Preso no Panamá desde dezembro de 2022, o brasileiro Bruno Menezes de Freitas, de 19 anos, aguarda uma decisão que pode condená-lo a passar o resto da vida em uma cadeia na Pensilvânia, nos Estados Unidos, sem direito a liberdade condicional.

Freitas é acusado de latrocínio (crime de roubo com morte) no estado americano e já teve sua extradição decretada pelo governo do Panamá, mas convenções internacionais podem salvá-lo da prisão perpétua. Segundo a defesa, tudo o que ele precisa é de uma intervenção do governo brasileiro.

O caso é complexo. Freitas é acusado do crime no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, um dos únicos seis estados do País que têm uma pena mandatória de life without parole (perpétua sem condicional) para crimes que terminam em morte, mesmo quando o acusado não é o autor do assassinato. Segundo o advogado contratado pela sua família, Bernardo Simões Coelho, esse é o tipo de acusação que pesa contra o brasileiro.

Na prática, isso significa que se ele for extraditado, julgado e condenado nos Estados Unidos, há uma grande probabilidade de que Bruno de Freitas, um jovem brasileiro de apenas 19 anos, passe o resto da vida atrás das grades em uma cadeia americana. É por isso que essa pena é conhecida nos EUA como ‘death by incarceration’, ou, em português, ‘pena de morte por encarceramento’.

A esperança do brasileiro, neste momento, está focada em convenções internacionais que determinam que um país não pode extraditar um suspeito de crime se houver o risco de ele ser condenado a uma pena que não existe no país onde ele está no momento – e o Panamá não tem pena perpétua. Nesse país da América Central, a pená máxima para um crime individual é de 30 anos.

Ou seja, de acordo com o advogado Simões Coelho, ‘é ilegal que o Panamá entregue o Bruno, a menos que os americanos se comprometam em não puni-lo com prisão perpétua’ – uma punição que, para Coelho, é ‘medieval’.

De fato, A aplicação da pena de prisão perpétua a condenados extraditados fere a Convenção Interamericana sobre Extradição da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O acordo indica que a extradição não deve ser concedida quando o crime for punido no país requerente com a pena de morte ou de prisão perpétua. “Os Estados Partes não deverão conceder a extradição quando se tratar de delito punido no Estado requerente com a pena de morte, com pena de privação perpétua de liberdade ou com pena infamante, a não ser que o Estado requerido tenha obtido previamente do Estado requerente garantias suficientes, dadas por via diplomática, de que não será imposta à pessoa reclamada nenhuma dessas penas, ou de que, se forem impostas, tais penas não serão executadas”, diz o texto.

Há diferentes formas para lidar com esse impasse. Uma delas seria trazer o acusado ao Brasil, julgá-lo e, se condenado, puni-lo por aqui. Essa foi a primeira proposta da defesa, que apresentou em fevereiro de 2023 um pedido para que o Panamá recusasse o pedido de extradição feito pelos Estados Unidos ainda em dezembro de 2022, logo depois da prisão do brasileiro. ‘O Brasil é duplamente competente, de acordo com o direito nacional e internacional, para julgar os fatos’, aponta o documento da defesa.

Mas essa possibilidade praticamente se extinguiu há cerca de duas semanas, quando um julgamento no Panamá determinou que o País atenderia ao pedido de extradição dos Estados Unidos mesmo sem a garantia de não aplicação da pena perpétua, a despeito das demandas da defesa, que, segundo Coelho, teriam sido totalmente ignoradas.

O papel do Ministério das Relações Exteriores do Brasil

Para o advogado, há outro personagem importante nesse imbróglio jurídico, mas não por ação, e sim por omissão: o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Coelho disse ter feito vários pedidos ao governo brasileiro para que se manifestasse no caso – não necessariamente a favor do acusado, mas sim mostrando-se vigilante ao cumprimento das convenções.

Segundo ele, o papel do governo brasileiro seria o de provocar as autoridades panamenhas para que a regra seja cumprida. No entanto, o advogado afirma que isso não ocorreu. ‘Não teve vigilância, nem ajuda. O governo brasileiro jamais se posicionou dentro desse processo’, afirmou ao Estadão. Para ele, essa inatividade fez com que os pedidos da defesa fossem ignorados pelas autoridades do Panamá.

O Ministério das Relações Exteriores brasileiro, no entanto, declarou que ‘por meio da Embaixada do Brasil na Cidade do Panamá, tem prestado assistência consular ao nacional brasileiro e mantém permanente contato com a Chancelaria panamenha sobre o caso’.

Contudo, acrescentou, em nota para o Estadão, que ‘assistência consular, no entanto, não inclui intervir diretamente em processos judiciais em curso em outros países’.

Para Coelho, apesar da decisão do Panamá de realizar a extradição, ainda é possível buscar outro caminho: o governo brasileiro exigir do governo americano a garantia de que a pena perpétua não será aplicada. Nesse caso, a justiça dos EUA deverá comutar a punição para a pena máxima panamenha, de 30 anos.

Segundo tratados internacionais, Freitas poderia até cumprir esses 30 anos em uma prisão brasileira, mas não poderia ter sua pena revista ou reduzida pelos tribunais daqui – a decisão americana seria soberana.

Mãe de brasileiro preso no Panamá apela por ajuda do governo

O Estadão falou também com a mãe de Bruno de Freitas, Ana Cristina de Menezes, que relata que consegue falar por telefone com o filho toda semana, mas que os últimos meses não foram fáceis. ‘Nunca imaginei passar por uma situação dessa, porque ele é um menino muito bom e trabalhador. Sempre foi honesto com suas coisas’, disse.

Ela admite, no entanto, que ‘se ele errou, tem que pagar pelo que fez. Não é porque é meu filho que tem que ficar livre’. Mas pondera que o jovem tem apenas 19 anos, é réu primário e nunca teve passagem pela polícia. ‘Estou muito desesperada, porque eu fico pensando como pode uma pessoa tão jovem ser condenado a prisão perpétua por ter errado apenas uma vez’, disse ela.

‘Só peço encarecidamente que o governo (do Brasil) possa fazer alguma coisa para ajudar, que a justiça do Panamá não entregue ele para os Estado Unidos a ser condenado a prisão perpétua’, apelou .

De que é acusado Bruno de Freitas?

O advogado Bernardo Simões Coelho, representante do escritório Barroso e Coelho Advocacia e contratado pela família de Bruno Menezes de Freitas, relata que seu cliente é um carpinteiro, natural de Ipatinga (MG), que nunca teve envolvimento com nenhum tipo de crime, formação de gangues ou organização criminosa.

Segundo ele, Freitas é acusado de ter se envolvido em um crime de latrocínio, quando há roubo e morte, no entanto, nega que ele seja culpado do assassinato ou que tenha planejado o crime. De acordo com Coelho, Freitas teria apenas acompanhado um amigo brasileiro para cobrar uma dívida de um terceiro brasileiro.

Durante o encontro, esse amigo teria sacado uma arma, o que levou a um tiroteio, à morte dessa terceira pessoa e a um ferimento do amigo, que ficou paraplégico e está preso nos Estados Unidos.

Freitas, então, teria saído do País pelo México e pego um avião para voltar para o Brasil. Em uma escala no Panamá, no entanto, foi interceptado pela Interpol e preso.

O pedido de extradição dos Estados Unidos, no entanto, conta sua própria versão do crime, envolvendo mais duas pessoas. Segundo o documento, a polícia atendeu a um chamado no dia 1º de outubro e encontrou duas vítimas brasileiras atingidas por armas de fogo: Webert Matheus, que acabou morrendo, e Anderson Almeida, que ficou paralisado em situação crítica.

Ele aponta ainda que vídeos de câmeras de segurança mostram um carro dirigido por Almeida se aproximando do local. Três homens teriam saído dele e esperado do lado de fora pela saída de Matheus. Quando este saiu, eles avançaram sobre ele, que caiu no chão. Almeida também aparece e participa do ataque. Um dos atacantes, então, atirou em Matheus e os quatro correram. Nesse momento, a mesma pessoa que atirou em Matheus é vista atirando em Almeida.

Testemunha entrevistada pelos policiais ainda teria dito que Freitas e outro dos atacantes teriam dito que estavam lá para roubar Matheus. Além disso, o serviço de localização do celular de Freitas indicou que o aparelho estava na área do crime na hora da ocorrência.

COM A PALAVRA, O MINISTÉRIO DE RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL

A reportagem do Estadão entrou em contato com o Ministério de Relações Exteriores do Brasil e recebeu a seguinte resposta:

O Ministério das Relações Exteriores, por meio da Embaixada do Brasil na Cidade do Panamá, tem prestado assistência consular ao nacional brasileiro e mantém permanente contato com a Chancelaria panamenha sobre o caso.

A assistência consular, no entanto, não inclui intervir diretamente em processos judiciais em curso em outros países.

Em observância ao direito à privacidade e ao disposto na Lei de Acesso à Informação e no decreto 7.724/2012, informações detalhadas poderão ser repassadas somente mediante autorização dos envolvidos. Assim, o MRE não poderá fornecer dados específicos sobre casos individuais de assistência a cidadãos brasileiros.