Para o senador Plínio Valério (PSDB-AM), autor do projeto de lei que deu origem à autonomia do Banco Central (Lei Complementar 179/21), criticar a independência do Banco Central (BC) é um “desserviço para o país”.

“O Lula faz com que as coisas fujam do controle, o mercado reage. É um desserviço para o país. Quando ele fala, os investidores do mercado se agitam. Eles começam a ficar preocupados, porque aquela segurança jurídica, que é o que a autonomia deu, começa a ser questionada”, avalia.

Valério destaca ainda que, uma das principais mudanças trazidas pela nova legislação, e exatamente o que está sendo posto à prova agora, foi a regra que tornou mais difícil a exoneração do presidente do Banco Central pelo presidente da República.

Em uma escalada aberta desde o início de seu mandato, em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem fazendo repetidas críticas ao Banco Central e ao seu atual presidente, Roberto Campos Neto, indicado pelo governo de Jair Bolsonaro para o posto e no cargo desde 2019.

Lula já chamou de “bobagem” a lei da autonomia, de “vergonha” o alto nível dos juros e já conclamou o Senado a ficar “vigilante” com Campos Neto.

A lei da autonomia, aprovada em fevereiro de 2021, criou um conjunto de novas regras que tornaram mais difíceis as interferências do governo federal no Banco Central.

Entre elas, delimitou a poucas exceções as situações em que o presidente da República pode afastar o do BC, como em caso de doença ou de “desempenho insuficiente”.

Para este último, o pedido precisa de aprovação do Conselho Monetário Nacional, colegiado ligado ao Ministério da Fazenda, e, em última instância, do Senado.

“O presidente pode exonerar [o presidente do BC], mas, antes, ninguém podia impedir. Essa exoneração, agora, não depende mais unicamente dele”, disse Valério em entrevista à CNN. “Essa é a grande vantagem do projeto que a gente, graças a Deus, aprovou.”

Veja a seguir a entrevista completa.

Como o senhor avalia as críticas recorrentes que o presidente Lula tem feito ao Banco Central e, nesse contexto, qual julga ser a importância da lei que garantiu a autonomia da autarquia?

É um assunto que, quando eu cheguei ao Senado, perdurava há 30 anos. Então eu apresentei um projeto, porque, embora eu não entenda de economia, eu entendia que o Banco Central, para controlar a inflação e fazer o seu trabalho, não podia depender do humor do presidente de plantão. Nem foi pensando no PT que incluí isso, embora a bancada do PT desde o primeiro minuto tenha sido contrária. Essa confusão toda está mostrando que eu tinha razão. O Lula faz com que as coisas fujam do controle, o mercado reage. É um desserviço para o país.

Por que é um desserviço?

Porque quando ele fala, os investidores do mercado se agitam. Eles começam a ficar preocupados, porque aquela segurança jurídica, que é o que a autonomia deu, começa a ser questionada. Embora eu, senador da República, não acredite que o Senado entraria numa barca furada dessa, de acabar com a autonomia. Não vejo clima para isso. Como também não acho que o tema de uma dispensa por justa causa, exonerar [o presidente do BC], entraria em discussão. Mas o mercado se agita.

Qual seria o trâmite para uma exoneração do presidente do Banco Central, pela nova lei?

A lei prevê que a exoneração só é possível em caso de doença, de o presidente [do BC] querer renunciar e se afastar, ou em caso de incompetência. Aí ele seria exonerado por justa causa, que é o que o Lula e o PT estão querendo provocar. Mas, para isso, o Lula precisa pedir [a exoneração] para o Conselho Monetário Nacional, que vai decidir se manda isso ou não para o Senado, que decide exonerar ou não. E aí ele precisa de 41 votos. Precisa de maioria absoluta no Senado, para referendar a decisão.

A lei da autonomia, então, tornou bem mais difícil a exoneração do presidente do Banco Central pelo presidente da República?

Sim, antes era bem mais fácil. Se o presidente torce pro Flamengo e o Flamengo perdeu, ele desconta no presidente do BC, do BNDES, em quem ele quiser. Ele diz: “vamos baixar os juros, se não eu vou te exonerar”. Aí o cara vai lá e baixa. Essa foi a coluna vertebral que eu coloquei no projeto da autonomia do Banco Central: o presidente não pode exonerar porque o time dele perdeu, porque o café estava amargo. Ele tem que ter motivo para isso. Essa é a grande vantagem do projeto que a gente, graças a Deus, aprovou.

O presidente da República continua, sim, indicando o presidente do BC, e a indicação vai para o Congresso para referendar ou não. Isso não mudou. E o presidente pode exonerar [o presidente do BC], mas, antes, ninguém podia impedir. Essa exoneração, agora, não depende mais unicamente dele. Depende agora do Conselho Monetário Nacional e do Senado.

Mas, apesar das críticas, Lula não diz que tem intenção de demitir Roberto Campos Neto. É esse o entendimento do senhor?

Eu estou vendo lá na frente. O Lula e o PT estão provocando a população para começar a questionar a competência do Roberto Campos. Mas você tem um presidente da República questionando a autonomia do banco e questionando a capacidade de um presidente que foi premiado como o melhor presidente de banco central da América Latina. Por isso eu falo que é um desserviço.

A partir da experiência que o senhor adquiriu na elaboração e votação desse projeto, qual o senhor diria que é a importância de o Banco Central ter essa autonomia garantida?

São os bons exemplos. Onde o banco tem autonomia, o controle da inflação fica mais fácil, porque não tem outras interferências. Se há segurança jurídica, e a inflação fica mais ou menos controlada, os investidores passam a ter mais confiança, e, se eles investem, vêm empregos.

Mas a coluna cervical da lei é a questão da exoneração. O Banco Central é o responsável por controlar a inflação, baixar ou subir os juros, e autorizar a emissão de moeda – onde também mora o perigo. Eu evito falar das questões técnicas, porque a questão agora é política. E foi pensando nisso que eu levei essa lei em frente.

Outra novidade que a lei trouxe foram os mandatos de quatro anos não coincidentes do Banco Central e da Presidência da República: o chefe do BC indicado por um governo continua sob o governo seguinte. Qual a importância também dessa mudança, na sua opinião?

Sim, o Lula indicará o novo presidente apenas no primeiro dia útil do terceiro ano de seu governo. Aí que está o nó que a gente deu. Ele [Lula] vai ter que aturar dois anos, que é o tempo necessário para que a diretoria do BC execute a política que planejou.

Fonte: CNN Brasil