• Daniela Fernandes
  • De Paris para a BBC News Brasil

2 março 2022

Um homem caminha em meio aos escombros de prédios, que moradores disseram terem sido destruídos por bombardeios recentes na cidade de Donetsk, na Ucrânia, controlada pelos separatistas, em 1º de março de 2022. REUTERS/Alexander Ermochenko

Crédito, Reuters

Um homem caminha em meio aos escombros de prédios que moradores disseram terem sido destruídos por bombardeios na cidade de Donetsk

Diferentemente do que ocorreu na guerra da Bósnia, nos anos 1990, quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pôs fim ao conflito com uma operação de bombardeios aéreos que visavam posições do Exército sérvio, a aliança transatlântica não está participando de ações militares na guerra na Ucrânia porque a Rússia possui armas nucleares, na avaliação do especialista em questões de defesa Benjamin Hautecouverture, da Fundação para a Pesquisa Estratégica, em Paris.

No último domingo (27/2), o presidente russo Vladmir Putin anunciou que as “forças de dissuasão” equipadas com armas nucleares entraram em alerta máximo.

A Otan é uma aliança militar de defesa liderada pelos EUA e que reúne hoje 30 países. Ela foi criada em 1949, nos primeiros anos da Guerra Fria, para opor a Europa Ocidental à União Soviética (URSS) e ao avanço do comunismo. A organização tem como um de seus pilares garantir a segurança de seus Estados membros.

Embora seja uma organização voltada para a defesa, no caso da guerra na Bósnia-Herzegovina, que durou de 1992 a 1995, a Otan mobilizou 400 aviões e 5.000 soldados em suas operações de bombardeios.

Para especialistas, não havia o risco de que a Rússia se envolvesse no conflito para apoiar os sérvios, em um país distante de suas fronteiras. Além disso, a antiga Iugoslávia já havia rompido há décadas com a União Soviética. A Otan também bombardeou a Sérvia em 1999 durante o conflito no Kosovo.

Segundo Hautecouverture, os russos possuem opções de ataques nucleares graduais, ou seja, de fraca, média e grande potência. Ele ressalta que Putin não poderia “apertar o botão vermelho” em um momento de loucura, já que isso necessita uma ação conjunta com o ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior do Exército.

Mas o especialista acrescenta que todos os cenários são possíveis, embora o uso, ainda que limitado, de uma arma nuclear seja o menos provável, na sua avaliação.

Uma das razões previstas, pelas regras da Rússia, para a utilização de armas atômicas é o de que a sobrevivência do Estado estaria em perigo. Para o especialista, isso não ocorre atualmente, a não ser que Putin considere que o Estado seja ele próprio.

Uma derrota contra a Ucrânia armada por países da Otan seria vista como uma ameaça ao seu regime e Putin poderia fazer valer esse argumento junto às autoridades militares russas e, nesse caso, o conflito se aproximaria do risco nuclear, afirma o especialista.

Linha vermelha

A possível entrada da Ucrânia na Otan e a expansão da presença da aliança militar ocidental no leste da Europa são os focos dessa crise, já que a Rússia alega que isso representa uma ameaça para a segurança de seu país.

O presidente russo, Vladimir Putin, participa de uma reunião com o governador de São Petersburgo, Alexander Beglov, em Moscou, Rússia, em 1º de março de 2022. Sputnik/Alexey Nikolskyi/Kremlin via REUTERS

Crédito, Reuters

Para especialista, no passado era impossível para a Rússia se opor a qualquer decisão da Otan e “Putin não era nada”

Uma primeira leva de países da Europa Oriental (Polônia, Hungria e República Tcheca) ingressou na Otan, em 1999, meses antes de Putin assumir seu primeiro mandato presidencial. A expansão da Otan, em 2004, aos países bálticos (ex-repúblicas soviéticas), Romênia, entre vários outros do leste europeu, não provocou a mesma reação de Putin como no caso da Ucrânia.

“No momento em que os países bálticos entraram na Otan, em 2004, a Rússia não tinha meios para impedir isso. Foi a mesma coisa no caso da Romênia ou da Polônia. A potência militar da Rússia naquela época não tem nada a ver com a atual”, diz Hautecouverture, acrescentando que no início dos anos 2000 o país, que saía da Guerra Fria, estava em “decomposição.”

“Era impossível para a Rússia se opor a qualquer decisão da Otan. Há quase 20 anos, o país não tinha os mesmos meios de hoje e Putin não era nada”, afirma o especialista.

A Rússia também sofreu uma forte crise financeira em 1998, marcada por uma brutal desvalorização do rublo e uma moratória sobre sua dívida externa. No início dos anos 2000, por exemplo, o porto de Murmansk abrigava a decadente frota nuclear russa, com submarinos enferrujados e temores de radiação na região.

De acordo com Hautecouverture, a Ucrânia é a última linha vermelha para Putin. “Ele deixou tudo passar (a ampliação da Otan no Leste Europeu) porque ele estava impossibilitado de fazer algo”, diz ele.

Míssil nuclear russo

Crédito, Mikhail Svetlov/Getty Images

O poderio nuclear russo foi exibido em 2021, na celebração pela vitória na Segunda Guerra

“O último país fronteiriço da Rússia com possibilidades de entrar na Otan é a Ucrânia. E é um caso à parte porque, na história russa, a Ucrânia integrou a União Soviética. Daí a linha vermelha. O país é como um apêndice, um irmão, um primo, algo excessivamente próximo.”

O especialista acrescenta que o mar Negro, a Crimeia e a Ucrânia, “no fantasma russo, fazem parte da Rússia.”

O pesquisador diz também que a eventual entrada da Ucrânia na Otan não é uma ameaça à segurança da Rússia e que todos estão de acordo com isso, exceto Putin.

A guerra atual, na sua avaliação, demonstra que há sentido em manter a existência da organização transatlântica, questionada por alguns em razão do fim da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, a aliança militar dos países do leste europeu e URSS.

O funcionamento da Otan também vinha sendo criticado. Há cerca de dois anos, o presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que a organização estava em “estado de morte cerebral.”

“A guerra na Ucrânia mostrou que a Otan é necessária. Ela ganhou fôlego pelos próximos 30 anos”, avalia Hautecouverture.

línea

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

Fonte: BBC