Uma negociação da empresa ucraniana de aviação Antonov com São Paulo causou tensão entre o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Secretaria de Negócios Internacionais do Estado divulgou um comunicado à CNN na quarta-feira, 26, dizendo que representantes da estatal se reuniram com a administração paulista com interesse em investir US$ 50 bilhões no Estado. Ainda segundo a pasta, a empresa, porém, teria recuado da parceria em razão das declarações recentes do petista sobre a guerra na Ucrânia.

No entanto, em nota divulgada nas redes sociais nesta quarta-feira, 26, a estatal ucraniana negou a autoria da informação e disse não ter representantes no Brasil. Ministros do governo Lula reagiram, acusando o governo paulista de disseminar fake news. À CNN, a estatal fez um novo comunicado na noite de quinta-feira, 27, em que disse ter feito “consultas preliminares” no Brasil.

Ao Estadão, o consultor internacional Eduardo Kuntz, que afirma ter representado a Antonov no diálogo com o governo de São Paulo, disse apenas que “a situação está bem esclarecida quanto à representação, ocorrência das reuniões e o interesse em desenvolver as atividades no Brasil”.

O presidente e Tarcísio conversaram nesta quinta-feira, 27, por telefone, em duas ocasiões, para esclarecer o assunto e apaziguar os ânimos. O ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, afirmou ao Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, que Lula primeiro ligou para o governador e, em seguida, recebeu de volta um telefonema de Tarcísio. No Palácio dos Bandeirantes, aliados do governador disseram ao Estadão que a situação gerou um “desgaste” de Tarcísio com o secretário de Negócios Internacionais, Lucas Ferraz.

Entenda o caso

Na quarta-feira, 26, a pasta emitiu um comunicado no qual dizia que representantes da Antonov State Company – empresa ucraniana especializada na construção de grandes aeronaves – iriam suspender negociações locais “diante das últimas declarações do governo federal”. A informação foi divulgada pela CNN Brasil.

Segundo a nota divulgada pelo governo paulista, esses representantes estiveram no Palácio dos Bandeirantes para tratar de investimentos da ordem de US$ 50 bilhões. A ideia seria construir uma unidade industrial de aviões no País.

“A Secretaria de Negócios Internacionais do Estado de São Paulo informa que, no dia 11 de abril, recebeu representantes de Oleksandr Nykonenko e Victor Avdeyev, conselheiro e vice-presidente da Antonov Company, para audiência a respeito do interesse da estatal ucraniana Antonov de desenvolver atividades no Brasil, em especial no Estado de São Paulo”, dizia o comunicado.

A pasta afirmou, no entanto, que “diante das últimas declarações do governo federal, a Antonov decidiu suspender as negociações”, em referência às falas do presidente Lula em imputar a responsabilidade da guerra na Ucrânia e afirmar que Estados Unidos e Europa estavam “incentivando” o conflito.

A justificativa foi retirada pela Secretaria de Negócios Internacionais de um e-mail enviado pelo consultor Alexandre Maia a técnicos da pasta, obtido pelo Estadão. Maia participou da reunião ao lado de Eduardo Kuntz. Procurado, Maia não respondeu à reportagem até a publicação deste texto.

Antonov contradiz SP

Diante da repercussão, a própria companhia ucraniana se manifestou, por meio de rede social, sobre o caso e contradisse a publicação do governo paulista. A nota da companhia afirma que “informações incorretas” estavam sendo espalhadas pela imprensa brasileira em relação a uma “suposta suspensão das negociações da Antonov State Company sobre o suposto início da produção de aeronaves no Brasil”.

A companhia ainda ressaltou que não possui representante autorizado no Brasil. Disse também que não deu a qualquer pessoa, incluindo escritórios de advocacia, qualquer poder para representar os interesses da empresa no País.

Em nota posterior enviada à CNN, a Antonov recuou e confirmou que existiram diálogos entre um dos executivos da empresa e Alexandre Maia para o estabelecimento de “conversas preliminares” para abrir negociações com parceiros brasileiros.

Envolvidos nas negociações alegam, sob condição de reserva, que um dos motivos do cancelamento das negociações teria sido o fato do Bandeirantes não ter enviado uma carta-convite à Antonov para sacramentar o interesse do Executivo paulista em avançar com as conversas.

Membros da pasta disseram ao Estadão que o Bandeirantes havia solicitado e aguardava uma reunião por vídeo com executivos da própria Antonov, sem depender de intermediários, na qual Ferraz tornaria oficial o interesse em celebrar uma parceria.

O site da Secretaria de Negócios Internacionais está fora do ar desde a manhã desta sexta-feira, 28. Procurada, a secretaria não se manifestou sobre as declarações da Antonov e disse que o portal está temporariamente desativado para troca de layout.

A Secretaria de Comunicação do governo estadual também afirmou que não vai se pronunciar sobre o assunto.

Reação

Nas redes sociais, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, criticou a ação do governo paulista e afirmou ser “lamentável” produzir, “oficialmente”, fake news contra a gestão federal. “Esse nunca foi o padrão de São Paulo”, escreveu.

Em nota, a secretaria de Comunicação da Presidência chamou de “notícia falsa” a afirmação de que as negociações foram canceladas por causa de falas de Lula e disse não ter conhecimento das negociações para instalação de fábricas da Antonov no Brasil. “O governo brasileiro não recebeu pedidos de reunião com representantes do grupo ucraniano para tratar de projetos dessa natureza”, escreveu.

Constrangimento

Auxiliares de Tarcísio afirmam que a ligação para Lula ocorreu como tentativa de arrefecer a tensão que se criou após a divulgação dos comunicados e a manifestação de França. O governador ficou irritado com a repercussão do assunto, que gerou desgaste considerado desnecessário nas relações com o governo federal.

Membros do governo avaliam que a situação escalonou politicamente e resvalaram no prestígio de Lucas Ferraz com Tarcísio. A percepção é a de que o “constrangimento” causado ao governador criou um desgaste com Ferraz.