• Eduardo Reina
  • De São Paulo para a BBC News Brasil

Há 1 hora

Documento do governo americano

Crédito, Reprodução

Análise do governo americano fez críticas e alertas ao general Figueiredo

O governo dos Estados Unidos trabalhou com a possibilidade do então presidente da República João Batista Figueiredo (1918-1999) renunciar.

A previsão, feita em maio de 1981 pelo setor de inteligência do Departamento de Defesa americano, consta em um documento que permaneceu décadas sob sigilo.

Neste e em outros relatórios e comunicados secretos do mesmo período aos quais a BBC News Brasil teve acesso, há críticas ao general Figueiredo e à sua administração na condução da política brasileira.

Os documentos foram enviados por diplomatas dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e Brasília ao Departamento de Estado, em Washington.

Elaborados dentro do próprio governo nos Estados Unidos, são relatórios de inteligência, análise e comunicados dos serviços diplomáticos no Brasil, do Departamento de Defesa e da CIA (Central Intelligency Agency).

Documento do governo americano

Crédito, Reprodução

Renúncia do então presidente foi cogitada como saída para a crise

Chegam a citar “omissão frente à onda de terrorismo” perpetrado por militares nos anos 1970 e 1980.

“Vai minar a autoridade do presidente Figueiredo e enfraquecer seriamente sua posição política geral”, diz relatório de 12 de junho de 1981 escrito pela Embaixada americana em Brasília, com o título “Brasil: terrorismo trará problemas para Figueiredo”.

Um exemplo desses atos foi um atentado a bomba frustrado na noite de 30 de abril de 1981 no Centro de Convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro.

No local, estava sendo realizado um show de música popular brasileira em comemoração ao Dia do Trabalhador com a participação de milhares de pessoas.

A bomba explodiu dentro de um carro, no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu na hora. O capitão Wilson Dias Machado, que estava ao lado de Rosário, ficou gravemente ferido.

Ambos integram o DOI-CODI, órgão da ditadura ligado à repressão.

Retrato de Figueiredo

Crédito, Planalto

Figueiredo foi o último presidente da ditadura militar

Os portões do Riocentro foram trancados, e o objetivo com as explosões era provocar pânico, o que poderia culminar em muitas mortes. Havia bombas em outros pontos do centro de exposições, que não explodiram.

Cercada de segredos e informações desencontradas, a investigação oficial do Exército não deu em nada.

O Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência do governo federal brasileiro, jogou a culpa na oposição, com o objetivo de retomar a repressão violenta aos partidos de esquerda.

Mas os argumentos não se sustentaram, e acabou-se descobrindo o envolvimento de militares contrários ao processo de abertura política que estava em curso.

Figueiredo tentou encobrir a autoria do atentado. Pressionados, os militares chegaram a dizer que ninguém seria punido.

A Comissão Nacional da Verdade, em 2014, mostrou em seu relatório que o atentado foi articulado pelo governo brasileiro.

“Se Figueiredo tolerar mais violência e aceitar um encobrimento contínuo do envolvimento de militares, crescerão as suspeitas de que ele não tem autoridade para agir ou que tolera as ações”, revela um dos comunicados enviados a Washington.

Documento do governo americano

Crédito, Reprodução

Atentado no Riocentro foi considerado um evento crítico

Possibilidade de renúncia

Naquele ano, o Departamento de Estado dos Estados Unidos trabalhou com a hipótese de Figueiredo renunciar para evitar o aumento dos problemas políticos, além de tentar preservar o processo de abertura, que vinha sendo questionado por parte dos militares.

Outra situação aventada pelos americanos seria que a culpa dos atentados seria jogada sobre um grupo de neonazistas que seria capturado pelo governo, fato que receberia ampla cobertura da imprensa, na análise dos militares brasileiros.

Documentos do governo americano

Crédito, Reprodução

Atos de terrorismo cometido por militares poderiam gerar crise séria para o governo

Mas os Estados Unidos tinham outra posição. “Foi mencionado, reservadamente, que se não houver uma solução satisfatória, o presidente poderá renunciar para preservar a administração do governo e da ‘abertura’, o que parece ser bem pouco provável”, diz um documento recebido pela Agência de Inteligência da Defesa (DIA, em inglês), em maio de 1981.

No Brasil, também havia comentários sobre uma possível saída de Figueiredo do cargo.

De acordo com Bernardo Braga Pasqualette, biógrafo do ex-presidente e autor de Me esqueçam – a biografia de uma presidência, o general Ernesto Geisel, em virtude das consequências originadas a partir do atentado no Riocentro, defendia a renúncia.

“Em setembro de 1981, após o caso Riocentro e o primeiro enfarte de Figueiredo, Geisel passou a defender de maneira discreta e reservada a sua renúncia, usando como argumento a saúde delicada do presidente. Nos bastidores, no entanto, já se falava de uma suposta falta de vontade de Figueiredo em governar o Brasil”, escreveu Pasqualette.

Documentos do governo americano

Crédito, Reprodução

Inteligência americana alertou para omissão do governo com atos de terrorismo

O biógrafo afirmou à BBC News Brasil desconhecer os documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos citados nesta reportagem.

Geisel já havia tratado desta sua defesa à renúncia de Figueiredo em entrevista aos professores Celso Castro e Maria Celina D’Araujo, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV), publicada no livro Ernesto Geisel em 1997.

“Depois do enfarte (Figueiredo) passou a ser outro homem. Naquela ocasião, eu preconizava que ele deveria renunciar. Um homem enfartado, mesmo que vá curar esse enfarte, vá se operar como ele foi, não é a mesma pessoa. Por isso, eu achava que ele deveria ter renunciado. Mas não! Ao contrário, resolveu continuar. A realidade é que depois do enfarte ele se tornou outro homem, se desinteressou de muitas coisas do governo”, disse Geisel em 1997.

Sobre culpar supostos grupos neonazistas pelo atentado do Riocentro, a diplomacia dos Estados Unidos foi clara ao dizer que esta poderia ser uma forma crível do governo Figueiredo desviar a atenção dos militares envolvidos no crime.

Tanques de guerra nas ruas do Rio de Janeiro, em abril de 1964

Crédito, INSTITUTO DURANGO DUARTE / REPRODUÇÃO

Tanques de guerra nas ruas do Rio de Janeiro, em abril de 1964

“Pode haver uma possibilidade que vem à luz, com a recente captura de vários integrantes de grupos neonazistas, com a cobertura da mídia para o caso e especulação da atividade neonazista no país. O governo poderia implicá-los nas ações terroristas com as bombas – não associando grupos militares à orquestração dos atentados a bomba contra a esquerda, embora talvez a esquerda possa ter ações e oportunidades que levassem o governo a acusá-los em público por tais atos. Apesar de ser pouco crível, essa poderia ser a oportunidade de uma solução para o governo que poderia usá-la e ser aceita pela população.”

Ao mesmo tempo, a Embaixada americana destacou em documento em 12 de junho de 1981 o problema da falta de credibilidade do então presidente da República para lidar com as questões nacionais.

Para os Estados Unidos, se Figueiredo não chegasse aos culpados pelos atentados terroristas, “sua posição política e credibilidade entre os principais políticos e grupos de interesse, bem como com o público em geral, sofreria danos irreparáveis”.

“(Haveria) Dúvidas sobre sua habilidade para realizar o processo de liberalização iriam proliferar, apesar de suas garantias e passos positivos que já tomou.”

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Fonte: BBC