Peixe leão fotografado no litoral cearense

Crédito, LABOMAR/Divulgação

Espécie se espalha pelo Atlântico há 40 anos

  • Author, Camilla Veras Mota
  • Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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  • Há 59 minutos

“Quem já colocou ele num aquário, por exemplo… Às vezes ele come todos os outros peixes que estão no aquário.”

O comentário é do biólogo Marcelo Soares, pesquisador do Labomar da Universidade Federal do Ceará (UFC). A cena insólita ilustra a voracidade do peixe-leão (Pterois volitans), uma espécie invasora do Indo-Pacífico que chegou recentemente à costa brasileira e que, em pouco tempo, pode se espalhar por todo o litoral do país.

Ele não tem predadores naturais no Atlântico, é um caçador persistente e ávido, se adapta a diversos tipos de ambientes e as fêmeas podem colocar até dois milhões de ovos por ano. A “juba” em volta do corpo é formada por uma série de espinhos venenosos que não são letais aos humanos, mas podem causar ferimentos sérios.

Ferramenta colaborativa organizada pelos pesquisadores mostra dispersão do peixe-leão no litoral do Atlântico

Crédito, Reprodução/Projeto de monitoramento do peixe-leão

Ferramenta colaborativa organizada pelos pesquisadores mostra dispersão da espécie no litoral

Uma história de quase 40 anos

A saga do peixe-leão é uma das histórias mais bem-sucedidas de invasão de espécies de animal marinho.

As evidências científicas disponíveis apontam que ela começa em 1985, na Flórida. Foi a primeira vez que o peixe-leão, nativo do Indo-Pacífico, foi avistado no oceano Atlântico.

Não se sabe exatamente como ele foi parar ali, próximo da costa de Dania Beach. Uma das hipóteses é que tenha sido solto no mar por um aquarista. Há relatos também da liberação acidental de peixes-leão na região em 1992, quando o furacão Andrew varreu a Flórida e destruiu um aquário local.

Desde então, a espécie vem se dispersando pelo oceano Atlântico. Tomou o litoral do sudeste dos Estados Unidos, o Golfo do México, o Caribe…até ser avistado, em 2020, no litoral norte do Brasil.

Avançar do mar do Caribe para o brasileiro não é tarefa simples para uma espécie invasora. A foz do rio Amazonas – ou a pluma do Amazonas-Orinoco, na terminologia técnica – é uma enorme barreira natural que dificulta o trânsito de animais de um lado para o outro. São bilhões de litros de sedimento despejados no oceano a cada minuto – e esse material não se dissolve imediatamente na água salgada, ele se espalha por quilômetros mar adentro e por metros de profundidade.

Não é fácil passar. A hipótese é que o peixe-leão tenha usado recifes que existem na região da pluma do Amazonas como base para atravessar de um lado para o outro, diz Soares, chegando no Amapá e no Pará. Os cientistas acreditam que isso tenha acontecido por volta de 2017 e 2018.

“Esses recifes que existem na Amazônia estão entre 70 e 220 metros de profundidade, é bem fundo. Mas esse animal aguenta até 300 metros de profundidade, então ele consegue usar essa área. Fora isso, é um animal muito resistente, aguenta baixa salinidade.”

Uma vez no litoral brasileiro, o peixe-leão seguiu avançando para o Nordeste, em uma área em que a corrente marinha flui em direção ao Caribe, acrescenta o biólogo. Nadando contra a corrente, ele chegou ao Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte.

No Ceará, Soares e os colegas do Labomar observaram os primeiros animais em março de 2022. Naquela época, os peixes tinham em média entre 14 e 15 centímetros. Um ano depois, em junho de 2023, o tamanho sobrou: 30 centímetros.

“Hoje ele já é encontrado em todos os municípios do Ceará, no litoral do Rio Grande do Norte… e está descendo.”

Segundo o pesquisador, quando o peixe-leão “virou a esquina” do Brasil – a curva no mapa do Rio Grande do Norte -, ele chegou a uma região em que a corrente marinha flui para o sul. “O que significa que ele vai mais rápido agora”, comenta.

No momento, a espécie está na fronteira entre Pernambuco e Alagoas, como aponta a plataforma de monitoramento organizada por Soares e pelo pesquisador Tommaso Giarrizzo para acompanhar a dispersão do peixe-leão.

A ferramenta é colaborativa: pelo computador ou por um aplicativo no celular, pescadores e mergulhadores enviam imagens e informações sobre seus encontros com a espécie.

Peixe-leão capturado em arpão é erguido por mergulhador

Crédito, Labomar/Divulgação

Outros países na rota de invasão do animal incentivam pesca para controle da população

Qual o problema?

Mas por que a proliferação de uma espécie exótica como o peixe-leão é um problema ambiental?

À medida que compete por recursos com outras espécies e que se alimenta de uma grande variedade de animais – sem ser ameaçado por predadores -, ele pode ameaçar a biodiversidade nos locais por onde passa.

Isso pode impactar o turismo, por exemplo. “Quem faz mergulho quer ver vida, né?”, ilustra o pesquisador.

Com menos peixes disponíveis, a pesca também pode ser afetada.

No Ceará, os pescadores artesanais têm uma tradição antiga de criar recifes artificiais com pneus e outros objetos afundados para atrair peixes, as chamadas marambaias.

“Isso vai passando de pai pra filho, a localização do afundamento. É quase como uma propriedade para pescar no fundo do mar”, explica Soares.

Em uma expedição feita na costa da praia de Jericoacoara, a equipe do Labomar encontrou vários peixes-leão dentro dessas estruturas.

Peixe-leão avistado no litoral cearense, próximo à praia de Jericoacoara

Crédito, Labomar/Divulgação

Espécie se encontra atualmente entre Pernambuco e Alagoas

O que é possível fazer para evitar o pior?

O biólogo diz que é praticamente impossível erradicar o peixe-leão das áreas em que ele já se estabeleceu, mas o controle da população pode ajudar a diminuir os impactos negativos.

Por ser uma área de conservação, contudo, o arquipélago é um caso à parte. Na maioria das cidades do litoral norte e nordeste por onde a espécie tem se espalhado, ainda não há iniciativas coordenadas dos governos estaduais e federal para ativamente tentar controlar o aumento da população de peixe-leão.

“O ponto positivo é que nós temos uma rede de universidades preparadas para trabalhar com os órgãos públicos. Basta que a gente faça essa parceria, todo mundo junto, que é a única forma de combater o problema”, diz Soares.

Outros países na rota de invasão do peixe-leão vêm testando diferentes estratégias nas últimas décadas.

Em alguns locais do Caribe, além da pesca para controle da espécie, a carne é consumida em restaurantes. É o caso das Ilhas Virgens Americanas, onde Soares esteve recentemente como professor visitante.

“Claro que é preciso tratar o peixe, tirar os espinhos, que são venenosos, mas lá ele é usado na alimentação.”

“Eles também aproveitam o couro para produzir sapatos, carteiras, bolsas…uma espécie de curtume do couro do peixe-leão. Então existem alternativas econômicas e sociais que geram a renda e ajudam a eliminar o animal.”

Essas alternativas precisam, contudo, ser cuidadosamente avaliadas pelas autoridades locais, diz o pesquisador. É preciso primeiro entender se os animais na costa brasileira estão contaminados e, caso se decida regulamentar o consumo, preocupar-se em evitar o risco, por exemplo, de dar valor econômico à espécie e acabar incentivando seu cultivo – o que pioraria o problema.

Também em 2022 a autarquia criou um grupo de trabalho com foco específico no problema. Entre os objetivos estão a formulação de uma proposta de ato normativo para o manejo da espécie.

“A regulamentação normativa a ser construída especificamente para o peixe-leão trará comandos mais específicos para o uso e aproveitamento desta espécie”, diz o texto enviado à BBC News Brasil.

Nesse sentido, no segundo semestre deste ano o Ibama estuda organizar um workshop para debater alternativas para o aproveitamento da carne e do couro do animal, “caso haja mercado”, e para construir um “amplo plano nacional de combate ao peixe-leão”.

No momento, ainda que não haja uma proibição legal, a autarquia não recomenda o consumo, por se tratar de uma “espécie venenosa, cujo manejo requer técnicas específicas”.

Fonte: BBC