MAURÍCIO MEIRELES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem procurar saber mais sobre os ideólogos da extrema direita global uma hora vai esbarrar em “Guerra pela Eternidade” (ed. Unicamp), livro de Benjamin Teitelbaum que se tornou uma referência no assunto.
Ainda que a obra tenha sido lançada em 2020, o noticiário internacional têm garantido que o título se mantenha muito atual, porque entre os nomes que o autor analisa no livro –como Olavo de Carvalho e Steve Bannon– está o filósofo russo Aleksandr Dugin.

O intelectual nacionalista é defensor da expansão de seu país para regiões que ele vê como conectadas ao povo russo por raízes culturais e espirituais, e a Ucrânia, claro, seria um desses lugares.

Para Teitelbaum, o conflito tem desafiado narrativas sobre o mundo, à direita e à esquerda. Enquanto o primeiro lado precisa administrar uma admiração mal disfarçada pelo líder russo, Vladimir Putin, o segundo se vê diante de um conflito que não foi iniciado por uma potência ocidental.

O professor vê as falas recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, como uma mostra de uma esquerda que tenta manter sua narrativa de pé. “É quase um ato de nostalgia”, afirma.
Teitelbaum esteve em São Paulo para uma palestra do Instituto Brasil Israel na USP, onde conversou com a Folha.
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Folha – O mundo viu a derrota de Donald Trump e Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo em que Giorgia Meloni se tornou primeira-ministra da Itália e a ultradireita teve um bom desempenho nas eleições francesas. O populismo está recuando ou avançando?
Benjamin Teitelbaum – É uma pergunta difícil, porque as definições estão mudando. Uma coisa que diferencia Trump e Bolsonaro de Meloni é a posição deles quanto à Rússia. As pessoas têm dito que ela é melhor por não ser pró-Putin. Ao mesmo tempo, temos Lula, que obviamente não associamos à extrema direita, mas que está entretendo a Rússia de uma forma que não é divertida.
A questão tem a ver com o que é essencial para o populismo de direita. É a hostilidade extrema contra a imigração na Europa? Meloni tem essa característica. Mas isso também está virando a política do dia a dia para muita gente, você pode ter governos de centro-direita com políticas imigratórias mais restritivas.
Se o essencial para o populismo é a pressão contra o Judiciário e a derrubada de pilares da democracia, isso avançou. Veja o que está acontecendo em Israel e na Hungria. Nossos padrões do que é sucesso e fracasso, do que é e não é extrema direita, deslocaram-se. A principal causa é a Guerra da Ucrânia. E o conflito entre EUA e China.
Folha – Como a guerra alterou o tabuleiro da extrema direita pelo mundo?
Benjamin Teitelbaum – A guerra forçou muitos atores a mostrar quão comprometidos estão com a democracia, quão contrários são à invasão [da Ucrânia]. O conflito bagunçou duas grandes narrativas, uma na direita e outra na esquerda. Na direita, havia a ideia de que a origem da globalização era o Ocidente liberal. Diziam que, se as potências ocidentais parassem de expandir capital e de promover guerras responsáveis pelo deslocamento de pessoas, você veria o surgimento de nações de verdade outra vez. Você teria etnoestados, formados por populações puras. Já a esquerda dizia que os principais conflitos políticos globais são fruto da expansão americana.
Mas a Rússia compromete as duas narrativas. Todo mundo viu os comentários de Lula, dizendo que Volodimir Zelenski e Putin são igualmente responsáveis pela guerra, e depois tentando recuar. É quase um ato de nostalgia. Ele tenta preservar a relevância de uma narrativa sobre o mundo que vê no imperialismo ocidental a base de todos os conflitos.
Na direita, havia a crença de que Putin não seria um invasor. Mas a tentativa de absorver um país e apagar a identidade de um povo é algo anti-nacionalista. Por isso, teorias da conspiração começaram a se espalhar. Elas são uma confissão do desespero de quando se testemunha algo que não bate com uma narrativa.
Folha – A defesa de uma ordem multipolar é uma tradição da diplomacia brasileira. A mesma ideia é defendida por Dugin. Como fica a posição brasileira nesse contexto?
Benjamin Teitelbaum – O fato de pessoas tão diferentes, como Lula e Dugin, defenderem uma ordem multipolar deve indicar que não há nada muito ideológico no multipolarismo em si. O que importa não é se o mundo é unipolar ou multipolar, mas que tipo de ideias e agendas são fortalecidas. Sinto cada vez mais que a ideia de como seria um mundo multipolar de Dugin é mais precisa que a de Lula. Se a multipolaridade fortalece pessoas como Putin, não gosto. Não importa se a alternativa é a unipolaridade, o que importa é o conteúdo. Lula se apega mais à forma.
Folha – A dificuldade da Rússia em vencer os ucranianos tem qual impacto na disseminação das ideias de Dugin? Há duas narrativas russas. Uma é a “realpolitik”, que fala em jogo de forças e diz que o Ocidente expandiu seu campo de influência longe demais, tornando-se uma ameaça à segurança russa. A outra, de Dugin, é mais espiritual, cultural e ideológica. Ele diz que a Ucrânia pertence à esfera de influência da Rússia, por sua identidade cultural e raízes espirituais.
O passado mostra que esse tipo de narrativa é mais influente do que as pessoas gostam de pensar. Apesar disso, ela não está em primeiro plano na comunicação pública da Rússia. No começo, eles não precisavam de Dugin. Mas depois do que aconteceu com a filha dele [morta em um atentado a bomba em agosto de 2022], você viu EUA, Ucrânia e Rússia tentando processar essa morte e fazer uso político do assassinato.
Isso é uma prova do significado de Dugin. Se eu for morto, não vai ter jogo de poder entre governos. Mas com Dugin isso aconteceu. O atentado fez dele um símbolo da resistência e da identidade russas.
Folha – Qual é o futuro de uma figura como Tucker Carlson? Há um senso comum que acredita que Carlson vai conseguir tirar vantagem da [saída dele da] Fox, porque ele seria grande demais. Mas o que vimos com [o comentarista conservador] Bill O’Reilly e [a jornalista conservadora] Megyn Kelly foi que eles apenas levam um pouco da audiência. Tem algo na Fox News que é difícil de replicar. Talvez Carlson vá aprender com os erros, mas esses exemplos mostram que ele vai encolher.
Folha – Brasil e EUA viram ataques às suas instituições por seguidores de Bolsonaro e Trump. Qual é o efeito de apelar à violência e fracassar?
Benjamin Teitelbaum – Todo mundo chama esses eventos de “tentativas de golpe”, certo? E, se eles são tentativas, falharam. Mas os ataques são algo além. São como performances de arte públicas. Nesse sentido, são bem-sucedidos. Se o propósito é realizar um ritual público de massa, é um sucesso. É confuso, porque não é claro que os atos sejam uma arte performática. Há tons de seriedade e patetice. Isso coexiste com o medo real de os militares aproveitarem para um golpe de fato. Como teatro público é um sucesso.

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