Impossível não se impactar com o jeito manso e, ao mesmo tempo, potente que Silvio Luis de Almeida carrega em seu caminhar e no seu falar. Quem o vê chegando para a entrevista pode até achar que está frente a uma entidade muito poderosa ou um orixá das religiões de matrizes africanas. E, se assim o fosse, estaríamos de frente com Xangô, orixá da justiça e da sabedoria nas religiões do candomblé e da umbanda.

Uma presença que carrega uma fala paralisante, a qual ele teve consciência dessa força ainda nos tempos de colégio.

“A primeira vez que eu senti a força da minha voz foi na formatura do ensino médio e eu fui escolhido para ser o orador da turma. Me lembro que estava muito nervoso e da sensação de ter conseguido chegar ao final, de não ter tropeçado nas palavras. Me lembro das pessoas aplaudindo e emocionadas. Aí eu percebi o quanto a minha voz poderia ter força, ela poderia tocar o coração das pessoas”, revela Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Cidadania em entrevista ao quadro “Vozes Pretas” deste sábado (13).

O ministro, que também é professor, advogado e escritor, tem consciência hoje da responsabilidade que a sua voz carrega. E mesmo com a ciência dessa potência vocal, ainda se define como alguém em busca de entendimento.

“Silvio Almeida por trás do terno, por trás dos cargos e dos títulos, é um homem, um ser humano em busca de entendimento, em busca de compreender o mundo e compreender a si mesmo”, assim ele se define.

Conhecido também por ser combatente do racismo estrutural no país – inclusive é autor de uma obra que é referência no tema – Silvio Almeida preside também o Instituto Luiz Gama, que leva o nome de um dos maiores abolicionistas brasileiros.

“Um homem que não lutou apenas pela abolição da escravidão no Brasil, mas lutou também, como ele mesmo dizia, por um mundo sem reis e sem escravos e que acreditava na liberdade.”, diz ele.

“Nós precisamos abolir a forma de existir que nos condena sempre a viver de maneira limitada e também que nos faz viver sobre o permanente jugo da opressão.”

A desigualdade, segundo o ministro, é o principal ponto que precisa ser abolido no mundo para avançarmos nas questões raciais, já que ela é um “sistema econômico de profunda exploração, que impede com que as pessoas possam é existir na sua potencialidade máxima”.

Para Silvio, o racismo é uma forma de estabelecer critérios de hierarquia social, política, mas econômica também. Mas apesar disso, é importante destacar e reconhecer a resistência negra brasileira.

“Achar que a resistência negra nos EUA é maior do que no Brasil é um erro. Se não fosse a resistência negra no Brasil, com toda a violência racista aqui que existe até hoje, pessoas como eu não estariam aqui.”

Nomeado ministro dos Direitos Humanos e Cidadania no governo Lula, Silvio Almeida é hoje uma das pessoas mais significativas na representatividade negra política do país. Ele ocupa hoje um importante espaço de poder, apesar de não gostar do termo “ocupar espaço”.

“A gente pode ocupar espaço simplesmente para fazer com que as coisas mudem ou permaneçam as mesmas. Então, não basta apenas ocupar o espaço. É importante se pensar como se está e a partir de qual perspectiva se encontra nesses lugares, porque tem alguns espaços que nós temos que estar para transformar de maneira radical. Mas mais importante do que ocupá-los, é transformá-los.”

Por conta do futebol que eu estou aqui, o futebol também orienta a minha brasilidade

Corintiano de coração, Silvio Almeida guarda uma relação muito pessoal com o futebol.

“Na minha trajetória, o futebol tem tudo a ver comigo, por causa da relação que ele tem com a minha família. Meu pai foi jogador de futebol, foi goleiro de um dos times mais importantes do Brasil”

As vozes pretas que o inspiraram

Silvio Almeida carrega também em sua trajetória uma influência muito grande de sua família. Foram as primeiras vozes pretas que o inspiraram, principalmente as vozes das mulheres negras de sua família, como suas tias.

“Eu diria que a voz de mulheres é que foram muito centrais para se entender também a luta negra no Brasil”, descreve o ministro que também cita outras vozes pretas que o inspiraram.

“A voz de Tia Ciata, a voz de Elza Soares, a voz de Guerreiro Ramos, a voz de Abdias do Nascimento, a voz de Clóvis Moura… A voz de Angela Davis, a voz Malcolm X, Martin Luther King, a voz de Nelson Mandela. As vozes da ancestralidade falam muito alto também, como a voz de Mãe Estela de Oxossi”, diz.

“A gente fala de voz, a gente fala também da palavra, ou seja, da voz que ecoa na ancestralidade, que ainda que não tenha sido ouvida, mas ela é sentida.”

Almeida destaca a pluralidade das vozes negras que são cruciais. Inclusive, aquelas que não podem ser ouvidas. E é exatamente para essas vozes que o ministro Silvio Almeida quer dar voz.

“Eu gostaria de dar voz para aqueles que não têm voz, não têm vez. Gostaria de dar voz para aqueles que são impedidos de falar, aqueles que são impedidos de cantar. Aqueles que esperam há muito tempo, inclusive aqueles que não mais estão entre nós, para que, por meio da nossa voz, a voz deles, que foi calada, possa ser ouvida agora.”

Se eu me considero um abolicionista moderno?

Para responder a esta pergunta, o ministro faz uso das palavras de um grande pensador, que teve muita influência em sua vida, o pensador francês Jean Paul Sartre.

“Eu acho que o que eu sou, está em permanente construção e aquilo que eu sou vai ser definido por aqueles que olharem para mim, quando eu não mais estiver aqui”.

E, do mesmo jeito manso e potente que ele conversa, “nosso Xangô” se arrisca modestamente a dizer qual pode ser a sua trajetória neste mundo.

“Vai ser a história que vai dizer, o futuro que dirá. Isso será dito por pessoas que certamente poderão olhar em retrospectiva a minha trajetória.”

Fonte: CNN Brasil