SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma investigação independente divulgada nesta segunda-feira (10) apontou que o naufrágio da embarcação lotada de migrantes na Grécia pode ter sido provocado por uma operação malsucedida da Guarda Costeira para rebocar o barco. O incidente, o mais mortal do tipo no país europeu desde 2016, causou a morte de pelo menos 82 pessoas e deixou centenas de desaparecidas no mar Mediterrâneo.

A investigação foi conduzida pelo jornal britânico The Guardian, a emissora pública alemã ARD/NDR/Funk e a agência investigativa grega Solomon. Os veículos realizaram mais de 20 entrevistas com sobreviventes e examinaram documentos do governo para apurar as causas do incidente.

O barco com migrantes afundou em junho perto da península de Peloponeso, na Grécia. As autoridades resgataram 104 pessoas e retiraram 82 corpos do mar. Segundo organizações que atuam em defesa dos migrantes, a embarcação transportava cerca de 750 pessoas -centenas continuam desaparecidas.

Vários sobreviventes acusaram a Guarda Costeira grega de provocar o naufrágio ao tentar rebocar a embarcação -a instituição nega que seus agentes tenham se envolvido no incidente. Para apurar as versões, os investigadores mapearam os momentos que precederam o naufrágio com dados do tráfego marítimo, rotas de voos, imagens de satélite, além dos depoimentos de autoridades e migrantes.

Segundo a Guarda Costeira da Grécia, a embarcação navegava em direção à Itália e foi avistada em águas internacionais por uma aeronave da Frontex, a agência de fronteiras da União Europeia. Na ocasião, o barco estaria a 80 quilômetros da cidade grega de Pylos, e as pessoas a bordo teriam recusado assistência. Algumas horas depois, a embarcação afundou.

Mas os últimos movimentos do barco superlotado contradizem as autoridades gregas e revelam inconsistências no relato oficial dos acontecimentos. Em um primeiro momento, a Guarda Costeira teria manifestado relutância em socorrer a embarcação. A instituição teria negado três vezes os pedidos de assistência feitos pela agência Frontex. Além disso, havia um navio de resgate atracado em um porto próximo do local do acidente, mas que sequer foi enviado para auxiliar os migrantes.

O barco que transportava centenas de pessoas teria começado a navegar para o oeste ao avistar o único navio da Guarda Costeira grega enviado ao local. Segundo testemunhos de sobreviventes, agentes da instituição teriam dito que os levariam à Itália -colidindo com a versão oficial de que a embarcação navegava em direção ao país europeu por conta própria.
A investigação também mostrou que o barco ficou parado por ao menos uma hora até que, segundo os sobreviventes, ocorreu a tentativa de reboque. “Sinto que eles tentaram nos empurrar para fora das águas gregas para que sua responsabilidade terminasse”, disse um sobrevivente, segundo o Guardian.

Duas tentativas de reboque teriam sido feitas. Na segunda, a embarcação virou, segundo testemunhas, que relatam ainda que tiveram os seus celulares confiscados pelas autoridades gregas.

A versão oficial também tem sido contestada por familiares das vítimas. Tarek Aldroobi, que tinha três parentes a bordo, disse à CNN internacional que testemunhas viram as autoridades rebocando o navio com cordas. “O barco estava em boas condições, e a Marinha grega tentou rebocá-lo para a praia, mas as cordas estavam amarradas nos lugares errados”, disse. “Quando a Marinha tentou puxá-los, o barco virou.”

Ilias Siakanderis, porta-voz do governo, reiterou à emissora grega ERT que a Guarda Costeira avistou a embarcação duas horas antes do naufrágio e que os agentes deixaram o local após a ajuda ter sido recusada. “Quando o barco virou, não estávamos nem perto. Como poderíamos rebocá-lo?”, disse Nikos Alexiou, porta-voz da Guarda Costeira.

A Grécia é acusada com frequência de rejeitar a presença de barcos com migrantes. Em maio, vídeos que vieram à tona mostraram autoridades gregas deixando 12 migrantes africanos, entre os quais crianças, em um bote salva-vidas em alto mar, configurando uma deportação extrajudicial que viola leis internacionais e regras da União Europeia, bloco ao qual o país pertence.

Segundo a Frontex, o número de entradas irregulares em países-membros da UE em 2022 aumentou 64% em relação ao ano anterior e chegou ao nível mais alto desde 2016, quando a cifra foi pouco superior a 500 mil. De acordo com o órgão, no ano passado foram registradas 330 mil entradas em condições ilegais. Cerca de 10% dessas migrações foram realizadas por mulheres, e 9%, por menores.

O naufrágio do barco com migrantes em junho foi o incidente mais grave registrado pela Grécia desde junho de 2016, quando 320 pessoas morreram ou foram consideradas desaparecidas após um barco afundar na costa da ilha de Creta.