• Jon Sopel
  • Editor de América do Norte da BBC

Biden na Casa Branca

Crédito, Getty Images

Há uma citação no livro “O Sol É para Todos” em que Jem escuta de Maudie que “as coisas nunca são tão ruins quanto parecem.” Para o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, agora, as coisas parecem muito sombrias.

Mas se estou cavando em meu livro de citações, qual é melhor que o poema Se, de Rudyard Kipling, e aquele verso sobre tratar o triunfo e o fracasso como os impostores que são?

Os políticos ouviram ao longo dos tempos que não há como voltar desta ou daquela catástrofe, e – ainda assim – eles voltam.

As consequências caóticas da retirada dos Estados Unidos do Afeganistão vêm de um livro ainda a ser escrito de “como perder em tudo”. Os alertas não haviam sido ouvidos, a inteligência era totalmente inadequada, o planejamento era lamentável, a execução lastimável.

Vamos nos concentrar em um ponto – embora haja uma grande quantidade que vale a pena ser examinada.

A retirada das tropas dos Estados Unidos veio durante a “temporada de luta” – uma frase que devo dizer que sempre achei um tanto estranha. Mas no Afeganistão há uma temporada de combates que começa na primavera – e depois no inverno, quando o país congela, chega um momento em que o Talebã volta para sua terra natal tribal. Ninguém pensou que poderia ter sido melhor ordenar a retirada para o auge do inverno quando as forças do Talebã não estavam lá, prontas para preencher o vácuo?

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Soldados do Talebã patrulham as ruas de Jalalabad em 17 de abril

O resultado final poderia ter sido o mesmo – uma tomada pelo Talebã – mas quase certamente teria levado a uma retirada mais ordenada. Mesmo assim, o governo Biden queria uma coincidência de datas que chamasse atenção: queriam que a retirada fosse concluída até 11 de setembro. Vinte anos depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 – um prazo artificial e autoimposto.

Mais uma citação. Após a catastrófica invasão da Baía dos Porcos, quando cubanos exilados apoiados pela CIA tentaram derrubar Fidel Castro, John F. Kennedy – o presidente na época daquele desastre – notou com tristeza que a vitória tem cem pais, mas o fracasso é órfão.

Joe Biden é órfão agora. E isso pode ter consequências para sua presidência e, muito mais importante, como o resto do mundo vê os Estados Unidos.

A campanha eleitoral de Biden poderia ser reduzida a três mensagens para distingui-lo do republicano Donald Trump. Primeiro, ele seria mais empático. Ele também seria mais competente. E, em vez de “America First” (América em primeiro lugar), o mantra seria substituído por “America is back” (América está de volta) .

Em relação à competência, até mesmo seus maiores apoiadores teriam dificuldade em dizer que a retirada das tropas americanas não foi caótica.

E depois dos eventos desconcertantes dos últimos dias, como exatamente “a América está de volta”? Muitos veem o que se desenrolou sob a supervisão do presidente Biden no Afeganistão como uma continuação linear das políticas de “América em primeiro lugar” de Donald Trump – e, como alguns brincaram cruelmente, não tão bem organizado.

Potencialmente, isso é profundamente prejudicial.

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Os presidentes Truman e Kennedy (à direita) tiveram que enfrentar falhas

Mas na própria política, Joe Biden é totalmente desafiador. Ele convocou seu Harry Truman interior e disse em seu discurso que chamava a responsabilidade para si. Ele ficou, no entanto, feliz em espalhar a culpa – a liderança afegã não estava à altura, as forças armadas afegãs não lutaram; Donald Trump havia negociado um péssimo acordo.

Pode haver um tom cativante em Joe Biden, mas também há um tom petulante. Ele não gosta de ser questionado e, em muitas questões de política externa, está convencido de que está certo.

Joe Biden nunca foi um “intervencionista liberal”, pensando que a democracia liberal é algo que pode ser despachado do porto de Baltimore e exportado para todo o mundo. Ele acha que os militares dos EUA deveriam estar no exterior apenas para defender interesses vitais dos EUA. E com a Al-Qaeda em grande parte derrotada, Osama Bin Laden morto, o trabalho estava feito. Hora de voltar para casa.

Essa é uma visão, devo acrescentar, compartilhada por milhões de americanos. Mas a aprovação da política é muito diferente da implementação disfuncional. E se grupos terroristas, sentindo-se encorajados pela vitória do Talebã, decidirem lançar seus próprios ataques contra americanos no exterior – ou americanos em casa? Poderia ser politicamente catastrófico.

E isso nos leva a como os líderes ocidentais veem a América agora. Uma pérola fascinante havia sido revelada pelo Conselheiro de Segurança Nacional de Joe Biden no início da semana. Desde a queda de Cabul, Jake Sullivan revelou que Biden não tinha falado com outro líder mundial. Isso não é surpreendente, dado que muitas outras nações, incluindo a Grã-Bretanha, comprometeram vastos recursos para o Afeganistão?

Após a fala de Sullivan, a Casa Branca anunciou que Biden conversou com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson.

Quando o G7 se reuniu na Cornualha, na Inglaterra, e as nações da Otan se reuniram em Bruxelas, a sensação de alívio era palpável entre os primeiros-ministros e presidentes por ter um presidente americano mais voltado para o exterior no comando. Mas dado o que aconteceu – como a América foi humilhada, como Joe Biden embarcou em uma política contra a qual foi advertido por esses líderes – agora há muito mais cautela.

E quem sentirá que ganhou mais com a saída dos Estados Unidos – além do Talebã, é claro? Ora, três países perto do Afeganistão: Rússia, Irã e China. Não tenho certeza se era isso que Joe Biden tinha em mente quando disse após sua posse que “a América está de volta”.

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Fonte: BBC

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