Quem costuma pedir entrega de comida sabe que alguns pratos viajam bem, outros não.

Sushi chega inteiraço, por razões óbvias. Pizza sofre alguns atropelos, mas todos havemos de concordar que pizza é algo bom mesmo quando é ruim. O diabo é quando o entregador resolve dar grau, empinar a moto, e a cobertura escorrega toda para uma das metades da pizza.

Hambúrguer viaja mais ou menos. A batata frita amolece, esfria e murcha na proporção direta da lonjura do percurso. E tem alguns nefelibatas que teimam em pedir delivery de sorvete.

Já nos longínquos anos 1990, a rede de lanchonetes America tinha um cardápio para entrega com ícones para indicar o que viajava bem e o que nem a pau.

Com a epidemia da Covid-19 e o decorrente encerramento dos salões dos restaurantes, a entrega de comida se tornou a única possibilidade de o setor manter um faturamento mínimo.

As refeições para viagem se tornaram a tábua de salvação de todos os restaurantes. Até daqueles que se acham chiques demais para fazer quentinhas. Até daqueles especializados em comidas incompatíveis com o esquema de entrega em domicílio. Churrascarias rodízio, para dar um exemplo gritante.

Tais estabelecimentos precisaram de contorcionismos e malabarismos para adaptar seus, digamos, conceitos ao delivery. O pessoal está tateando no escuro. Chutando alto na tentativa de sobreviver.

Um expediente bastante comum é separar os elementos do prato em recipientes individuais, para que o comprador junte tudo antes de comer. A pizzaria Bráz, por exemplo, manda mozarela de búfala fresca e manjericão em potes à parte para um de seus sabores –de outra forma, esses ingredientes cozinhariam sobre a pizza quente.

O ponto negativo desse artifício é o aumento do volume de plástico e de papelão no lixo. Pior ainda porque o esquema de reciclagem, que já não era 100%, também entrou em colapso no Brasil.

Quando nem isso garante um padrão de qualidade que preserve a reputação da casa, a ousadia vai além. Tem restaurante que entrega comida crua –ou minimamente preparada– para o cliente cozinhar em casa.

Numa rede social, vi outro dia o kit curioso de uma churrascaria –não vou dizer qual porque sei que é uma solução emergencial, quiçá desesperada.

O combo continha uma peça de carne apenas selada na brasa, para o comprador assar no ponto desejado em casa. Uns cubos de provolone num recipiente próprio para as provoletas que, novamente, seriam feitas pelo cliente em seu próprio forno. Um pote de molho chimichurri industrial. Por fim, discos de massa crua para empanadas, com o recheio em outra embalagem. Cabia ao freguês não somente assar a empanada, como também montá-la.

Reitero que empatizo com os comércios em dificuldade. Mas não faz sentido, para mim, pagar preço de restaurante por comida crua.

Quando quero cozinhar, eu cozinho; quando eu peço comida, quero receber comida pronta. O pessoal há de achar uma saída melhor para essa enorme enrascada.

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Fonte: Folha de S.Paulo