Com o salão fechado por causa da pandemia da Covid-19, a rede de churrascarias rodízio Fogo de Chão demitiu pelo menos 436 funcionários em todo o Brasil. No caso dos 114 dispensados nas unidades do Rio, a empresa pagou apenas parte das indenizações –não concedeu aviso prévio nem desembolsou o total dos 40% da multa do FGTS.

A Fogo de Chão atribuiu ao governo do Estado a responsabilidade de arcar com o restante dos encargos trabalhistas. Ou seja: atirou os funcionários num mato sem cachorro. Eles que lutem por seus direitos.

Também no Rio de Janeiro, a pizzaria Farmê fez a mesma coisa com as equipes de mais de 30 lojas.

São dois exemplos, em estado avançado de decomposição moral, da elite abutre encastelada no setor de alimentação. Fazem-lhes companhia figuras como Júnior Durski (das hamburguerias Madero) e Afranio Barreira (dos restaurantes Coco Bambu).

Essa brigada do atraso faz lobby violento para que as autoridades estaduais relaxem as medidas de distanciamento social. Como se percebe nos casos da Fogo de Chão e da Parmê, os empresários não hesitam em sacrificar os empregados na linha de frente dessa guerra suja.

A Fogo de Chão chegou a ser uma das melhores churrascarias do Brasil. Nos anos 90, eu ia lá mensalmente com a redação do finado Notícias Populares. Nos entupíamos de carne e dávamos risada até a casa fechar. Era caro, mas valia o investimento.

A decadência dos rodízios em geral também atingiu a cadeia, que foi vendida pelos fundadores para um fundo de investimentos norte-americano. O número de unidades se multiplicou. A qualidade da comida foi, para usar um termo em voga, achatada. Até recentemente, a Fogo de Chão oferecia pratos combinados no almoço, a preços pagáveis –um sintoma evidente de aperto. Na quarentena, passou a atuar em esquema de entrega domiciliar.

Os papagaios jurídicos da empresa recorrem a um artigo da CLT para justificar o calote nos trabalhadores. O tal artigo 486 joga no colo das autoridades o ônus das demissões causadas por desmandos de agentes do governo.

Papo furado. É uma retórica muito desonesta para lavar as mãos à la Pilatos.

Os advogados da Fogo de Chão partem da premissa de que o fechamento dos comércios se deve ao autoritarismo do Estado. Fingem ignorar que existe uma peste matando a rodo aí fora. Desdenham do fato de que interromper a progressão do contágio é mais importante do que passar espeto pelo salão.

A estratégia se revela ainda mais insidiosa quando se ouve dos administradores da Fogo de Chão a promessa de recontratar os demitidos assim que a pandemia passar.

Não se sabe quando a Covid-19 vai deixar de fungar nos nossos cangotes. O normal de antes nunca voltará. Para ninguém, muito menos para os rodízios de carne. A Fogo de Chão tem plena ciência de que seu ramo de atuação está condenado.

Assim como os bufês –sistema, aliás, adotado pela Fogo de Chão para saladas e outros pratos–, o rodízio representa um risco sanitário muito maior do que o serviço de mesa tradicional.

Espetos rodam por todo o salão. Ao longo da refeição, os próprios clientes usam uma pinça (sempre a mesma pinça) para pegar a comida. Depois de percorrer o restaurante, a carne volta para a churrasqueira –onde é aquecida e tostada por fora antes de repetir o périplo mais algumas vezes.

É improvável e implausível que os rodízios voltem tão cedo. Se voltarem, terão uma queda brutal na clientela.

A conversa fiada da Fogo de Chão antevê a morte inevitável do espeto corrido, antecipada bruscamente pela pandemia. Usa a promessa vazia de um suporte futuro para amansar aqueles que abandonou com desfaçatez.

É feio. É imoral. É abjeto.

(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais.  Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook  e do Twitter.)

Fonte: Folha de S.Paulo