Djamila Taís Ribeiro dos Santos é Irani Benedita dos Santos, é Joaquim José Ribeiro dos Santos, é Dona Antonia, é Thulane, é Oxóssi. A filosofia africana diz “Eu sou porque nós somos”, e Djamila é porque eles foram e eles são.

Impossível contar a trajetória dela sem citar ou ouvir algum desses nomes. Se, hoje, ela é filósofa, escritora, ativista, coordenadora de um selo editorial, membro da Academia Paulista de Letras, tudo isso se deve a quem veio antes dela e está sempre com ela.

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“Meu pai me ensinou a estudar, mas a minha mãe me ensinou a andar de cabeça erguida. Sou uma filha de Oxóssi e tudo isso me constitui como uma mulher negra”, conta Djamila.

Mas, apesar de ser uma das vozes mais potentes do feminismo negro atualmente, nem sempre foi assim.

“Eu gostava muito de estudar, mas, na época, esse era um lugar de desconforto para as pessoas. ‘Como assim ela – uma menina negra – quer estudar?’ Eu só fui conseguir transcender essas coisas quando, no final da minha adolescência, comecei a trabalhar na Casa de Cultura da Mulher Negra em Santos”, relembra.

“Ali, foi um espaço importante para a minha autoestima, para conhecer mulheres acadêmicas e ver que não tinha nada de errado comigo. Naquele espaço, me descobri e me entendi enquanto mulher negra”, afirma.

A caçula de quatro filhos cresceu dentro dos movimentos sociais, em meio a debates políticos por conta do pai, que era estivador no Porto de Santos (SP).

Apesar a consciência racial ter sido construída dentro de casa logo cedo, isso não a deixou imune ao racismo e todas as suas violências.

“Meu pai dizia que a gente era bonito, que a gente tinha que ter orgulho de ser quem a gente é. Mas eu ia pra escola e eu era absolutamente discriminada justamente por ser quem eu era”, pontua.

Filósofa, escritora e ativista Djamila Ribeiro
Filósofa, escritora e ativista Djamila Ribeiro / GABRIEL CYRILLO

Foi no ambiente escolar que ela sentiu o racismo na pele pela primeira vez e, por conta dele, cresceu sendo a menina tímida na sala de aula, com medo de fazer questionamentos e que se escondia no banheiro pra não ter que sofrer as piadas dos meninos na hora do recreio.

Mas Djamila Ribeiro não foi criada para ficar atrás do ringue. “Minha mãe me ensinou a enfrentar o mundo”, revela a filósofa ao falar da dureza e rigidez de sua mãe, o que hoje entende como medo de ver os filhos serem discriminados.

Tudo isso era uma consequência do racismo e uma forma de defesa e sobrevivência que pessoas pretas conhecem muito bem.

No seu mais recente livro lançado, “Cartas para minha avó”, a escritora faz uma espécie de reconexão com a figura materna – a qual não entendia, questionava os motivos da sua dureza e, até mesmo, o motivo por ter sido criada para ser diferente dela.

“Eu olhava para aquilo que minha mãe fazia com desprezo durante muito tempo. Mas sempre teve ela nesse papel do cuidado. Teve essa pessoa – que era ela — que cozinhava minha comida, lavou, passou meu uniforme, penteou o meu cabelo para que pudesse ir pra escola. Sem a minha mãe, eu também não teria conseguido”, pontua.

O livro reverencia Dona Antonia, a avó que foi a figura afetuosa em sua vida. Tanto a avó e a mãe de Djamila já são falecidas, mas seguem vivas dentro dela.

“Ela foi uma figura feminina de muito afeto, de muita força para mim”, relembra ela ao contar das férias em Piracicaba ao lado da matriarca.

Vida acadêmica e grande virada na vida

“O ciclo do trabalho doméstico foi quebrado na minha geração”. Filha, neta e bisneta de trabalhadoras domésticas, Djamila Ribeiro conseguiu entrar na universidade pública, fruto das políticas públicas, e este foi o motivo da quebra desse ciclo de exclusão em sua família.

Sua trajetória acadêmica começou no Jornalismo – curso que teve que trancar por conta do falecimento dos seus pais e, depois, pela gestação de sua filha Thulane. Mas retornou aos bancos da universidade no curso de Filosofia.

“Eu não fui criada para ficar dentro de casa. Para mim, era importante ser dona da minha vida”, observa. Apesar de ter que lidar com seus impostores emocionais – culpa e pressão psicológica por retomar a estudar com uma filha de três anos na época, Djamila sabe o quanto esse momento foi importante e a grande virada em sua vida.

“Eu pensava: ‘isso vai ser bom para minha filha ter uma outra construção de maternidade’. Ela ia ver a mãe indo atrás do que desejava. Eu fico feliz de ter ido e muitas mulheres negras irem estudar mais tarde por partir em lugares desiguais. E sou muito grata por ter enfrentado todas essas pressões que não foram fáceis e ter ido estudar”, conta ela, que se formou aos 32 anos.

E foi a sua dissertação universitária que a proporcionou ser escritora e criar um selo editorial, onde publica uma série de autores negros, com 25 escritores já publicados.

“Eu gostaria que as pessoas não tivessem medo do feminismo negro. Mas as pessoas ainda não compreenderam o que é. O feminismo negro não divide a gente. Ele trabalha pela interseccionalidade, pela valorização de todas as ideias e por um projeto de sociedade antirracista. As mulheres negras me salvaram da solidão de ser quem eu sou e da solidão acadêmica”, explica.

Autora de livros, como “Quem tem medo do feminismo negro?” e “Lugar de Fala”, Djamila Ribeiro sabe hoje da sua importância enquanto mulher negra e do espaço que ocupa, usando muito bem dessa potência para impulsionar outras mulheres negras.

“É importante a gente ver as mulheres negras nos lugares de potências. Eu não quero ver só mulheres negras sendo notícia porque estão sendo violentadas”, adverte.

E, por acreditar na força do coletivo e se sentir humanizada nesses espaços, ela criou um instituto – o Espaço Feminismos Plurais – onde realiza uma série de atividades voltadas para mulheres negras e/ou em situação de vulnerabilidade social e onde, segundo ela mesma diz: “Elas podem experimentar esses momentos em que elas conseguem ser elas mesmas, em que elas podem falar, em que elas podem se sentir acolhidas”

E assim como Djamila Ribeiro foi acolhida por tantas mulheres negras potentes: Luiza Bairros, Patrícia Hill Collins, Grada Kilomba, Alzira Rufino, Toni Morrison, Sueli Carneiro, dona Antonia, dona Irani… Djamila também segue nos ensinando e nos acolhendo.

Mostrando para nós, mulheres negras, que não tem como pensar em Brasil sem pensar em raça, sem pensar em gênero, que temos lugar de fala, que “somos porque nós somos”, mas que ninguém precisa mais ter medo do feminismo negro.

Fonte: CNN Brasil