A emissão de debêntures, que são títulos de dívidas emitidos pelas empresas para captar recursos no mercado financeiro, teve em fevereiro uma queda acentuada.

De acordo com os dados mensais da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as novas emissões de debêntures somaram R$ 6,6 bilhões no mês passado, o menor valor mensal desde pelo menos o começo de 2022 e uma queda de 64,5% em relação a janeiro (R$ 18,7 bilhões). Na comparação com fevereiro do ano passado (R$ 24,3 bilhões), a queda é de 72%.

O recuo reflete não só condições econômicas gradualmente piores, por conta dos juros altos e de incertezas políticas, mas, em grande parte, também pelo “susto” causado no mercado pela quebra bilionária da Americanas em janeiro, de acordo com analistas consultados pela CNN.

“Esse resultado refletiu o ambiente de aversão ao risco que marcou o início do ano diante dos eventos de crédito e pedidos de recuperação judicial de empresas ocorridos no período”, escreveu a Anbima em seu boletim.

“Combinado a isso, o contexto macroeconômico também não contribuiu, com a falta de indicação de um novo arcabouço fiscal para este ano e perspectiva de manutenção de juros altos por mais tempo em meio a questionamentos do próprio governo quanto à condução do sistema de metas de inflação pelo BC”, completa a entidade.

Com uma dívida declarada em R$ 43 bilhões, a Americanas abriu seu processo de recuperação judicial poucos dias depois de anunciar, no início de janeiro, a descoberta de um rombo bilionário causado por uma série de erros contábeis em seus balanços. Foi a quarta maior recuperação judicial já aberta no país.

Nas poucas semanas seguintes, a Marisa anunciou uma reestruturação de dívida, a Livraria Cultura teve sua falência decretada e rumores de que a Light também estaria abrindo um processo de reestruturação – negado pela empresa – também agitaram os investidores do mercado de crédito privado.

“Há um somatório de fatores que levou o mercado de crédito privado a praticamente fechar para novas emissões em fevereiro”, disse Fernando Antunes Marinho, sócio e gestor de crédito da Valora Investimentos, gestora de fundos especializada crédito privado e renda fixa.

“Fechar significa que os fundos não estão querendo comprar [novos títulos de dívida corporativa] porque os gestores querem saber antes onde as coisas vão parar. Houve um aumento da incerteza que machucou as cotas da maioria dos fundos locais e levou a uma correção geral dos preços das debêntures”, acrescenta.

A incertezas ligadas à troca de governo, as dúvidas em relação ao futuro da questão fiscal e o choque da quebra da Americanas são fatores citados por Marinho para explicar a tempestade perfeita que desabou sobre o segmento de crédito do mercado de capitais em fevereiro.

O rumor ligado à Light, que chegou no começo do mês informando que uma das maiores concessionárias de distribuição de energia do país estava contratando uma consultoria financeira, foi, de acordo com ele, “a cereja do bolo”.

A conjunção de ventos contra espantou os investidores desse mercado, e, sem procura, os preços das debêntures foram completamente recalculados no mercado secundário, que é onde os grandes investidores que já possuem um título de dívida de uma companhia podem negociar e revender seus papéis diretamente para outros investidores.

“Todos os ativos de empresas tiveram uma perda de valor da ordem de 50% – as ações, os bonds, as debêntures locais”, conta Marinho. “Uma debênture que estava sendo negociada, por exemplo, a CDI + 1% no final de janeiro no mercado secundário, hoje está sendo negociado a CDI + 1,5% ou CDI + 2%.”

Sem compradores e tendo que pagar juros mais altos para atrai-los de volta, as novas emissões de debêntures pelas empresas também congelaram – que é o que explica a queda nas captações do mês mostrada pelos dados da Anbima.

“Crise sistêmica”

“O evento Americanas me parece, hoje, não ser somente algo delimitado a uma empresa, a Americanas, ou a um setor, o varejo, ou a um setor do mercado financeiro, o de crédito privado”, disse o ex-diretor do Banco Central Tony Volpon em entrevista à CNN.

“Pelas ramificações e efeitos que teve, acho que virou um fator macroeconômico sistêmico”, acrescentou.

Volpon é um dos grandes nomes que começam a engrossar o coro de que há sinais de que o calote bilionário da Americanas pode afetar o mercado de crédito do país de uma maneira mais ampla e, no pior cenário, empurrar a economia para uma recessão.

A derrocada incluiria uma onda de grandes bancos muito mais cautelosos em fazer novos empréstimos para empresas e pessoas, o que poderia represar ainda mais recursos na atividade econômica.

O derretimento do mercado de debêntures no primeiro mês completo após o escândalo Americanas seria só mais um sinal disso.

Na visão de Marinho, da Valora, por outro lado, ao menos para o mercado de capitais, fevereiro foi apenas o pior mês de um processo de ajuste em um mercado que deve aos poucos voltar a se normalizar – mesmo que em um novo patamar, menos aquecido que o dos últimos anos.

“As condições de preços desses ativos ficaram mais atrativas e já há mais apetite dos investidores, mais gestores fazendo mais compras agressivas”, diz. “Já é o início de uma normalização, uma acomodação do mercado secundário, em um novo nível de preços, e aquele mercado que ‘fechou’ e fevereiro já está reabrindo.”

Fonte: CNN Brasil