caso de o assunto chegar à Suprema Corte americana e ser considerado ilegal.


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Medida pode ajudar Trump a cumprir uma de suas principais promessa, o muro de concreto na fronteira com o México

Citando a violência gerada pelo fácil acesso a armas de fogo nos EUA, a líder democrata da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, disse que republicanos devem “refletir sobre a porta que estão abrindo e o limiar que estão cruzando.”

A mensagem semeia insegurança entre os republicanos porque sugere que um eventual futuro presidente democrata poderia mudar leis associadas ao acesso a armas sem a aprovação do Congresso.

Uma das alternativas avaliadas pelos democratas, seria aprovar uma resolução de desaprovação na Câmara, onde têm maioria, anulando o Estado de Emergência.

Neste caso, o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, precisaria levar a pauta para votação na Casa, o que frustraria os planos imediatos do presidente.

Queda de braço

O anúncio sobre a declaração do estado de emergência surge em uma semana decisiva de negociações entre políticos republicanos e democratas para a aprovação do orçamento federal dos EUA – uma queda de braço que já se estende há mais de dois meses.

Em janeiro, quando o primeiro prazo para a definição do orçamento expirou sem um acordo entre os dois lados, órgãos federais precisaram ficar fechados por 35 dias e pelo menos 800 mil funcionários públicos ficaram sem salários.

Na tarde desta quinta, véspera da nova data limite para a aprovação do orçamento, membros dos dois partidos aprovaram uma proposta conjunta no Senado.

O problema é que ela prevê pouco mais de um quarto do dinheiro pedido pelo presidente para a construção do muro.

A proposta defendida pelo Congresso prevê que Trump poderia usar, no máximo, 1.375 bilhão de dólares (ou R$ 5,12 bilhões) para a construção de uma “cerca de aço de 88,5 km”. Em dezembro, no entanto, esta mesma proposta havia sido recusada por Trump, que exigiu mais 3,75 bilhões de dólares para conseguir construir 320 km de “muro feito de aço ou concreto”.

Para evitar uma nova derrota, a saída escolhida pela Casa Branca foi aceitar o texto do orçamento vindo do Congresso e evitar que serviços federais e salários de servidores sejam congelados. Os bilhões restantes para a construção do muro viriam com a declaração do Estado de Emergência.

“O presidente Trump assinará a lei de financiamento do governo e, como ele disse antes, também tomará outras medidas, incluindo decretar emergência nacional, para garantir que paremos a crise humanitária e de segurança nacional na fronteira”, afirmou a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, confirmando os rumores sobre o decreto.

“O Presidente está mais uma vez cumprindo sua promessa de construir o muro, proteger a fronteira e nosso grande país”.



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Fonte: BBC