BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Receita Federal informou que abrirá investigação interna para saber se houve, em 2019, acesso ilegal a dados fiscais do então advogado de Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada contra Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral de 2018.

A decisão ocorreu após o ex-secretário da Receita Marcos Cintra dizer à Folha que houve naquele ano pedido da Polícia Federal ao Fisco para descobrir a origem de eventuais pagamentos à defesa de Adélio.

Segundo a Receita, uma busca preliminar feita após a publicação das declarações de Cintra não encontrou nenhuma solicitação formal da PF ou de outro órgão de investigação e fiscalização para levantamento de dados relativos ao caso.

Se eventual investigação da Receita em 2019 tiver ocorrido de maneira informal, o ato é passível de sanções administrativas, penais e cíveis.

O advogado Zanone Manuel de Oliveira Junior foi defensor de Adélio da época do atentado até o final de 2019, quando o caso foi assumido pela Defensoria Pública da União.

“Nada. Naquele momento [junho de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro] se discutia o atentado e pedido feito à RFB [Receita Federal do Brasil] para ver origem do pagamento ao advogado do Adélio Bispo”, disse Cintra à Folha no início do mês, por meio de mensagem de texto, no contexto de outra apuração jornalística.

Cintra, que chefiou a Receita de janeiro a setembro de 2019, respondia à pergunta sobre se haviam sido discutidos os acessos ilegais a dados de desafetos da família Bolsonaro em uma reunião entre ele, o então coordenador da inteligência do Fisco, Ricardo Feitosa, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno, em junho de 2019.

Como a Folha de S.Paulo revelou, Feitosa fez acessos ilegais a dados fiscais sigilosos do coordenador das investigações sobre o suposto esquema das “rachadinhas”, o então procurador-geral de Justiça do Rio Eduardo Gussem, e de dois políticos que haviam rompido com a família presidencial, o empresário Paulo Marinho e o ex-ministro Gustavo Bebianno

Cintra negou que essa reunião tenha tratado desses acessos ilegais, afirmando ter sido apenas uma visita de cortesia a Heleno, para conhecer o novo coordenador de inteligência da Receita e que, entre outros, houve conversa informal e de caráter geral sobre temas noticiados à época pela imprensa, como o mistério sobre quem estaria bancando o advogado de Adélio.

“Mas não deu em nada. Concluíram que o advogado mentiu e não recebeu pagamento algum”, acrescentou.

Procurado novamente nesta terça-feira (14), o ex-secretário da Receita não quis se manifestar sobre a abertura de investigação pelo Fisco.

A tentativa de apontar supostos financiadores dos advogados de Adélio Bispo mobilizou Bolsonaro e aliados em toda a sua gestão, tendo sido também objeto de investigações da Polícia Federal, com desdobramentos até os dias atuais.

No mês em que Cintra se reuniu com Heleno no Palácio do Planalto, por exemplo, Bolsonaro publicou em suas redes sociais mensagem com vídeo editado por bolsonaristas em que o advogado de Adélio sugeria que estava sendo pago por emissoras de TV.

O advogado afirmou, posteriormente, que estava sendo irônico neste ponto e que a edição do vídeo camuflou seu correto contexto.

A versão contada por Zanone, que permanece a mesma, é a de que ele assumiu a defesa de Adélio após ter sido procurado por uma pessoa de uma igreja evangélica frequentada pelo agressor. Essa pessoa lhe teria adiantado R$ 5.000 em dinheiro, tendo rompido contato após o recrudescimento da repercussão do caso.

Ainda em 2019, a PF interrogou fiéis que frequentavam os mesmos templos de Adélio, entre outras diligências, mas jamais achou indícios de financiamento dos advogados por terceiros.
A hipótese considerada mais forte por investigadores é a de que Zanone tenha assumido o caso de graça, em troca da notoriedade que ganharia na mídia.

Apesar disso, Bolsonaro e aliados sempre mantiveram a afirmação de que Adélio agiu a mando de alguém, o que resultou na pressão sobre a PF para que ela descobrisse os supostos financiadores dos advogados.

Em dezembro de 2018, operação da Polícia Federal autorizada pela Justiça apreendeu os materiais de Zanone em seu escritório, mas em março do ano seguinte o Tribunal Regional Federal da 1ª Região paralisou a análise da busca sob o argumento de que ela feriu o sigilo profissional da advocacia.

O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, que o devolveu ao TRF-1 sem análise de mérito. Em novembro de 2021, o tribunal federal autorizou a quebra de sigilo bancário de Zanone. Com isso, a Polícia Federal reabriu o inquérito, que corre sob sigilo.

A defesa de Adélio, hoje a cargo da Defensoria Pública da União, foi composta inicialmente por quatro advogados.

Zanone seria o coordenador do grupo, composto ainda por Pedro Augusto de Lima Felipe e Possa, Marcelo Manoel da Costa e Fernando Magalhães.

Procurado nesta quarta-feira (15), Zanone afirmou acreditar que toda a vida fiscal de suas empresas tenha sido devassada.

O atentado contra Bolsonaro ocorreu em 6 de setembro de 2018, quando Adelio atingiu o então presidenciável com uma facada na barriga durante ato de campanha em Juiz de Fora.

A Polícia Federal concluiu, em duas investigações, que Adélio agiu sozinho, sem nenhuma evidência real de que tenha sido auxiliado por outras pessoas ou obedecido a um mandante.

Considerado inimputável pela Justiça Federal mediante diagnóstico de transtorno mental que o incapacita de entender o caráter de crime que cometeu, ele cumpre medida de segurança na penitenciária federal de Campo Grande (MS).