IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) quer que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) acomode a mãe de uma de suas quatro netas em um cargo do Executivo paulista nos Estados Unidos.

A negociação para que Martha Seillier seja indicada para liderar o escritório da agência de fomento de negócios InvestSP nos EUA ocorre há pelo menos duas semanas, desde que a economista voltou ao Brasil de Washington.
Seillier trabalhava numa diretoria do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) reservada ao Brasil e ao Suriname, desde maio do ano passado.

Ela havia sido indicada pelo seu chefe na ocasião, Paulo Guedes, a quem serviu por três anos como secretária especial do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos) no então Ministério da Economia de Bolsonaro.

No começo deste ano, o site Metrópoles revelou que ela estava grávida de um dos filhos de Bolsonaro, o vereador carioca Carlos (Republicanos). A criança, Júlia, nasceu em fevereiro -sugerindo de forma temporal que ela já poderia estar a caminho quando a mãe ganhou o cargo nos EUA.

Ninguém na família fala sobre o assunto, por ordem de Bolsonaro e desejo de privacidade de Seillier, segundo aliados do ex-presidente.

A reportagem enviou mensagem por celular à ex-secretária para comentar sua indicação, mas ela não respondeu.

Ainda tratado sob sigilo, o movimento causou revolta entre funcionários do quadro técnico do Palácio dos Bandeirantes.
Nas conversas, Seillier disse que buscaria impulsionar a privatização da Sabesp, estatal de saneamento, junto a empresários americanos. A desestatização do órgão é uma das prioridades de Tarcísio, que esteve à frente do mesmo PPI no governo de Michel Temer (MDB), antes de assumir o Ministério da Infraestrutura de Bolsonaro.

A economista chegou a ter o nome ventilado para ocupar alguma secretaria no governo Tarcísio. Agora, quer voltar aos EUA.

Segundo pessoas próximas da família Bolsonaro, um dos temores é a segurança da neta do ex-presidente. Bolsonaro tem forte ligação com a Flórida, estado onde exilou-se ao deixar o posto antes do fim do mandato e permaneceu até março deste ano.

O caso de Seillier tem precedentes.

Quando estava no poder, Bolsonaro enviou para Miami o general da reserva Mauro Cid, de sua turma na Academia Militar das Agulhas Negras e pai do seu então ajudante de ordens homônimo, que está preso sob acusação de fraudar dados de exames de Covid para que o então presidente pudesse viajar ao EUA.

O militar liderou o escritório da Apex, agência de promoção de investimento análoga em nível federal à InvestSP. Em junho do ano passado, como a Folha havia revelado, foi a vez de a mesma unidade abrigar o médico de Bolsonaro no Planalto, Ricardo Camarinha, para estranhamento geral do corpo técnico.

Há dois óbices colocados no caso atual, segundo quem está inteirado do assunto: Seillier gostaria de mudar o escritório da InvestSP de Nova York justamente para o paraíso bolsonarista de Miami e está insatisfeita com o salário atual, que com gratificações chega a cerca de US$ 9.000 (R$ 43 mil hoje). O cargo hoje é ocupado por Maurício Abadi.

Seillier era uma das estrelas do bolsonarismo no governo, tendo postado o bordão “Supremo é o povo”, usado por golpistas contrário ao Supremo Tribunal Federal, em 2021.
Antes de assumir o PPI, esteve envolvida na polêmica de um voo exclusivo da FAB à Índia, no qual ela era uma das três pessoas a bordo -considerado “inadmíssivel” pelo então presidente, o episódio derrubou o então número 2 da Casa Civil.

Ao mesmo tempo, ela era vista como um quadro técnico, sendo a primeira mulher à frente da Infraero, por um breve período em 2019, e tendo o trabalho à frente do PPI elogiado na iniciativa privada.

Como o cargo no BID é de provimento do Ministério do Planejamento, unido ao da Fazenda sob Guedes, a saída de Seillier era dada como certa sob o governo Lula. Oficialmente, ela teria apenas completado o mandato do diretor anterior, interrompido antes do fim, mas quando sua ida foi anunciada ela foi estimada para um novo termo, até 2025.

Para Tarcísio, o episódio soma-se a outros em sua relação pós-governo Bolsonaro com o ex-chefe. Eles já divergiram sobre reforma tributária e, com a inelegibilidade do ex-presidente, o governador surge como um nome para ocupar espaço na direita brasileira.

Eles fizeram juras públicas de lealdade após a discussão pública sobre tributos, e agora a crise decorrente da alta letalidade policial em operação no Guarujá volta a colocar a identificação entre ambos no holofote.

Leia Também: Vou escolher procurador-geral ‘que não faça denúncia falsa’, e ‘no momento certo’, diz Lula