O ano de 2021 trouxe R$ 1,08 bilhão em arrecadação de direitos autorais musicais, segundo dados do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad.

A cifra marca uma expansão de 20% em relação ao ano anterior — e vem associada a uma crescente curiosidade quanto ao setor de música, entendido, no mercado de capitais, como uma seara com muito potencial a explorar, segundo especialistas consultados pelo CNN Brasil Business.

No Brasil, a modalidade de investimento que capitaliza direitos autorais sobre canções — os chamados royalties musicais — tem chamado atenção por mirar naquilo que já virou quase um chavão no mercado financeiro: a necessidade de diversificar a carteira de investimentos.

Funciona assim: ao adquirir uma fatia dos direitos atribuídos a determinadas obras ou artistas, reunidos em catálogos, o investidor recebe parte da receita gerada a cada play, quer seja na TV ou rádio, quer seja em plataformas de streaming e redes sociais.

São ativos reais vinculados ao desempenho da música – ou seja, quanto mais ela toca, maior é a rentabilidade.

“Royalties, em essência, significa o direito de receber valores toda vez que uma pessoa terceira usa o ativo, desde extração de petróleo a reprodução de músicas”, explica à CNN Arthur Farace, CEO e sócio da Hurst Capital, uma das plataformas a disponibilizar a modalidade no Brasil.

“Se um investidor tem interesse em royalties musicais, ele pode adquirir parte ou a totalidade de um catálogo específico e ganhar em cima das reproduções, ou licenciá-lo por um período.”

Cada catálogo é organizado a depender da plataforma. É possível, por exemplo, encontrar aqueles que reúnem composições de autoria de um único compositor, canções cantadas por um artista específico ou mesmo uma mescla de gêneros musicais diferentes.

“É difícil para uma pessoa física identificar e negociar diretamente com os artistas e precificar os catálogos. Isso demanda uma perícia de nicho muito grande. É mais fácil optar por plataformas que já façam esse trabalho”, conta o CEO da Hurst.

Outras duas plataformas também encabeçam o tipo de investimento por aqui: a paulista Adaggio, fundada pelo ex-DJ João Lucas Caraccas, e Brodr, hoje dirigida pelos mineiros Pedro Nasser e Thiago Vargas.

Movimento no Brasil

A aquecida no setor aconteceu em 2020, quando houve a criação das primeiras plataformas de crowdfunding e a regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No cenário internacional, em especial nos Estados Unidos, a modalidade já é mais conhecida.

Não é coincidência que ela tenha tomado forma por aqui no primeiro ano da pandemia. Apesar de o mercado de direitos autorais movimentar bilhões ao ano, é difícil a classe artística ver a cor do dinheiro: enquanto boa parte da cifra vai para gravadoras e editoras, a renda de artistas se forma majoritariamente a partir de shows e apresentações.

Com as restrições impostas pela pandemia e a consequente paralisação do setor cultural, a fonte secou. O resultado foi um maior número de artistas vendendo partes de seus catálogos, tanto para subsistência quanto para viabilizar verba para novas produções.

A presença crescente de plataformas é indício da maior procura pela modalidade no Brasil, embora, hoje, a política monetária nacional desestimule, em um primeiro momento, a expansão do leque do investidor para ativos de risco.

Com a taxa Selic a 13,25% a.a., no que foi a 11.ª alta seguida do Comitê de Política Monetária (Copom) em tentativa de conter a disparada inflacionária, a aversão a riscos se intensificou. O resultado é uma preferência por investimentos mais sólidos e de retorno seguro, principalmente vinculados à renda fixa.

“Quando a taxa de juros está mais baixa, a tendência é de busca por ativos alternativos como os royalties musicais, porque a diferença entre os retornos é maior e a aversão ao risco, menor”, explica Pedro Nasser, da Brodr.

Com a Selic a 13,25% e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação no país, a 11,89% no acumulado dos últimos 12 meses, é mais seguro, do ponto de vista do mercado financeiro, apostar em ativos ligados ao Tesouro Direto.

“Comparando as duas taxas com a de retorno médio dos royalties, que é de 15% a 18%, o investidor normalmente opta pelo caminho conhecido, que ele já sabe como funciona, ao invés de ativos alternativos”, diz Nasser.

Mas, apesar da maré baixa, Farace, da Hurst Capital, diz acreditar que as plataformas estão “do lado certo da onda”.

“A financeirização, que chamamos de financial deepening, é um processo inevitável, que aqui talvez seja um pouco mais longo do que o visto nos Estados Unidos. Quando o ciclo de alta de juros for encerrado, mais brasileiros devem investir parte do patrimônio em títulos desindexados ao Tesouro Direto, sejam eles de capital aberto ou fechado.”

É possível ainda que Brasil siga o caminho visto no cenário internacional.

“Investidores estão retirando dinheiro de mercados públicos, como a bolsa de valores e a renda fixa, e indo para investimentos alternativos”, disse Farace, citando um relatório da Preqin, empresa privada de dados de investimento sediada em Londres, sobre perspectivas para fundos alternativos na América Latina no pós-pandemia.

A pesquisa aponta que, embora os desafios político-econômicos da região atravanquem o processo de diversificação e crescimento do setor, os próximos anos serão marcados por uma grande expansão da carteira.

As expectativas coroam o otimismo de quem toca a seara de royalties musicais por aqui. Para João Caraccas, da Adaggio, a modalidade já apresenta vantagem mesmo neste momento de turbulência econômica por se assemelhar a títulos ligados ao Tesouro Direto pela baixa volatilidade, muito embora estejam no espectro da renda variável.

“Desvinculados da bolsa de valores, são ativos que não estão sujeitos ao sobe-e-desce e ao derretimento do mercado”, disse à reportagem.

“Música é terapia. Faça chuva ou faça Sol, esteja a bolsa caindo ou subindo, as pessoas continuam ouvindo música.”

Riscos

É claro que, como todo investimento, aplicar fundos em royalties musicais também apresenta riscos. Um dos principais, segundo os especialistas, é da música eventualmente deixar de ser tocada.

“Cada tipo de música tem um perfil. Músicas atuais, lançadas há um ou dois anos, costumam depreciar com a passagem do tempo”, diz Caraccas.

“É o caso clássico de uma dupla sertaneja que trabalha em uma única música por alguns meses e logo foca em outra. Esse ciclo faz com que as músicas parem de ser consumidas no mesmo volume que antes.”

Por isso a importância, segundo ele, de um catálogo bem estudado. Canções atemporais, das que fazem sucesso no karaokê às que vira-e-mexe voltam às paradas, são exemplos de como lucrar com o que também é entretenimento.

Há portfólios de investimento que miram especificamente em músicas cativas ao público, outros que misturam gêneros que costumam ir bem juntos. Farace, da Hurst Capital, diz que “os catálogos também são montados com base no gráfico de pizza que hoje é o consumo de música no Brasil”.

“São misturados, por exemplo, MPB com samba, funk e rap, rock e metal. Assim, se reduz o risco, porque uma canção que vai bem pode puxar outra menos ouvida, e assim vai.”

Da mesma forma que existe o risco da música cair no esquecimento, tem o outro lado da moeda: o dela voltar às paradas por alguma ação externa. Exemplo disso é Running Up That Hill, da britânica Kate Bush.

Desde que a canção foi usada na quarta temporada da série Stranger Things, da Netflix, ela explodiu no streaming e gerou, ao todo, cerca de US$ 2,3 milhões em receita vinda de royalties, segundo a publicação Music Business Worldwide e a rede americana CBS.

[embedded content]

A britânica, no caso, manteve grande parte da receita para si por ter se mantido uma artista independente e não ter capitalizado os direitos autorais, mas já tem quem a procure para tanto.

Não é um caso isolado. “Os streamings e as redes sociais são atores de mudança e disrupção no consumo de música. Hoje, a música que viraliza no TikTok ou é aproveitada em um conteúdo audiovisual chega ao topo das paradas musicais”, conta Farace.

“É claro que há um estudo que projeta se a canção vai continuar tocando daqui a 3, 5 anos, mas essa é uma mudança de paradigma tão poderosa quanto a primeira chegada dos streamings, que ajudaram a limitar o avanço da pirataria pela comodidade e praticidade.”

A pirataria, aliás, é um dos riscos associados aos royalties musicais. Reproduções de músicas baixadas ilegalmente não são contabilizadas pela modalidade, justamente por não serem rastreáveis ou vinculadas a alguma plataforma monetizada, como YouTube e Spotify.

A chegada maciça de streamings musicais no país ajudou a reduzir o fluxo de canções pirateadas, mas não chegou a extingui-lo por completo.

Outro risco associado à modalidade vem pela cultura do cancelamento. “Às vezes acontece de um investidor de repente optar por um artista que, ao longo da carreira, pode se envolver em polêmicas inúmeras”, diz Caraccas.

“Um exemplo é do artista estar vinculado à violência contra mulher e deixar de ser ouvido em retaliação. São riscos imprevisíveis e podem afetar o investidor em cheio.”

Quem pode investir?

O perfil do investidor de royalties musicais é diversificado. Segundo os especialistas, segue três linhas principais.

O primeiro, e mais comum, é o perfil do investidor mais qualificado, dono de grandes fundos. “Esse tipo de investidor vê a rentabilidade como principal atrativo e mira no retorno seguro e de baixo risco, não estando necessariamente ligado à música em que investe”, diz Caraccas.

Boa parte deles, de acordo com Farace, já detém uma reserva de emergência formada, inclusive em renda fixa e variável, e procura os royalties musicais para diversificação de portfólio. “O risco é descorrelacionado à bolsa ou ao mercado de renda fixa, então procuram uma modalidade que varie pouco”, diz ele.

Tem quem opte por investir para apoiar a música e a classe artística. “A segunda motivação é mais de propósito, de querer apoiar a cultura e fazer isso através de uma operação que ainda dê lucro”, explica Farace. Cerca de 60% do público investidor da Hurst Capital é movido por isso, segundo ele.

Há ainda quem opte por investir pelo vínculo emocional em um artista ou canção em particular. “Esses são os que mais aparecem para a gente”, diz Pedro Nasser, da Brodr. “O investidor-fã é normalmente uma pessoa física que quer apoiar o trabalho do artista e quer virar sócio dele de alguma forma, até por ser o público alvo desse artista.”

Das principais casas de investimentos consultadas pela reportagem, a Brodr ainda é a única que permite que pessoas que não detêm um aporte inicial robusto possam investir em royalties musicais, embora atenda também ao público mais qualificado. O preço inicial é de R$ 186 para certos ativos.

A Adaggio, segundo Caraccas, estuda como abrir essa porta por meio de uma alocação de fundos com outras empresas de capital. Por enquanto, porém, ela e a Hurst seguem mais voltadas aos investidores mais qualificados. O ticket de entrada médio, aqui, é de R$ 10 mil.

*Sob supervisão de Ana Carolina Nunes.

Fonte: CNN Brasil