• Author, Josie Cox
  • Role, BBC Worklife
Mulher sentada em sofá com olhar distante apoiando a mão no queixo

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“Toda manhã, antes de sair da cama, uma sensação de pavor me domina”, afirma a profissional de tecnologia Kara, de Nova York, nos Estados Unidos.

Ela tem 41 anos de idade e trabalha na empresa atual há quatro anos, mas conta que “sabe” que provavelmente será demitida.

“Tenho quase 100% de certeza que, qualquer dia desses, vou receber o email dizendo que meu cargo foi extinto… é só questão de tempo”, afirma ela.

Para Kara (seu nome completo é omitido por questões profissionais), os layoffs – demissões em massa – já trouxeram impactos consideráveis à sua vida, mesmo que ela ainda não tenha perdido seu emprego.

Ela conta que está ansiosa, dorme pouco e chora muito.

“A incerteza é o pior”, segundo Kara. “Parte de mim acha que eu deveria simplesmente pedir demissão para preservar meus nervos, mas pode acontecer exatamente o mesmo em outro lugar. A segurança no emprego neste setor basicamente não existe.”

Os layoffs varreram o planeta no ano passado, especialmente nos últimos quatro meses de 2022. Milhares de funcionários que se achavam relativamente seguros nos seus cargos perderam o emprego.

Na área de tecnologia, por exemplo, as empresas demitiram mais de 150 mil funcionários em 2022, segundo o site de rastreamento Layoffs.fyi. E, em 2023, elas já extinguiram quase 76 mil cargos.

No setor financeiro, Goldman Sachs, Morgan Stanley e Citigroup eliminaram milhares de funções.

E muitos outros setores também foram atingidos pelos cortes, que se estenderam para o setor de varejo, comunicações, assistência médica e farmacêutico.

Historicamente, as demissões em massa fazem parte do ciclo natural de fluxo e refluxo da economia. Mas os especialistas afirmam que esta onda é notável por diversos motivos.

O primeiro: sua escala e abrangência, especialmente considerando que os fundamentos da economia estão mostrando melhorias.

Durante a Grande Recessão global do final dos anos 2000, por exemplo, centenas de milhares de pessoas perderam o emprego, mas como consequência direta de uma imensa queda do valor dos ativos em todo o mundo, que varreu trilhões de dólares das bolsas de valores internacionais por um longo período e virou do avesso as condições de vida de muitas pessoas.

Mas este não é o caso atual, mesmo com a proliferação dos layoffs e da incerteza profissional.

Nos Estados Unidos, a crise financeira de 2008 e o período após a recessão tiveram um pico de 10% na taxa de desemprego.

Cerca de 15 milhões de pessoas inscreveram-se como desempregadas, devido a uma redução sistêmica e prolongada da atividade econômica. Mas, hoje, a taxa de desemprego nos Estados Unidos é de cerca de 3,5%.

E, durante a crise da zona do Euro em 2011, o desemprego na União Europeia ultrapassou 11,5%, enquanto a taxa atual é de menos de 6,5%.

Um segundo motivo para que o desemprego atual seja incomum é a própria atmosfera do ambiente de trabalho.

Durante a pandemia, os gerentes defenderam um estilo de liderança centralizado no funcionário, priorizando o bem-estar e a saúde mental das pessoas, segundo Anna Tavis, professora de gestão de recursos humanos da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos.

“Fomos incentivados a trazer toda a nossa personalidade para o trabalho”, ela conta.

Como resultado, muitos profissionais sentem uma certa dissonância cognitiva – tanto os demitidos durante o layoff, quanto outros como Kara, que vivem com medo de serem os próximos da lista.

Tavis explica que, durante a pandemia, eles ouviram uma coisa e agora estão experimentando algo que contraria aquela narrativa.

“Isso está fazendo com que a liderança perca sua autenticidade e é compreensível que traga consequências para a confiança dos funcionários nos seus superiores”, afirma ela.

Especialistas advertem que, se ondas de layoff como as que vimos recentemente, ou mesmo a iminente possibilidade desses cortes, continuarem a fazer parte da vida profissional, as culturas organizacionais também poderão se deteriorar, causando um cruel efeito cascata sobre todos os aspectos, desde o comprometimento e a produtividade dos funcionários até sua saúde física e mental.

E, o que é pior, estas condições podem atingir as próximas gerações.

A conta em termos humanos

É importante observar que os cortes de empregos podem causar efeitos imediatos sobre o bem-estar.

Muitas pesquisas demonstram que o layoff aumenta o risco de uma série de condições de saúde.

Um dos resumos mais abrangentes reuniu mais de 300 estudos sobre este assunto. Ele demonstra que as pessoas desempregadas são mais estressadas, menos satisfeitas com suas vidas, casamentos e famílias e mais propensas a relatar problemas psicológicos do que os empregados.

Ficar desempregado também traz um risco muito maior de suicídio e taxas de mortalidade geral mais altas nas décadas depois da demissão.

Outra pesquisa, de 2009, concluiu que, para os funcionários sem problemas de saúde pré-existentes, a probabilidade de desenvolver condições de saúde aumenta em 83% nos primeiros 15 a 18 meses após o layoff e as condições mais comuns são doenças relativas ao estresse, incluindo hipertensão, doenças cardíacas e artrite.

Mas não são só os trabalhadores afastados que sofrem em uma economia dominada pelo layoff.

Profissionais como Kara sabem que, até antes do anúncio de eventuais cortes, a possibilidade e o medo de ficar desempregado também pode prejudicar a saúde mental e a produtividade.

Em artigo publicado na Harvard Business Review, a escritora e coach executiva Melody Wilding explica que a incerteza no trabalho pode prejudicar a motivação e gerar problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.

As mensagens contraditórias sobre a priorização do bem-estar dos funcionários também vêm perturbando os profissionais, muitas vezes com efeitos negativos.

Durante a pandemia, os funcionários demonstraram mudanças nas suas prioridades e ambições profissionais – e, principalmente, eles começaram a investir mais na sua saúde mental.

Em muitos casos, os empregadores reconheceram esses pedidos de maior apoio. Muitos líderes abriram conversas sobre a criação de políticas, programas e ferramentas para ajudar os funcionários em dificuldades.

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Especialistas afirmam que a perspectiva iminente das demissões em massa pode prejudicar a saúde mental

Também se abriu o diálogo corporativo para estabelecer um futuro no qual termos como burnout, estresse e depressão não seriam mais associados a fraqueza, nem carregariam mais o ônus da estigmatização no ambiente de trabalho.

Para os jovens que iniciaram a vida profissional nos últimos anos, a empresa focada nos funcionários que supostamente defende a saúde mental e o bem-estar pode ser a única impressão que eles já tiveram do mercado de trabalho.

Mas essa ênfase sobre o bem-estar pessoal é totalmente contrária à realidade que muitos profissionais estão enfrentando no momento.

Dados demonstram que a precariedade do mercado de trabalho atual está prejudicando o bem-estar dos profissionais.

Em uma recente pesquisa global entre 35 mil trabalhadores, cerca de 52% dos participantes afirmaram estar preocupados com o impacto das incertezas econômicas sobre sua estabilidade profissional, enquanto mais de um terço estão abertamente preocupados com a possível perda do seu emprego.

Maureen Dollard, professora de psicologia organizacional e do trabalho da Universidade do Sul da Austrália, conduziu uma pesquisa que demonstrou que os funcionários em ambientes psicologicamente menos saudáveis (ela define “ambientes psicologicamente saudáveis” como aqueles em que o bem-estar emocional não é ignorado) tiraram 43% mais dias de licença médica por mês.

Sua pesquisa também demonstrou que o estresse pode aumentar o risco de acidentes de trabalho.

Outros especialistas, como Aaron Nurick, professor de administração e psicologia da Universidade Bentley, nos Estados Unidos, destacam que os layoffs também podem causar impactos sobre os funcionários que não perdem seus empregos, no que ele descreve como a “culpa do sobrevivente” – e a sensação de que “eu posso ser o próximo”.

O professor Anthony Klotz, da Faculdade de Administração do University College de Londres, concorda. Para ele, ao menos temporariamente, “os layoffs tornam a experiência de trabalho menos agradável para os que permanecem e não é difícil imaginar que estes efeitos negativos sejam duradouros em muitos casos”.

Efeitos de longo prazo

Os cortes de pessoal não só prejudicam a saúde mental das pessoas no mercado de trabalho, como podem também mudar o comportamento dos funcionários – até dificultando o desenvolvimento de suas carreiras e, por fim, sua relação geral com o trabalho.

Melody Wilding, por exemplo, escreve: “Se você se sente impotente frente à convulsão na sua empresa, você pode recuar e refrear seus esforços, tornando-se um candidato menos provável para os cortes”.

Além disso, Nurick escreve que, neste ambiente, “[as pessoas] podem ser mais cuidadosas sobre o que dizem e fazem. Os funcionários não querem ser observados porque isso os torna mais vulneráveis. Eles são como os animais silvestres – eles farão o que for preciso para se camuflar e se encaixar. É um elemento básico de sobrevivência”.

A pesquisa de Maureen Dollard também demonstra que esses funcionários foram significativamente menos produtivos no trabalho.

A incerteza profissional também pode gerar comportamentos como a demissão silenciosa – fazer apenas o mínimo necessário para permanecer em um emprego.

“Funcionários que ouviram durante a pandemia que suas empresas eram centralizadas nos empregados e cuidavam do seu bem-estar simplesmente não querem trabalhar para pessoas nas quais eles percebem que não podem confiar”, explica Anna Tavis. “Eles estão com raiva.”

A criatividade também pode ser prejudicada com as demissões em massa.

“Os funcionários remanescentes são mais cuidadosos e cautelosos, o que significa que eles não assumem comportamentos que poderiam trazer inovações”, escreve Nurick. “Ninguém parece querer fracassar.”

Anthony Klotz também indica pesquisas que demonstram que os funcionários demitidos são muito mais propensos a demitir-se voluntariamente no futuro, em relação aos que nunca passaram por um layoff.

“Pode-se pensar que os efeitos prejudiciais dos layoffs sobre a confiança dos funcionários atingidos são limitados à empresa que os demitiu”, afirma ele.

“Mas esta pesquisa indica que passar por um layoff também dificulta a construção de laços fortes com empregadores futuros.”

Para os profissionais que escapam do layoff, mas temem que podem ser os próximos, Klotz afirma que uma reação comum aos sentimentos de incerteza profissional é começar a procurar outro emprego.

“A lealdade vem do tratamento leal recíproco entre as empresas e os funcionários. Normalmente, o sentimento de lealdade age como uma força que evita que os funcionários se dediquem seriamente a ofertas de emprego de fora”, segundo ele.

“Mas, quando ocorrem os layoffs, os funcionários remanescentes são menos propensos a ter senso de lealdade, já que a companhia acabou de demonstrar sua disposição de romper unilateralmente os laços até com milhares de profissionais.”

Klotz é conhecido por ter criado a expressão “Grande Demissão” em 2021, para definir a tendência que levou um grande número de trabalhadores americanos a deixar seus empregos durante a pandemia de covid-19.

Os acadêmicos e outros especialistas afirmam categoricamente que, para muitos dos funcionários dispensados – além de muitos daqueles que permanecem depois que suas empresas fazem grandes cortes de pessoal –, esses efeitos serão duradouros.

E, o que é pior, quanto mais frequentes forem adotados os layoffs como forma ostensiva e necessária para combater os contratempos econômicos, mais normalizados e enraizados eles ficarão na cultura dos negócios.

Isso deixa os profissionais em uma posição profundamente precária, à medida que se aprofunda o seu medo de perder o emprego a qualquer momento.

– Este texto foi publicado em

Fonte: BBC