PAULO EDUARDO DIAS E DANILO VERPA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quatro meses após a expulsão de dependentes químicos da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, as cenas de venda e consumo de drogas na cracolândia ainda fazem parte do cotidiano da região.

Nem mesmo as prisões de mais de uma centena de pessoas no âmbito da Operação Caronte, conduzida pela Polícia Civil, têm intimidado traficantes.

Na rua Helvétia, na altura da avenida São João, criminosos voltaram a montar tendas para expor suas mercadorias. O local fica a poucos passos do 77° DP (Santa Cecília), uma das delegacias responsáveis pelas ações contra o tráfico.

A reportagem da Folha flagrou na última terça (13), o momento em que pedras de crack eram livremente comercializadas na via. Alguns traficantes tentavam se esconder sobre lonas amarradas em árvores e postes. Até cones da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) eram utilizados como apoio.

Outras bancas no local eram responsáveis pela venda de cigarros, bebidas alcoólicas, roupas e cachimbos.

Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública), sob gestão do governador Rodrigo Garcia (PSDB), não comentou a volta das tendas, mas afirmou que o policiamento na região foi intensificado e que monitora, com a prefeitura, o deslocamento de usuários de drogas. Conforme a pasta, de janeiro a agosto de 2022, 195 suspeitos foram presos em flagrante.

A gestão Ricardo Nunes (MDB) disse acompanhar a situação e que rua Helvétia possui um espaço para atendimento que funciona 24 horas. Além disso, declarou que o encaminhamento de pessoas para atendimento no Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica 2 passou de 27 pessoas em janeiro para 122 em julho.

A rua Helvétia, que conta com monitoramento fixo de policiais militares e guardas-civis metropolitanos, é uma das que mais recebem ações de policiais civis, com a prisão de traficantes procurados pela Justiça ou em flagrante.

Foi em uma dessas investidas que policiais detiveram o psiquiatra e palhaço Flávio Falcone, 42, que foi parar no 77º DP sob alegação de perturbação do trabalho ou do sossego alheio. Uma bicicleta com som acoplado que ele utilizava foi apreendida na ação.

Na última semana, a reportagem também notou venda de crack em mais dois pontos.

Um dos mais recentes fluxos, nome dado à concentração de dependentes químicos, fica na rua Vitória, na altura da rua Conselheiro Nébias. Esse ponto está a cerca de meio quilômetro do da rua Helvétia.
Ali, na manhã da última quinta (15), usuários de drogas e traficantes se misturavam em meio aos carros, que tentavam seguir em direção à avenida Rio Branco.

Não havia tendas ou barracas no local. As drogas eram expostas em um caixote de madeira, como os utilizados em feiras livres para acomodar frutas.

A chegada do fluxo àquele ponto foi motivo de manifestação de moradores e comerciantes no início do mês. No dia 1°, uma quinta-feira, enquanto uma ação da Caronte era realizada na Helvétia, um grupo ateou fogo em pneus e gritou “fora, cracolândia”, mesma mensagem reproduzida em cartazes.

Passadas duas semanas, uma moradora de 50 anos, que pediu para não ser identificada, disse à reportagem que os usuários gritam, colocam caixinhas de som em volume alto e vendem e consomem drogas ao ar livre, o que a impede de dormir.

Não tão distante dali, havia um outro fluxo. A aglomeração no cruzamento das ruas dos Gusmões e do Triunfo se dava em meio aos veículos que tentavam trafegar no sentido da Santa Ifigênia.
Sem se importar com o comércio aberto, homens e mulheres carregavam cachimbos nas mãos. Alguns deles consumiam drogas no local.

“É simplesmente um inferno. É triste, é revoltante. Você morar no centro da maior capital do Brasil, ver sempre sendo exaltado que é um lugar de pontos turísticos e não poder sair nem para comprar pão”, disse o comerciante Pablo Ferreira, 32, morador da rua dos Gusmões.
Mesmo de longe, diz ele, é possível ouvir gritos de “olha o pó, olha a pedra”, principalmente à noite.

“Imagina sair à noite? Como você passa com sua esposa e filhos num lugar como esse? Não tem condição. Carro de aplicativo, você tem que implorar para aceitarem. Ônibus, nossa, você não consegue ficar no ponto sem ser assaltado. É triste demais.”

Quem circula pela região central também deve ter notado a presença cada vez maior de pessoas em situação de rua, como no entorno do terminal Princesa Isabel, na alameda Glete, onde há barracas que abrigam algumas famílias. O ponto fica a poucos metros do recém-inaugurado Hospital da Mulher.

Em nota, a SSP afirmou que, de janeiro a agosto, 17 quilos de drogas foram apreendidos em toda a região central, bem como três armas de fogo. A pasta disse que novas ações da Operação Caronte devem ser deflagradas nas próximas semanas.

Assim como o estado, a prefeitura não se manifestou sobre a volta do tráfico em tendas. Por e-mail, a administração municipal disse que a GCM realiza o policiamento comunitário e preventivo na região da Nova Luz, 24 horas, com efetivo de 80 agentes e 20 viaturas.

De acordo com a gestão, até agosto, a Guarda Civil Metropolitana atendeu a 218 ocorrências no território da Nova Luz, sendo 89 relacionadas a entorpecentes. No mesmo período, 266 pessoas foram conduzidas ao distrito policial e 208 ficaram detidas. Cerca de dez quilos de entorpecentes, incluindo cocaína, crack e maconha foram apreendidos, além de R$ 45 mil em dinheiro.