As informações que estão no celular do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) na última quarta-feira (3), na operação que investiga fraude no cartão de vacinação da Covid-19, poderão ser usadas em outros inquéritos.

Especialistas ouvidos pela CNN reforçam as noções de direito chamadas “prova emprestada” ou “encontro fortuito de prova”, que se referem quando a autoridade policial identifica provas que podem servir para outras investigações.

Fernando Augusto Fernandes, advogado e doutor em ciência política, além de mestre em criminologia e direito penal, enfatiza que o caso da apreensão do celular do ex-presidente tem inclusive um trânsito mais simples, já que há outros inquéritos com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

“Se fossem investigações com juízes diferentes, ou varas diferentes bastaria autorização de empréstimo de provas, mas sendo o mesmo juízo, a prova pode ser desde já considerada comum e, nesse caso, estamos falando do mesmo Ministro”, afirma Fernando Augusto.

O especialista também ressalta que importantes variantes desse caso fazem o aproveitamento de provas ainda mais crível.

“A busca e apreensão realizadas de forma legal, como foi, e, inclusive, com investigações de crimes cujas penas máximas são maiores de quatro anos, podem sim ter provas utilizadas como emprestadas em qualquer outra investigação”, afirmou ao explicar que o fato de os crimes terem penas previstas acima de quatro anos foi fato que legitimou a prisão preventiva do ajudante do ex-presidente Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid no inquérito sobre a fraude da vacinação contra o novo coronavírus.

À CNN, o advogado criminalista Gilberto Silva relembrou que o uso de provas colhidas em inquéritos diferentes é entendido como válidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“O entendimento que o STJ tem usado é o princípio da serendipidade, que é justamente o encontro fortuito de provas, que relaciona fatos diversos, mas traz conexão de uma investigação, entendendo que a prova pode sim ser usada”.

Para Gilberto esse tipo de conduta é relativamente comum no âmbito jurídico, tornando investigações mais robustas.

Jair Bolsonaro e Mauro Cesar Barbosa Cid.
Jair Bolsonaro e Mauro Cesar Barbosa Cid. / Reprodução/redes sociais

“Sempre que há indícios de autoria ou materialidade nos processos investigativos e de inquéritos, usa-se sim a prova emprestada”. Ele ressalta, contudo, que a defesa do ex-presidente tem o direito de manifestação.

“No devido processo legal, que mantém o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, o ex-presidente tem o direito ao acesso do inquérito e, usando das garantias constitucionais, a prova emprestada não pode estar acima da ampla defesa”.

Já o advogado criminalista Guilherme San Juan Araújo ressaltou ainda que as provas que porventura forem colhidas a partir do celular de Bolsonaro podem, inclusive, servir para investigações que ainda não existem.

“Os aparelhos do ex-presidente, do Cid e de outros citados nos autos podem revelar outras práticas criminosas. Essas outras poderão ser investigadas, tendo ou não inquéritos já instaurados, ou seja, podem surgir novas investigações ou alimentar as existentes”, afirmou ao explicar que a área técnica da PF consegue capturar informações até mesmo que foram deletadas ao usar um software específico para tal ação.

Para Guilherme, a defesa de Bolsonaro deverá tentar anular a ordem de busca e apreensão, para assim, eliminar qualquer prova que possa estar no aparelho celular.

Outro lado

O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (3), enquanto deixava sua casa no Jardim Botânico, que a operação da PF foi feita para “esculachar”, que nunca pediram para apresentar o cartão de vacinação para entrar nos Estados Unidos e que não se vacinou. Ele também negou adulteração no cartão de vacinação.

“Nunca me foi pedido cartão de vacina em lugar nenhum. Não existe adulteração da minha parte”, disse.

Ele afirmou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro teve o cartão de vacina fotografado pelos policiais. Ela se vacinou nos Estados Unidos, em 2021. A filha do casal, que tem 12 anos, também não teria se imunizado, segundo o ex-chefe de Estado.

Michelle, por sua vez, se manifestou pelas redes sociais e destacou que não sabiam o motivo da operação, reforçando que apenas ela teria se vacinado.

Na noite desta quarta-feira (3), a defesa de Bolsonaro, representada por Fabio Wajngarten e Paulo Cunha Bueno afirmou que “não haveria qualquer motivo” para a prática. Também não descartaram hipótese de hackeamento de registro de vacina de Bolsonaro.

Bueno também ressaltou que é de interesse que o depoimento aconteça “o quanto antes”.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, também saiu em defesa de Bolsonaro, pontuando que ele é uma pessoa “íntegra” e “procurava sempre seguir a lei”.

A defesa do tenente-coronel Cid afirmou que ainda não teve acesso ao inquérito, “que é físico e sigiloso”. “Vamos declarar assim que obtivermos a cópia dos autos”, complementam. Sobre o dinheiro apreendido, não retornaram.

CNN tentou contato com João Carlos Brecha, o Exército, Marcelo Siciliano, a Polícia Militar do Rio de Janeiro, a Controladoria-Geral da União, a embaixada dos Estados Unidos, o Departamento de Estado dos Estados Unidos, o Ministério da Saúde, Marcelo Costa Câmara e Luis Marcos dos Reis, mas não obteve retorno até o momento.

“Acho que o caminho é esse, é ver se existia de fato elementos que justificassem essa ordem e se partiu de um juiz competente, juridicamente falando”, pontuou.

Fonte: CNN Brasil