Três dos deputados que tomam posse na Câmara nesta quarta-feira (1º) são investigados em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por possível envolvimento nos atos criminosos ocorridos no dia 8 de janeiro, em Brasília. Outros parlamentares são alvos de representações por suposta participação no ataque.

O ministro do STF Alexandre de Moraes negou no último domingo (29) pedido feito por um grupo de advogados para a suspensão de deputados supostamente envolvidos com os atos.

Em sua manifestação, porém, o ministro destaca que as investigações sobre o ataque terão continuidade e que os envolvidos “serão responsabilizados civil, política e criminalmente”.

A CNN consultou especialistas em Direito a fim de explicar a situação jurídica dos parlamentares investigados.

O que fizeram os deputados investigados

A deputada Clarissa Tércio (PP-PE) é alvo do inquérito por publicação feita nas redes sociais, no dia 8 de janeiro, em que diz: “Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo povo está aqui em cima. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos”.

Também nas redes sociais, a deputada Sílvia Waiãpi (PL-AP) postou vídeos dos atos com a legenda: “Povo toma a Esplanada dos Ministérios nesse domingo! Tomada de poder pelo povo brasileiro insatisfeito com o governo vermelho”.

O deputado André Fernandes (PL-CE) é investigado por vídeos em que convocou “ato contra o governo Lula” para o dia 8 de janeiro. Após as invasões, ele postou a imagem da porta de um armário vandalizado do STF, com o nome do ministro Alexandre de Moraes, acompanhada pela legenda: “Quem rir vai preso”.

O inquérito do STF investiga supostos crimes de terrorismo, incitação ao crime, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, entre outros, por parte dos parlamentares.

Outros deputados que assumem mandato são alvos de representações no STF — sem abertura de inquérito até o momento. É o caso do Sargento Gonçalves (PL-RN), que publicou vídeo da invasão do Congresso com a legenda: “Multidão de manifestantes rompem barreira policial e ocupam o Congresso Nacional. Todo poder emana do povo”.

Inquérito não afeta posse, mas investigações tem continuidade

O advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini explica que, apesar da abertura do inquérito, nenhum dos deputados foi denunciado pela prática de crime. Portanto, eles podem tomar posse e, a princípio, exercer o cargo.

O inquérito marca a fase processual em que são investigadas a autoria e a materialidade do crime, aponta a professora de Direito Constitucional Samantha Meyer. Somente após essa apuração, o Ministério Público — na figura da Procuradoria-Geral da República (PGR), visto que os deputados têm foro privilegiado — pode oferecer denúncia.

O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, Ricardo Vita Porto, explica que caso o processo avance os mandatos dos parlamentares correm risco. “Se vier a ser oferecida denúncia pelo MP, eles responderão à ação penal e, apenas se condenados, poderão ter seus mandatos declarados extintos”.

A Constituição estabelece que os parlamentares só podem perder mandato após uma sentença transitada em julgado — ou seja, uma decisão da qual não se pode recorrer. Samantha Meyer destaca, contudo, que mesmo neste caso a cassação não é definitivamente concretizada.

“Mesmo depois dessa decisão judicial transitada em julgado, para que eles percam o mandato, a Constituição exige que a Casa ao qual o parlamentar pertence vote [com necessidade de maioria absoluta] autorizando a perda do mandato. Portanto é um processo bem difícil”, aponta.

Possíveis medidas cautelares

Caso haja denúncia da PGR contra os parlamentares, o processo tem continuidade. Durante esse período são asseguradas aos réus as garantias do devido processo legal, como a ampla defesa e o contraditório. Além disso, em princípio, os parlamentares respondem em liberdade.

A Constituição estabelece que parlamentares não podem ser alvos de medidas cautelares, salvo em flagrante de crime inafiançável. Mesmo nessa possibilidade, explica a professora de Direito Constitucional, “os autos devem ser remetidos à Casa dentro de 24 horas para que seja autorizada ou não a prisão”.

Pierpaolo Bottini pontua que “em caso de obstrução das investigações, reiteração da continuidade delitiva ou risco de fuga” pode haver determinação de medidas cautelares contra os parlamentares .

Mandatos podem ser alvos de denúncias de quebra de decoro

Os mandatos dos deputados não correm risco somente por conta do processo judicial, segundo os especialistas consultados pela CNN. Os juristas apontam para a possibilidade de os parlamentares serem alvos de denúncias por quebra de decoro.

“Alguém pode entrar com um pedido de quebra de decoro parlamentar, dizendo que essa manifestação a favor do ato é incompatível com o decoro. Mas isso ocorre dentro da Casa. Os próprios parlamentares votam pela perda do mandato ou não. Isso não é mais um processo judicial, é um processo político”, explica Meyer.

Apenas os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e a Mesa Diretora da Câmara têm atribuição de assinar representação por quebra de decoro parlamentar contra deputados junto ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

Ricardo Vita explica que os deputados podem ser alvos de denúncias de quebra de decoro por suposta participação nos atos criminosos, visto que já haviam sido diplomados no momento do ataque aos Três Poderes.

Na mesma manifestação em que negou a suspensão da posse dos parlamentares, Alexandre de Moraes destacou que “as condutas dos deputados deverão ser analisadas no âmbito do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados”.

Fonte: CNN Brasil