Verônica, uma escrivã de polícia que foi impactada pela morte de uma mulher, resolve fazer justiça do seu jeito e acaba descobrindo um esquema gigante de crimes sexuais e tráfico de pessoas.

Para combater essa quadrilha, que envolve a própria polícia, líderes religiosos e até seu pai, a agente da polícia tem atitudes questionáveis.

Este é o enredo de “Bom dia, Verônica”, série brasileira da Netflix baseada na literatura policial escrita por Ilana Casoy e Raphael Montes.

O seriado, que mistura temas sensíveis como política, religião, violência doméstica, abuso sexual e pedofília, está há duas semanas no Top 10 séries de língua não-inglesa na plataforma de streaming mundial.

Para o autor Raphael Montes, “essa é uma série para a sociedade”, não uma série feminina ou para mulheres.

“Fico muito feliz de ver como a série atinge várias pessoas. Acho que é uma série para nós como sociedade, porque o problema das mulheres, o problema do machismo, é de todos nós”, afirmou Montes, que além de autor do livro é roteirista da série.

Na segunda temporada, lançada no dia 3 de agosto, a série, estrelada pela atriz Tainá Müller, que dá vida à escrivã titular de uma delegacia especializada em homicídios, conta como Verônica Torres precisou se passar por morta para assumir uma outra identidade e proteger a sua família enquanto tenta acabar com um esquema de corrupção extremamente perigoso.

“Acho que nós todos brasileiros vivemos muito indignados com as injustiças do nosso país. Então, eu queria contar a história dessa personagem que vive num sistema que não funciona, que desperta para enfrentar esse sistema ineficiente”, disse.

Violência contra a mulher na ficção e na vida real

Na vida real, o problema não está muito longe. Em uma pesquisa publicada no periódico científico “The Lancet”, pesquisadores afirmam que uma em cada quatro mulheres sofreu violência doméstica ao longo da vida.

Pouco antes do lançamento da série, um médico anestesista foi preso por estupro de vulnerável no Hospital Estadual da Mulher Heloneida Studart, no Rio de Janeiro, após ser flagrado estuprando uma paciente durante o parto dela.

“Acredito que a dramaturgia cumpre essa função de debater assuntos importantes e mostrar como as coisas são na vida real”, comenta Montes.

Na trama, o chefe do grupo é um homem tido como honesto e íntegro, um líder religioso. Matias, interpretado por Reynaldo Gianecchini, promete a “cura” para suas fiéis, e em vez disso, abusa sexualmente delas.

A narrativa se assemelha com uma história conhecida pelos brasileiros: o caso do medium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus. Ele foi preso em 2021 após uma série de acusações feitas em 2018.

“O João de Deus sem dúvidas é uma das referências, assim como outros líderes. Mas a gente tomou esse cuidado de não ser sobre uma religião específica, porque o problema não está em usar a fé para cometer crimes, uma mistura de fé e Estado, usar isso para conseguir poder”, avaliou Montes.

Além disso, Matias é um narcisista, como o próprio autor descreve, que abusa da própria filha, Ângela.

No Brasil, a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, surgiu com o intuito de criar mecanismos para prevenir, enfrentar e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Durante o enredo da segunda temporada, o autor procura deixar claro quais dificuldades as mulheres enfrentam para denunciar quando sofrem um abuso. Desde o medo de serem desacreditadas, até a vergonha, e questões pessoais.

“E é muito comum no nosso cotidiano, quando uma mulher sofre violência, perguntas do tipo: ‘por que não denunciou?’, ‘por que não fugiu?’ E a gente faz uma série que mostra porque não é fácil. Porque têm as dificuldades da sociedade, do sistema”, disse.

Em “Bom Dia, Verônica”, a personagem Angela é interpretada pela atriz Klara Castanho, que teve sua vida exposta pouco antes da estreia em 3 de agosto. Ela foi a público esclarecer questões da sua vida pessoal que atravessavam o papel que vivia na série.

Raphael Montes não comentou o assunto durante a entrevista, mas o autor falou que a produção tomou todo cuidado para não mostrar cenas de violência sexual.

“Propositalmente a gente mostra os crimes sexuais através do discurso das mulheres e não visualmente. Desde o roteiro, a gente não tinha nenhuma cena mostrando crime sexual. Só se sabe o que acontece pelo que elas [mulheres dizem]. Todos esses cuidados nascem, claro, na sala de roteiro, mas passam pela produção, pela direção e vão até a fase final da série”, afirmou.

Raphael Montes e Tainá Müller no sete da segunda temporada de Bom dia, Verônica / Divulgação

Cinematografia no Brasil

Desde a espetacularização no noticiário até chegar a grandes produções cinematográficas, o público fica totalmente vidrado em histórias de crimes reais ou ficções que refletem o cenário do país.

“Para mim interesse sempre existiu, não acho que o cenário mudou. Tanto que os livros mais vendidos no Brasil, em geral, são suspenses estrangeiros”, diz o autor.

“O que está acontecendo agora é que, felizmente, estamos produzindo cada vez mais séries nacionais, filmes e livros nacionais desses gêneros. O interesse do brasileiro pela temática de violência vem do fato de que vivemos em uma sociedade violenta e desigual, e de algum modo, isso nos comove e nos interessa”, avaliou Montes.

O livro de Ilana Casoy e Raphael Montes tem mais de 100 mil cópias vendidas.

“O audiovisual atinge uma audiência muito maior. Então, felizmente se tivermos histórias inspiradas em livros que viram séries ou viram filmes, a gente tem um movimento contrário. A pessoa assiste a produção e vai ler o livro”, disse.

A segunda temporada de “Bom dia, Verônica” já foi assistida por mais de 12.630.000 horas. A 1º também ocupa o Topo 10 da Netflix em seriados de idioma não-inglês e foi vista por mais de nove milhões de horas.

Raphael Montes, também autor de “Suicidas”, “Uma Mulher no Escuro” e “Dias Perfeitos”, é contratado responsável pela criação da primeira telessérie original da HBO Max. O acordo foi feito em parceria com a Warner foi feito por meio de sua produtora, Casa Montes.

“Tenho muita vontade de adaptar todos os meus livros. Agora eu consigo desenvolver projetos que tenham a minha cara, ou seja, morrem muitos personagens, nesse universo que me interessa, criar histórias originais, e ai entram ‘Dias Perfeitos’ e ‘Uma Mulher no Escuro’”, disse.

Haverá 3ª temporada de Bom dia, Verônica?

E claro, com o sucesso da segunda temporada, que termina deixando o público se perguntando “Quem é Doum”, personagem-chefe que é citado diversas vezes durante o enredo, mas que nunca apareceu, ou com quem a filha de Verônica irá se envolver, todo mundo quer saber: haverá nova temporada de “Bom dia, Verônica”?

“Temos altos planos para escrever uma terceira temporada, mas infelizmente não foi confirmado ainda. A Netflix demora cerca de um mês para confirmar. Então aguardamos na expectativa e temos muita vontade”, disse Montes.

Para quem assistiu os oito episódios finais, alguns personagens queridos pelo público deram adeus a série como Nelson, interpretado por Sílvio Guindane, a delegada Anita Berlinger, papel feito pela atriz Elisa Volpatto.

Quando questionado quando e se Verônica teria um “Bom dia”, ou se podíamos esperar a morte da personagem, o autor riu e respondeu: “A Verônica? É, talvez”, disse o autor.

Fonte: CNN Brasil