O presidente Lula fala ao microfone ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira, e do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha

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Planalto avalia manter indicações políticas nomeadas por Bolsonaro em busca de votos no Congresso

Mudou o presidente, mas centenas de cargos na administração federal tendem a permanecer nas mãos de indicados do chamado Centrão — grupo de partidos de centro-direita que costumam apoiar diferentes governos em troca de verbas e espaço na máquina pública.

Os órgãos mais desejados são aqueles com grande orçamento e capilaridade no território nacional, ou seja, com verba e alcance para impactar realidades locais e gerar mais dividendos políticos.

É o caso, por exemplo, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ou das superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia (Sudam).

Conseguir que aliados ocupem cargos nesses órgãos permite a políticos ampliar sua influência em suas bases eleitorais, o que tende a se transformar em mais força política nas eleições seguintes.

No momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não tem uma base de apoio sólida no Congresso para garantir a aprovação de matérias do seu interesse, até porque siglas de centro-esquerda são minoria no Parlamento.

Por isso, sua gestão está aberta a negociar esses cargos até mesmo com integrantes de partidos que eram da base do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e hoje se colocam como independentes, como Republicanos e PP. A ideia é conseguir ao menos parte dos votos dessas siglas no Congresso.

Além disso, partidos grandes da centro-direita que receberam o comando de alguns ministérios, como MDB, PSD e União Brasil, mas que não estão integralmente fechados com o Palácio do Planalto, também desejam mais espaço no governo.

E, claro, na disputa por esses cargos, também estão os partidos mais próximos a Lula, como o próprio PT.

Essas nomeações, porém, seguem ainda em ritmo lento, enquanto intensas negociações acontecem nos bastidores.

“Tem deputados reclamando. Por que estão disponíveis, querendo ajudar (o governo), mas nada ainda”, disse um deputado do PP à BBC News Brasil.

“A desconfiança que nós estamos é que os líderes (dos partidos no Congresso), o presidente da Câmara (Arthur Lira, do PP de Alagoas) vão tentar segurar na mão deles essa interlocução por cargos”, afirmou ainda.

Presidente do União Brasil, o deputado Luciano Bivar fala ao microfone

Crédito, Câmara dos Deputados

Presidente do União Brasil, o deputado Luciano Bivar cobra cargos abertamente

Segundo este parlamentar, mesmo o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-ministro de Bolsonaro, dizendo que o partido deve ficar na oposição, parte da sigla pretende apoiar o novo governo. No entanto, ressaltou, esses deputados podem inicialmente votar contra o Planalto.

“O que vai acontecer na prática: uns quatro ou cinco deputados do PP vão votar contra. Por que, se a gente vota a favor, os caras vão inverter a gente (da ordem de prioridades)”, calcula.

Outras lideranças falam abertamente do desejo por cargos. Segundo o presidente do União Brasil, Luciano Bivar (PE), seu partido tem interesse por Codevasf, Dnocs e Sudene.

“O PT é feito por pessoas inteligentes, que sabem que, para fazer política é necessário ter espaços. Quanto mais espaços tivermos no governo, mais apoios poderemos garantir”, disse em entrevista recente ao jornal O Globo.

Indicações antigas ‘podem ser aproveitadas’, diz ministro

Questionado pela BBC News Brasil, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), confirmou o diálogo com todos que tenham interesse em colaborar com o governo.

Ele afirmou, inclusive, que o Planalto pode manter pessoas que foram nomeadas na administração anterior.

Na Codevasf, por exemplo, há nomes indicados por políticos do União Brasil e do PP.

“Às vezes, já tinham pessoas indicadas, que já tinham um papel em determinadas áreas, estão sendo avaliadas. Se forem competentes, tecnicamente competentes do ponto de vista político, têm capacidade de diálogo com a sociedade, podem ser aproveitadas”, disse o ministro.

Padilha afirmou ainda que o governo tem interesse em acelerar as nomeações e que há muitos “currículos” sendo analisados, indicados por “movimentos sociais, segmentos econômicos, entidades e parlamentares”.

“Estamos trabalhando a partir dessas indicações, e são os ministros que definem, chamam as pessoas para serem entrevistadas, avaliam os currículos. Se aliar competência técnica com a competência política para construir uma política pública e, além disso, reforçar uma indicação do Congresso Nacional, melhor ainda”, ressaltou.

Por que esses cargos são tão visados?

A Codevasf tornou-se um caso emblemático que ilustra bem o apetite político.

Criada originalmente em 1974 para apoiar o desenvolvimento regional da bacia do rio São Francisco, sobretudo com projetos de irrigação em áreas afetadas pela seca, a companhia aumentou fortemente sua área da atuação nos últimos anos.

Durante o governo Bolsonaro, passou a executar bilhões de reais em emendas parlamentares, dentro do chamado Orçamento Secreto, em ações como pavimentação de vias ou doação de tratores e caminhões para prefeituras.

Isso resultou em mais escritórios e superintendências nos Estados e mais cargos comissionados disponíveis para indicações políticas, além de ampliar a possibilidade de destinação de recursos pelo país.

Na mudança mais recente, aprovada a partir de um projeto de lei do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), a Codevasf passou a atuar no seu Estado, o Amapá, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, além de aumentar a área atendida em mais nove Estados.

Na ocasião, Alcolumbre disso à TV Senado que a ampliação serviria para obras de infraestrutura hídrica, revitalização de orlas de cursos d’água, construção de barragens, saneamento básico, além de estruturar as cadeias produtivas pela economia criativa, artesanato e do cultivo de hortaliças e frutos orgânicos.

Segundo a Codevasf, a companhia já destinou R$ 360 milhões para o Amapá, com investimento mais expressivo em rodovias e doação de máquinas.

Já a inclusão do Rio Grande do Norte na área de atuação da companhia viabilizou, por exemplo, a doação de equipamentos de apoio à atividade agrícola para a cidade de Mossoró, como tratores, caminhões-pipa e caminhões, no total de R$ 5 milhões.

Essa, entre outras ações do governo federal, foram lembradas na eleição pelo prefeito da cidade, Allyson Bezerra (Solidariedade), ao manifestar seu apoio à candidatura ao Senado de Rogério Marinho (PL-RN), que foi ministro do Desenvolvimento Regional de Bolsonaro, pasta à qual a Codevasf está submetida. Marinho foi eleito.

“Rogério tem trabalho prestado a Mossoró e, com o apoio do nosso povo mossoroense, chega ao Senado Federal com 47.089 obtidos em Mossoró”, escreveu em seu Instagram o prefeito, destacando as doações de máquinas agrícolas.

A forte expansão da Codevasf foi, porém, acompanhada por denúncias de corrupção. Em janeiro, a Polícia Federal realizou uma operação contra um grupo acusado de fraudes nas doações de tratores pela companhia, por meio de emendas parlamentares, para prefeituras do interior da Bahia.

O governo Lula ainda não trocou o comando da Condevasf. A nomeação do atual presidente, o engenheiro Marcelo Moreira, no governo Bolsonaro é atribuída a uma indicação do deputado federal Elmar Nascimento, líder do União Brasil na Câmara.

Ele chegou a ser indicado por seu partido para ser ministro de Lula, mas foi barrado devido ao forte apoio que deu ao ex-presidente na eleição.

As superintendências estaduais também seguem sob comando de indicados de governos anteriores. A de Pernambuco é chefiada desde julho de 2016 (governo Michel Temer) por Aurivalter Pereira da Silva, indicado pelo então senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), depois de ter atuado em seu gabinete.

Coelho e sua família têm longa tradição de apoio a diferentes presidentes: ele foi ministro da Integração Regional de Dilma Rousseff; seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), foi ministro de Minas e Energia de Michel Temer; e depois Bezerra Coelho foi líder da gestão Bolsonaro no Senado.

Já a superintendência de Alagoas continua sob comando de João José Pereira Filho (PP), o Joãozinho Pereira, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Codevasf pavimentou uma via na pequena cidade de São Sebastião, no interior alagoano, com verbas de emenda parlamentar indicada por Lira, nas proximidades de fazendas do próprio deputado.

Lira, que participou da inauguração da obra no ano passado, disse ao jornal que era uma “inverdade” relacionar a obra federal com sua propriedade, sem prestar maiores esclarecimentos.

O então senador Fernando Bezerra Coelho participa da entrega de lotes de projeto de irrigação da Codevasf em Pernambuco em 2018

Crédito, Divulgação / Codevasf

O então senador Bezerra Coelho (à direita) participa da entrega de lotes de projeto de irrigação da Codevasf em Pernambuco em 2018

Questionada sobre as críticas e as suspeitas contra a atuação da Codevasf, a companhia disse, por meio de nota que “ações e projetos da empresa contribuem para a redução de desigualdades e são empreendidas com abordagem técnica e em resposta a demandas da sociedade, independentemente da origem dos recursos orçamentários”.

A Codevasf afirmou ainda que “possui sólida estrutura de governança implantada” e que “nomeações para cargos de direção observam requisitos técnicos e de experiência estabelecidos pela Lei nº 13.303/2016 e por normas complementares”.

“A diretoria é composta por pessoas com qualificação e experiência cujos nomes são aprovados pela instância de nomeação e destituição, que é o Conselho de Administração da Companhia. A ocupação de cargos em comissão ocorre de acordo com as disposições do Plano de Funções e Gratificações da Empresa e das demais normas aplicáveis”, acrescentou.

Fonte: BBC