(FOLHAPRESS) – Em um cada vez mais raro acordo entre os dois grandes partidos dos Estados Unidos em uma pauta ligada aos costumes, o Senado do país aprovou nesta terça-feira (29) o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo. O texto ainda deve voltar para a Câmara e ser sancionado pelo presidente, Joe Biden, mas a aprovação agora já é dada como certa.

Até aqui, esse tipo de união é garantido no país por decisão da Suprema Corte, e a aprovação no Congresso é considerada essencial para transformar em lei e proteger o que hoje existe por decisão judicial.

O assunto ganhou ainda mais peso após a reversão do direito ao aborto no país. Por cinco décadas, a interrupção voluntária da gravidez foi considerada um direito constitucional nos Estados Unidos segundo entendimento da Suprema Corte. Mas em junho deste ano o tribunal reviu a decisão, o que abriu caminho para que estados aplicassem leis que proíbem o procedimento.

A reversão do aborto foi a manifestação mais clara da guinada conservadora do tribunal após o mandato de Donald Trump (2017-2021), que indicou três dos nove juízes atuais da corte. Foi a partir daí que os democratas começaram um esforço grande para, no jargão legal, “codificar” outros assuntos relevantes, ou seja, transformar em lei, o que dá mais peso e dificulta a reversão por decisão judicial.

Outro motivo de pressa na aprovação foi o resultado das eleições de meio de mandato que aconteceram no começo do mês, que definiram que o Partido Republicano controlará a Câmara a partir do ano que vem. Como os democratas controlam hoje tanto Câmara quanto Senado, houve pressa para aprovar a legislação antes que o partido mais conservador assuma o comando da Casa.

Mas foi essencial o apoio dos republicanos para aprovação da lei, com mais de uma dezena de parlamentares do partido votando pela nova legislação, inclusive representantes que em outros momentos votaram contra o casamento gay.

A lei aprovada nesta terça também protege o casamento entre pessoas de raças diferentes, embora não haja mais questionamento expressivo a esse tipo de união na sociedade americana.

“Com a aprovação bipartidária do Senado da Lei de Respeito ao Matrimônio, os Estados Unidos estão prestes a reafirmar uma verdade fundamental: amor é amor, e os americanos devem ter o direito de se casar com a pessoa que amam”, disse em comunicado o presidente dos EUA, Joe Biden.

“Para milhões de americanos, esta legislação salvaguardará os direitos e proteções aos quais os casais LGBTQI+ e interraciais e seus filhos têm direito. Também garantirá que, nas próximas gerações, os jovens LGBTQI+ cresçam sabendo que também podem levar uma vida plena e feliz e construir suas próprias famílias.”

Os esforços para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo ganharam corpo a partir dos anos 1990, sobretudo depois da Lei de Defesa do Matrimônio, de 1996.

Aprovada pelo Parlamento e sancionada pelo então presidente Bill Clinton, a lei definia que, para o governo federal, o casamento é uma união entre um homem e uma mulher, e dizia que nenhum estado era obrigado a reconhecer a validade de uma união entre pessoas do mesmo sexo que fosse autorizada pelas leis de outro estado.

Foi um baque no movimento pelos direitos civis de populações LGBTQIA+, mas a partir daí as vitórias vieram aos poucos. Em 2003, a Suprema Corte derrubou a chamada lei da sodomia do Texas e considerou inconstitucionais leis similares em outros estados, estabelecendo que atividades sexuais consensuais não poderiam ser punidas como crimes e que o direito à privacidade estava acima desse tipo de legislação. Na ocasião, 14 estados tinham leis do tipo que puniam a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo.

Naquele mesmo ano, o estado de Massachusetts foi o primeiro a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, abrindo o caminho para que uma série de leis estaduais do tipo por todo o país, ainda que o tema tivesse oposição mesmo do então presidente, George W. Bush.

É de 2013 a decisão da Suprema Corte que reconhece o casamento gay. Na ocasião, o tribunal considerou inconstitucional a Lei de Defesa do Matrimônio, aprovada no governo Clinton. Primeiro a decisão foi limitada a 13 estados e a capital, Washington. Dois anos depois, em 2015, a mesma corte decidiu que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um direito constitucional e que todos os 50 estados devem reconhecer contratos do tipo.

O projeto aprovado pelo Senado nesta terça enterra de vez a lei de 1996 e estabelece no lugar a Lei do Respeito ao Matrimônio.

A aprovação mostra como a pauta mudou na política americana nos últimos tempos. Mesmo senadores conservadores e de estados fortemente republicanos manifestaram apoio à medida. Mitt Romney, candidato a presidente em 2012 e senador por Utah, afirmou em comunicado em a legislação “faz sentido.”

“Embora eu acredite no casamento tradicional, Obergefell [nome da decisão da Suprema Corte de 2015] é e tem sido a lei na qual os indivíduos LGBTQ confiam”, disse. “Esta legislação oferece segurança a muitos LGBTQ americanos e sinaliza que o Congresso -e eu- estimamos e amamos todos os nossos concidadãos americanos igualmente”.