ALÉXIA SOUSARIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Polícia Civil do Rio Grande do Sul apura ao menos 90 suspeitas de erros médicos que provocaram mortes e lesões graves, atribuídas ao cirurgião João Couto Neto, de 46 anos, em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre.

“Até o momento, foram registradas 76 ocorrências. Mas já contabilizamos 90 casos sendo apurados”, informou à reportagem o delegado Rafael Sauthier, que está à frente da investigação durante as férias do delegado titular Tarcísio Kaltbac, nesta terça (3).

Procurado, o cirurgião João Couto Neto não se manifestou sobre as denúncias. Ele compareceu à delegacia com dois advogados, após ser intimado, mas optou por ficar em silêncio.

Segundo a Polícia Civil, não há previsão para o fim do inquérito. “Trata-se de um trabalho extenso, com muitas pessoas para ouvir, e muitos elementos de informação para coletar”, disse o delegado Sauthie.

Até o momento, familiares e enfermeiros que trabalharam com Couto Neto, especialmente no hospital particular Regina, de onde parte a maioria das denúncias, prestaram depoimento. Há relatos que apontam casos de infecção generalizada, trombose, embolia pulmonar e até mesmo demência após a realização de procedimentos realizados pelo cirurgião.

A partir dos depoimentos, a polícia concluiu que o médico realizava uma cirurgia em um órgão e acabava perfurando outra região do corpo. Segundo testemunhas, pacientes que apresentavam piora no quadro de saúde após os procedimentos também eram tratados com descaso.

De acordo com registros médicos, Couto Neto acumulava até 25 cirurgias em um mesmo turno de plantão. Para os investigadores, a quantidade de procedimentos impedia o cirurgião cuidar corretamente das intervenções e dos pós-operatórios. A polícia ainda tenta, no entanto, entender como falhas tão graves podem ter sido cometidas.

Além de prontuários, a polícia analisa outros documentos que, junto com os depoimentos dos pacientes, vão ser enviados para o Instituto-Geral de Perícias (IGP). O material foi apreendido no apartamento do cirurgião, em uma clínica particular de propriedade do médico e no Hospital Regina.

A unidade de saúde afirmou, em nota, que colabora com as autoridades na investigação, mas que o médico não possui vínculos trabalhistas e somente “usava a estrutura do hospital para exercício de sua profissão”. Informou ainda que criou um setor para acolhida e escuta dos representantes dos pacientes e familiares.

Nas redes sociais, o médico que só atuava na rede particular, se apresenta como especialista na realização de cirurgias do aparelho digestivo. Participativo na internet, o cirurgião tem 15,9 mil seguidores no Instagram, além de outros 13 mil no Facebook.

João Couto Neto foi afastado de suas funções por 180 dias, após uma decisão judicial em 12 de dezembro. Segundo a determinação, o profissional não pode atender pacientes ou se aproximar de parentes das vítimas que teria lesado. Apesar disso, a Justiça negou o pedido de prisão preventiva do médico.

No mesmo dia em que foi afastado, o médico comentou a marca de mais de 20 mil cirurgias realizadas. “Com responsabilidade e maturidade, nos sentimos confortáveis em afirmar que realizamos mais de 20 mil cirurgias e procedimentos durante os últimos 19 anos, cumprindo os mais elevados preceitos médicos, honrando esta profissão”, diz um trecho da publicação.

A postagem já acumula 250 comentários, entre críticas -que estão sendo apagadas no perfil- e, também, elogios a sua atuação.

No site do cirurgião, consta que ele é formado em medicina pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL) e graduado em cirurgia geral, em 2003, pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição, de Porto Alegre. É membro da Sobracil (Sociedade Brasileira de Vídeocirurgia), do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e da Sociedade Brasileira de Hérnia.

O Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul) afirmou que abriu uma sindicância para apurar o caso, que corre em sigilo. O órgão pode suspender o registro do médico, que consta como regular.