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Há, nas delegacias, um procedimento que, sem ter previsão legal, é muito comum e tem gerado diversos erros judiciais. Trata-se da apresentação de um álbum de fotos à testemunha para que ela eventualmente identifique o autor do crime. Em geral, são fotos de pessoas que já tiveram passagem pela polícia, mas que, a princípio, não têm nenhuma relação com os eventos investigados.

O termo utilizado nas delegacias – álbum de suspeitos – é impróprio. As pessoas cujas fotos estão nesses álbuns não são suspeitas do crime investigado. Suas fotos são apresentadas em razão apenas de questões criminais passadas. “É cômodo para a polícia apontar para alguém que tem antecedentes: respondem por aquilo que fizeram no passado”, avalia o professor da Universidade de São Paulo (USP) Maurício Dieter.

O reconhecimento por foto apresentada pela polícia é muito frágil para elucidar os fatos. Uma foto expressa apenas o rosto da pessoa, em um momento concreto e sob ângulo específico. Às vezes, as fotos dos álbuns da polícia são de anos atrás. No entanto, apesar da fragilidade epistêmica, esse reconhecimento vinha sendo aceito pela Justiça sem maiores questionamentos. Muitas prisões preventivas e condenações foram proferidas com base nesse método, como se oferecesse um suporte probatório seguro.

Felizmente, nos últimos anos, a Justiça tem revisto esse método. Antes da pandemia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus em favor de um homem de 27 anos que, após ter sua foto incluída no álbum de suspeitos, foi acusado injustamente ao menos 8 vezes. Noutro caso, a 6.ª Turma do STJ estabeleceu diretrizes para a validade do reconhecimento de pessoas. Por exemplo, diante dos riscos de reconhecimento falho, é necessário seguir estritamente o que a lei determina, sob pena de invalidade do ato. A lei não autoriza uso de foto.

Em 2021, o Senado aprovou projeto de lei proibindo o tal álbum de suspeitos. “São vedadas a apresentação de fotografias que se refiram somente a pessoas suspeitas, integrantes de álbuns de suspeitos, extraídas de redes sociais, restritas a amigos ou associados conhecidos de suspeito já identificado ou de suspeitos de outros crimes semelhantes, bem como a apresentação informal de fotografias por autoridades de polícia judiciária ou de policiamento ostensivo”, diz o projeto, agora em tramitação na Câmara.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro recomendou que os juízes revisem condenações baseadas em reconhecimentos frágeis, por foto, como única prova. Segundo dois estudos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, de 2012 a 2020, houve ao menos 90 prisões injustas baseadas no método. Nos processos com informação sobre a raça dos acusados, 81% deles eram pessoas negras.

Num Estado Democrático de Direito, que leva a sério não apenas as garantias individuais, mas também a qualidade epistêmica de seus processos, não cabe prisão ou condenação baseada apenas em reconhecimento por foto. É preciso coibir, e não estimular, o viés racista e o erro judicial.

Fonte: MSN

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