Lula ao lançar carta a evangélicos, durante a campanha

Crédito, Ricardo Stuckert

Recentemente, evangélicos se queixaram de falta de espaço no governo ‘Lula 3’

Enquanto muitos líderes evangélicos reclamam de falta de espaço no governo Lula 3, a pastora luterana Romi Bencke tem uma visão totalmente oposta.

Para ela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu “privilégios” a igrejas evangélicas em seus dois primeiros mandatos e não deve repetir isso agora.

Recentemente o governo Lula anunciou os 246 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável, ligado à Presidência da República. Nenhuma liderança evangélica foi convidada a participar, o que gerou crítica de pastores e especialistas em política e religião.

Conhecido como Conselhão, esse grupo formado por integrantes da sociedade civil se reúne mensalmente com ministros e o presidente para debater políticas públicas.

Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e forte apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), integrou o conselho no primeiro mandato de Lula.

Mas, segundo a pastora Romi Bencke, que é secretária-geral Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, o espaço que Lula e depois Dilma Rousseff garantiram a lideranças cristãs conservadoras em seus primeiros mandatos ajudou a expandir o que chama de movimentos religiosos “fundamentalistas” e antidemocráticos.

“O rosto de cristianismo no Brasil está cada vez mais fundamentalista. E esse é o grande debate: como é que a gente vai enfrentar esse fundamentalismo? Não é garantindo presença na participação do Conselhão ou em outros espaços de governo. Isso não vai resolver em nada”, avalia.

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, liderado por Bencke, reúne igejas e organizações católicas e protestantes, como a Associação de Batistas do Brasil e a Confederação dos Bispos do Brasil (CNBB).

Espaço no governo

Bencke cita como exemplos de “privilégios” a igrejas evangélicas concessões de emissoras de rádio e TV a grupos neopentecostais, a manutenção de benefícios fiscais a igrejas, e o espaço concedido a lideranças neopentecostais nos primeiros governos de Lula e Dilma.

No governo Lula, por exemplo, foi assinada a concessão da Record News, segundo canal aberto ligado ao bispo Edir Macedo, da Igreja Universal. E o presidente fez questão de comparecer ao lançamento da emissora, em 2007, com a presença de Macedo e outras lideranças evangélicas.

Já Dilma Rousseff chegou a nomear o bispo Marcelo Crivella, também da Igreja Universal, como seu ministro da Pesca em 2012.

Romi Bencke

Crédito, Arquivo pessoal

Pastora Romi Bencke preside Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, da qual fazem parte igrejas evangélicas e a CNBB, que é católica

“Eu acho que os dois governos Lula anteriores e depois um pedacinho do governo Dilma ofereceram muitas concessões a determinados segmentos do que hoje a gente chama de evangélicos”, diz.

“E isso não tem contribuído em nada. Por que? Porque só foi aprofundando essa dimensão fundamentalista do cristianismo.”

Bencke diz que a facilidade com que grupos religiosos passaram a controlar rádios comerciais e comunitárias nos últimos anos favoreceu a expansão de um discurso conservador que, depois, encontrou eco no governo Bolsonaro.

“Toda a concessão das rádios comunitárias nos governos Lula e governos anteriores, que acabaram indo parar nas mãos de grupos evangélicos, fortaleceu uma cadeia de comunicação religiosa de caráter cristão que não é fundamentada nos direitos humanos e no direito à igualdade entre homens e mulheres.”

A pesquisadora Olivia Bandeira, do Laboratório de Antropologia da Religião, da Unicamp, diz que, de fato, o espaço dado a igrejas evangélicas nos governos Lula 1 e 2, e o início do governo Dilma, fortaleceram grupos neopentecostais que, depois, acabaram aderindo ao governo de Jair Bolsonaro.

“O governo Lula fez alianças com esses grupos religiosos neopentecostais e essas alianças ajudaram a fortalecer esses grupos, sim”, disse Bandeira, que também é coordenadora executiva do coletivo de comunicação Intervozes.

Mas ela destaca que o processo de crescimento da influência política dos evangélicos havia começado décadas antes de Lula assumir o poder em 2003.

Bolsonaro orando

Crédito, EPA

Bolsonaro foi eleito em 2018 com apoio maciço de evangélico e na eleição passada, apesar de perder para Lula, manteve favoritismo entre esses eleitores

Legislações que favoreceram igrejas já existiam antes do governo Lula, como a lei que prevê isenção fiscal a templos de qualquer culto.

Além disso, já havia o movimento de obter concessões de rádio e TV por parte dos neopentecostais — A Record TV, por exemplo, foi adquirida pelo Bispo Edir Macedo no final da década de 1980.

“O que o governo Lula e Dilma fizeram foi seguir dando essas concessões aos religiosos. Não tem mudança na legislação específica para favorecer os religiosos, mas tem, sim, um apoio à concessão em troca de uma base aliada. E vários religiosos fizeram parte do governo Lula e Dilma”, diz Bandeira.

A BBC News Brasil enviou email à Secretaria de Comunicação da Presidência e aguarda retorno.

Desta vez, presença evangélica é menor

Agora, no governo Lula 3, lideranças neopentecostais afirmam que não estão recebendo o mesmo tipo de espaço. E há divergência sobre se essa é a melhor estratégia.

O pastor neopentecostal Paulo Marcelo Schallenberger, que apoiou Lula na eleição passada, diz que a ausência de uma estratégia de comunicação com o público evangélico pode acabar distanciando ainda mais esse segmento, empurrando-o para o ex-presidente Bolsonaro e seus aliados.

Ele tem uma visão diferente do da pastora Romi Bencke e critica a ausência de lideranças evangélicas no Conselhão.

“A presidente Dilma teve na última eleição dela, em 2016, 16 milhões de votos evangélicos. Haddad teve 10 milhões em 2018. O presidente Lula agora teve 7 milhões. E no ano que vem tem eleições municipais”, destacou Schallenberger à BBC News Brasil.

“Então, eu penso que, se o PT e a esquerda desejam realmente ter uma participação nesse aglomerado de brasileiros e brasileiras, precisa ser feito algo urgentemente.”

À BBC News Brasil, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, que coordena o Conselhão, disse que o processo de escolha dos conselheiros do grupo “levou em conta a consideração de lideranças dos mais diversos setores da sociedade, com foco na promoção do desenvolvimento econômico, social e sustentável do Brasil.”

“Os convites não contemplaram entidades de representação religiosa de nenhuma crença – e não apenas evangélicas. Os representantes do colegiado foram convidados por causa da atuação de cada um deles em campos distintos, e não pela sua opção religiosa”, completou a SRI, na nota enviada à BBC News Brasil.

Lula orando

Crédito, Ricardo Stuckert

Durante a campanha, Lula lançou uma carta aos evangélicos, para tentar se comunicar com esse eleitorado.

Durante a campanha eleitoral para a Presidência, Lula sofreu oposição de líderes evangélicos que nos anos 2000 apoiaram seus governos, incluindo Silas Malafaia da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e Edir Macedo, da Igreja Universal.

A difusão de notícias falsas sobre a possibilidade de fechamento de igrejas e perseguições caso o petista fosse eleito foi usada como instrumento de campanha por apoiadores de Bolsonaro.

Lula venceu a eleição por uma margem apertada, de menos de 2%, e várias lideranças evangélicas esperavam que o governo fosse adotar uma estratégia de aproximação com setores neopentecostais, o que não ocorreu.

Enquanto isso, pesquisas indicam que a popularidade de Lula entre evangélicos está caindo. Levantamento da Genial/Qaest divulgado em abril mostrou que 36% dos eleitores aprovam o governo Lula, uma queda de quatro pontos percentuais em relação à pesquisa de fevereiro, quando a aprovação era de 40%.

Entre evangélicos, a avaliação positiva é bem menor: 27% aprovam o governo, enquanto 39% o avaliam negativamente. Neste caso, houve piora ainda mais acentuada de uma pesquisa para outra. Em fevereiro, 30% dos evangélicos avaliavam o governo negativamente.

“Eu acho que tem que isolar os líderes evangélicos ideológicos, mas tem que haver uma comunicação diretamente com a população evangélica. Primeiro, precisamos combater a desinformação. E, segundo, trazer políticas públicas para essas comunidades”, defende o pastor Schallenberger.

“O governo precisa de alguém que fale em seu nome, mas que saiba usar a linguagem evangélica para ir destruindo e desmistificando todos os diálogos que estão sendo feitos sobre aborto e fechamento de igrejas.”

Paulo Marcelo Schallenberger e Lula

Paulo Marcelo Schallenberger propôs estratégia de aproximação de Lula com evangélicos durante a campanha e agora defende maior interlocução com setor

Schallenberger, que foi pastor da Assembleia de Deus e hoje está na Igreja Batista, chegou a se reunir com Lula na campanha e apresentar um plano para ampliar o contato do presidente com evangélicos.

Na época, foi divulgado que ele faria um podcast com Lula para falar sobre questões importantes ao público cristão. Mas setores do PT foram contra e o projeto acabou não sendo implementado.

“Houve uma paralisação a respeito (de projetos para se comunicar com evangélicos) e agora esse Conselhão (sem integrantes evangélicos). Eu vejo que ainda existem pessoas lá dentro do governo que estão indo contra”, avalia.

“Você deixa de falar com milhões de eleitores. Se você fica progressista demais, você não entra no mundo alcançado pelo bolsonarismo. Daqui a quatro anos tem eleição novamente e você pode perder sem o apoio evangélico.”

‘Fórum adequado para evangélicos não é esse’

Já a pastora Romi Bencke diz que o fórum adequado para ter lideranças religiosas não é Conselhão e a solução também não passa por indicar evangélicos para cargos ou firmar alianças com lideranças neopentecostais.

Para ela, o governo deveria recriar o Conselho de Diversidade Religiosa, que existia nos primeiros mandatos de Lula e era ligado à Secretaria de Direitos Humanos.

Esse conselho, que foi extinto no governo Bolsonaro, reunia representantes de diferentes religiões existentes no Brasil.

“Eu particularmente não vejo problema nenhum (na ausência de evangélicos no Conselhão), porque se a gente defende a laicidade do Estado, eu penso que não tem porque priorizar e privilegiar um grupo religioso específico”, disse.

“Se você vai por esse critério, de ter que ter participação evangélica, você vai ter que trazer a comunidade Bahai, tem que trazer muçulmano, tem que trazer terreiro, tem que trazer budismo, vai virar um conselheiro religioso, o que não é o objetivo.”

Fonte: BBC