Uma mulher caminha com o filho em Piura, após as enchentes de 2017

Crédito, Getty Images

Inundações causadas pelo fenômeno El Niño de 2016-2017 no Peru afetaram 1,9 milhão de pessoas

A última vez que o El Niño se formou foi em 2016 — e seus efeitos foram sentidos em todo o mundo, à medida que contribuiu para o aumento recorde das temperaturas globais, a perda de florestas tropicais, o branqueamento de corais e o degelo polar.

A perspectiva de que um El Niño forte se forme nos próximos meses preocupa os cientistas, num contexto em que se observa um aquecimento “brusco e inesperado” dos oceanos.

Tudo isso, em conjunto, pode levar a temperatura global a níveis recordes em 2023 e 2024.

Para prever o fenômeno El Niño, os cientistas medem vários fatores, como a velocidade dos ventos alísios (que sopram de leste para oeste na região equatorial da Terra) e as temperaturas das águas oceânicas, tanto na superfície quanto nas profundezas.

Além disso, cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da Nasa, a agência espacial americana, usam imagens de satélite para estudar as chamadas ondas Kelvin e poder prever com mais certeza as chances de formação do El Niño.

“Quando medimos os níveis do mar usando altímetros no espaço, vemos não só a forma e a altura da água, mas o movimento das ondas, como as Kelvin”, explicou Nadya Vinogradova Shiffer, cientista do programa Sentinel-6, da Nasa, em comunicado.

Mas o que são essas ondas que os especialistas da Nasa detectaram nas últimas semanas? E por que são usadas para prever fenômenos como o El Niño?

Um mapa-múndi mostrando o estado das ondas kelvin em 8 de maio

Crédito, JPL

Estas são as imagens criadas a partir dos dados compilados pelo satélite Sentinel-6. A acumulação vermelha e branca que se vê ao longo da costa da América é de ondas Kelvin

As ondas Kelvin

As ondas que você vê quando vai à praia são geradas pela pressão que a atmosfera exerce sobre a água: os aumentos da pressão fazem com que a água na superfície se comprima e se expanda. Nesse ir e vir, são criadas as ondas.

Durante esse movimento ondulatório, a água quente da superfície se mistura com a água mais fria das profundezas, gerando correntes.

As ondas Kelvin — descobertas em 1879 por William Thompson, que ficaria conhecido mais tarde como Lord Kelvin — seguem o mesmo princípio.

De acordo com o JPL, as ondas Kelvin têm aproximadamente de 5 a 10 centímetros de altura na superfície do oceano e centenas de quilômetros de largura, se movendo de oeste para leste.

Uma onda no oceano

Crédito, Getty Images

As ondas que você vê no mar são criadas pela pressão atmosférica, que comprime e expande a água

Quando se formam na Linha do Equador, como foi detectado nas últimas semanas, as ondas Kelvin levam a água quente, associada com níveis mais altos do mar, do Pacífico Ocidental para o Pacífico Oriental, em direção à costa oeste da América do Sul.

As ondas Kelvin que começam na primavera do hemisfério norte são consideradas precursoras do El Niño, um fenômeno caracterizado por níveis do mar mais altos e temperaturas oceânicas mais quentes que a média ao longo da costa ocidental do continente americano.

Ondas Kelvin e El Niño

Nuvens de tempestade se acumulando sobre o mar

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Temperaturas mais altas na superfície e nas profundezas da água geram uma maior evaporação, resultando em mais eventos climáticos extremos

Por haver mais calor nessas águas, há mais evaporação, e por haver mais evaporação, há mais precipitação e eventos climáticos extremos.

“As ondas Kelvin são algo que costumamos ver como um precursor do El Niño”, diz o pesquisador da Nasa Josh Willis à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

“Houve vários eventos históricos de El Niño nos últimos anos (1996-1997, 2015-2016) e em todos se observou ondas Kelvin antes de ocorrerem.”

Imagens de satélite mostrando ondas Kelvin durante o fenômeno El Niño de 1997

Crédito, Laboratório de Propulsão a Jato da NASA

O fenômeno El Niño de 1997 foi considerado ‘histórico’ devido às altas temperaturas e precipitações. Aqui, você vê as imagens de satélite das ondas Kelvin em 13 de dezembro de 1997

Por meio de imagens de satélite, os cientistas podem ter uma ideia visual mais clara de como as temperaturas estão distribuídas no Pacífico. E potencialmente quão forte será o El Niño que está se formando.

“É muito mais provável que tenhamos um El Niño neste ano do que não”, avalia Willis. “Mas se é um grande ou pequeno, é algo que teremos que esperar para saber.”

Corais branqueados na Grande Barreira de Corais da Austrália

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O estresse que as temperaturas mais altas geram nos ecossistemas se reflete na vida marinha: os corais são especialmente sensíveis às mudanças na temperatura da água, que podem causar seu branqueamento

O que se pode dizer com certeza, segundo especialistas, é que, com o aumento das temperaturas globais devido às mudanças climáticas, qualquer aumento adicional, como o que o El Niño pode provocar, terá consequências significativas.

“Dados de satélite do período entre março e abril mostraram que, até 24 de abril, as ondas Kelvin haviam acumulado níveis mais altos de águas mais quentes nas costas do Peru, Equador e Colômbia”, afirmou o JPL no comunicado.

Esses dados se refletiram, por exemplo, nos aumentos históricos das temperaturas que o Peru registrou durante o mês de abril.

Fonte: BBC