Entre os dias 19 e 26 de maio o Supremo Tribunal Federal deve analisar um processo que pode mudar as regras de demissão sem justa causa. Iniciado em 1997, o tema está parado desde outubro do ano passado, após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Trata-se da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma norma internacional que regulamenta o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.

O artigo 4º da Convenção diz que o término da relação de trabalho com o empregado não poderá ser feito exceto se existir uma causa justificadora para a demissão.

O artigo ainda dispõe que as causa justificadoras da rescisão devem ser de ordem relacionada a capacidade do empregado, do seu comportamento ou nas necessidades de funcionamento da empresa.

O Brasil havia aderido à convenção, mas, em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso denunciou o acordo e ele acabou sendo suspenso.

Agora, após 25 anos, o STF vai julgar a constitucionalidade da denúncia de FHC. Se ela for aceita, a empresa será obrigada a justificar o motivo da demissão do funcionário.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as convenções são tratados internacionais sujeitos a ratificação por parte de cada um dos estados-membros (EM) da Organização.

“Uma vez ratificada, o EM deve rever as suas legislação e prática nacionais à luz do texto da respectiva convenção assim como aceitar um controle internacional da sua aplicação.”

Próximos passos

Para Luiz Marcelo Góis, sócio da área de Direito Trabalhista do BMA Advogados, ainda há um longo caminho para se afirmar que o STF determinará o retorno das regras da Convenção 158.

No status atual do julgamento, o advogado diz que este não é o prognóstico que está prevalecendo. Em todo caso, os contratos de trabalho em vigor seriam impactados de imediato e automaticamente.

“Nenhum documento novo ou aditivo contratual precisaria ser assinado para as empresas passarem a não mais poder dispensar arbitrariamente seus empregados. Os efeitos se dariam mais no plano prático: elas teriam que fundamentar qualquer dispensa em um motivo econômico, financeiro, técnico ou disciplinar.”

Embora seja necessário existir um desses motivos, Góis esclarece que a justificativa da demissão não precisaria ser registrada em lugar algum, além da carta de demissão.

Em paralelo — tal qual como já ocorre atualmente nos casos de dispensa por motivo disciplinar (demissão por justa causa) —, as empresas precisariam reunir internamente evidências para dar suporte à sua decisão de rescindir o contrato, para serem usadas em sua defesa, caso o empregado conteste judicialmente a sua dispensa.

“O motivo da demissão não deveria ser registrado na carteira de trabalho, pois isso poderia expor o empregado e dificultar sua recontratação por outra empresa. Considerando o status da jurisprudência atual, se a empresa anotar na CTPS o motivo da dispensa, ela poderá responder por danos morais.”

Impactos trabalhistas

Góis destaca que a informalidade na contratação é um fenômeno muito mais econômico do que jurídico, resultante dos altos encargos que giram em torno do pagamento de salário no país e de condições adversas macroeconômicas, que impactam empresas no Brasil.

Mas, ele acredita que não se pode descartar que o julgamento do STF possa resultar na intensificação de formatos alternativos de contratação, a exemplo de pessoas jurídicas unipessoais.

“Alguns recentes precedentes do STF, inclusive, respaldam essa prática, sobretudo nas hipóteses em que os titulares das pessoas jurídicas sejam profissionais com alta qualificação e remuneração. Em paralelo, também é possível antever a possibilidade de empresas se valerem de outros formatos jurídicos que, em princípio, dispensariam a apresentação de justificativa para o término do contrato de trabalho, mesmo se o STF convalidar a Convenção 158”, avalia Gois.

É o caso da contratação de empregados por prazo determinado, sob o formato intermitente ou temporário. “A depender da situação, o uso dessas modalidades poderia aumentar, seja porque elas dispensam motivação no fim do contrato, seja porque representam redução de encargos no curso do próprio contrato”,diz.

Efeitos práticos

Carlos Eduardo Ambiel, advogado trabalhista e sócio do Ambiel Advogados, explica que ainda que o STF reconheça a irregularidade na forma de denúncia da Convenção 158 da OIT, como o atual cenário da votação indica, os efeitos práticos no Brasil não devem impossibilitar as dispensas, como alguns estão sugerindo.

“Em momento algum, o texto da Convenção 158 afirma que dispensas serão proibidas. Ao contrário, a Convenção indica que dispensas motivadas por questões econômicas, tecnológicas e estruturais serão justificadas (ou seja, permitidas), apenas recomendando a previsão de mecanismos para minimizar seus efeitos, o que também é previsto na CLT para as chamadas dispensas coletivas.”

O texto da Convenção 158 da OIT sempre se reporta à necessidade de suas disposições estarem em “conformidade” e de serem implementadas “através da legislação local”, que, no caso do Brasil, já prevê quase tudo que a Convenção 158 determina, como: seguro-desemprego; indenização pela dispensa; aviso prévio: direito a questionar a dispensa motivada em tribunal.

Ambiel pontua que, talvez, a única previsão que falta, seria o direito a defesa prévia do empregado dispensado por “sua conduta ou desempenho” (artigo 7), apesar de isso existir no inquérito para apuração de falta grave do dirigente sindical que, ainda assim, admite exceções.

Ou seja, em linhas gerais, as principais disposições propostas pela Convenção 158, já constam na legislação brasileira.

Além disso, quando a justificativa do que seria uma “dispensa motivada” não for aceita pelos órgãos de controle (tribunais) e, na forma da legislação nacional, não for possível anular ou propor a readmissão, a consequência seria a fixação de uma indenização (artigo 10).

“O Brasil já tem bem claro os casos em que haverá readmissão (gestante, acidentado, dirigente sindical, CIPA, doença com estigma).”

Para os demais trabalhadores, já há regra de fixação de indenização. Primeiro pelo antigo regime da indenização e estabilidade decenal da CLT e, depois, pelo regime do FGTS, com a atual previsão de indenização de 40% do saldo do FGTS, conforme artigo 10 do ADCT de 1988..

“O Brasil é um país que já protege bastante a dispensa imotivada, pois tem regras de garantia de emprego para alguns grupos relevantes de trabalhadores. Para os demais, estabelece pagamento de indenização compensatória, inclusive naqueles casos em que a dispensa esteja motivada por fato econômico, tecnológico ou estrutural”, afirma Ambiel.

Convenção 158 X CLT

A Convenção 158, ao considerar as dispensas decorrentes desses fatores, como motivadas, permitiria de dispensa por motivos econômicos ou tecnológicos, por exemplo, não precisariam de indenização, o que não ocorre no Brasil — que apenas afasta o pagamento de indenização nas dispensas realizadas por causa disciplinar.

De acordo com Ambiel, o Brasil tem a modalidade de rescisão por comum acordo, que também gera indenização (20% do saldo do FGTS), fato sequer pensado pela referida Convenção 158 e muito mais protetor que suas proposições.

“Na verdade, se compararmos o texto propositivo da Convenção 158 com a redação expressa do art. 7º, I, da CF/88 (“relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”) não há dúvida que a redação da Constituição é muito mais rígida.”

O advogado defende que o Brasil já tem uma ordem constitucional que protege trabalhadores contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, mas a solução para esses casos, até norma complementar regulamentadora, resultará apenas no pagamento da indenização de 40% do saldo do FGTS — regra já existentes e aceita, inclusive nas hipóteses de rescisão que a convenção 158 considera justificável (motivos econômicos, tecnológicos e estruturais).

No ordenamento nacional, apenas empregados dispensados por causas disciplinares (art. 482 da CLT) perdem o direito a aviso-prévio e indenização de 40% do FGTS, devida em todas as demais hipóteses.

“Por tudo isso, exceto pelo risco de entendimentos extremos de alguns juízes, posteriormente passíveis de correção pelas cortes superiores ou por um acréscimo de burocracia na justificação das dispensas, não parece que teremos qualquer mudança significativa daquilo que já existe atualmente, vez que nossa legislação já é extremamente protecionista e, em algumas disposições, até supera as sugestões da Convenção 158 da OIT”, conclui o advogado trabalhista.

Fonte: CNN Brasil