Três tentativas de assassinato de funcionários públicos ucranianos pró-Rússia nas últimas duas semanas sugerem um crescente movimento de resistência contra os ocupantes de partes do sul da Ucrânia. A constatação foi de autoridades dos EUA.

Embora sejam apenas alguns incidentes isolados até agora na cidade de Kherson, para as fontes norte-americanas isso sinaliza que a resistência poderia crescer de forma mais ampla, o que representaria um desafio significativo para a capacidade da Rússia de controlar o território recentemente capturado em toda a Ucrânia.

O governo russo “enfrenta uma crescente atividade partidária no sul da Ucrânia”, afirmou Avril Haines, diretora dos serviços de inteligência nacional dos EUA, durante uma conferência em Washington na quarta-feira (29).

Os EUA acreditam que a Rússia não tem forças suficientes em Kherson para ocupar e controlar efetivamente a região, segundo uma autoridade dos EUA, especialmente depois de retirar tropas dessa área para o combate no leste, em Donbass. Outra fonte do governo norte-americano disse à CNN que a iniciativa pode ter fornecido aos militantes ucranianos uma janela para atacar autoridades russas empossadas em cargos locais.

A Ucrânia também conduziu fez contra-ataques limitados perto de Kherson, prejudicando ainda mais as forças russas.

A região é fundamental para a manutenção da Rússia na costa do Mar Negro da Ucrânia e o controle do acesso à península da Crimeia. Não está claro quantas forças russas estão em ou perto de Kherson, mas uma ocupação contra uma população local hostil requer muito mais soldados do que uma ocupação pacífica de território.

Os líderes da Rússia priorizaram a campanha militar à custa de qualquer tentativa de montar um governo. “É claro que eles não podem investir nisso agora”, relatou uma fonte dos EUA.

Três tentativas de assassinato

O primeiro ataque em Kherson ocorreu em 16 de junho, quando uma explosão despedaçou as janelas de uma SUV Audi Q7 branca. O veículo foi bastante danificado, mas o alvo do ataque sobreviveu.

Eugeniy Sobolev, chefe pró-russo do serviço prisional na Kherson ocupada, foi hospitalizado após o ataque, de acordo com a agência estatal russa RIA Novosti.

Menos de uma semana depois, um segundo funcionário pró-russo em Kherson foi alvejado. Desta vez, o ataque foi bem-sucedido. Em 24 de junho, Dmitry Savluchenko, a autoridade pró-Rússia encarregada do Departamento de Juventude e Esportes para a região de Kherson, foi morto, segundo a RIA Novosti. Serhii Khlan, conselheiro do chefe da administração militar civil ucraniana Kherson, chamou Savluchenko de “traidor” e disse que ele explodira dentro de seu carro. Khlan proclamou: “Nossos militantes conquistaram outra vitória”.

Na terça-feira (28), o carro de um terceiro oficial pró-russos foi incendiado em Kherson, de acordo com a agência de notícias estatal russa Tass.

A autoridade, no entanto, não se feriu. A autoria dos ataques não é conhecida. De acordo com as fontes, não parece haver um comando central que oriente uma resistência organizada, mas os ataques têm aumentado, especialmente na região de Kherson, ocupada pela Rússia em março, no início da invasão.

Uma fonte familiarizada com os serviços de inteligência do ocidente foi mais cética quanto à possibilidade de a resistência se desenvolver, saindo de ataques a autoridades para uma campanha mais organizada capaz de gerir as ações e fornecer armas e instruções.

Até agora, a resistência não tem enfraquecido o controle da Rússia sobre Kherson, como enfatizou essa fonte ligada aos serviços de inteligência. Mas, a longo prazo, os EUA avaliam que a Rússia acabará enfrentando uma contrainsurgência da população local da Ucrânia.

“Acho que a Rússia vai ter desafios significativos na tentativa de estabelecer qualquer tipo de governo estável nessas regiões, porque provavelmente colaboradores, os mais proeminentes entre eles, vão ser assassinados e outros vão viver com medo”, explicou Michael Kofman, diretor de estudos da Rússia no Center for Naval Analyses, um grupo de reflexão baseado em Washington.

Dificultar a governança russa

Na terça-feira (28), as autoridades russas da região de Kherson prenderam o prefeito ucraniano eleito da cidade, Ihor Kolykhaiev, horas antes de anunciar planos para um plebiscito para aderir à Rússia. O governo militar-civil pró-Rússia acusou Kolykhaiev de encorajar as pessoas a “acreditar no retorno do neonazismo”.

Um assessor de Kolykhaiev disse que as autoridades russas também haviam apreendido HDs de computadores, vasculhado cofres e procurado por documentos. No início de junho, militares ucranianos disseram que “invasores” haviam invadido a Universidade Estadual de Kherson e sequestrado o reitor.

As forças russas têm gradualmente instituído o rublo como moeda local e emitido passaportes russos.

Em Mariupol, as autoridades pró-russas celebraram a chamada “libertação” da cidade em maio. A República Popular de Donetsk, alinhada à Rússia, mudou os sinais de trânsito de ucraniano para russo e instalou uma estátua de uma mulher idosa agarrando uma bandeira soviética. Até mesmo as icônicas letras gigantes com a palavra Mariupol pintadas nas cores ucranianas foram redecoradas com cores russas.

Apesar dos esforços da Rússia para eliminar a história, etnia e nacionalismo ucranianos de Kherson e de outros territórios ocupados, a população ucraniana mostra vontade de resistir.

Os ocupantes e os colaboradores locais estão fazendo declarações cada vez mais fortes sobre a região de Kherson que se une à Rússia”, contou uma autoridade ucraniana na semana passada, “mas, todos os dias, mais e mais bandeiras e inscrições ucranianas aparecem na cidade”.

As tentativas de apagar forçosamente a cultura ucraniana e ditar uma hegemonia russa produziram, em alguns casos, o efeito oposto, de acordo com uma graduada autoridade da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

“Houve relatos de tentativas de assassinato contra alguns dos quislings (colaboracionistas) que foram empossados para serem governadores, prefeitos e líderes empresariais”, relatou a fonte da Otan. Ele usou o termo quisling, que representa um traidor que colabora com uma força inimiga, apelido criado durante a Segunda Guerra Mundial por causa de um oficial norueguês que colaborou com os nazistas. “Isso provavelmente dissuadiu simpatizantes russos ou os próprios russos, ou quem quer que eles queiram levar para esses lugares”, completou.

Como força de ocupação em Kherson (uma força que, por sinal, parece ter a intenção de manter o controle), a Rússia tem de fornecer serviços básicos nos territórios que gere, como distribuir água potável e fazer a coleta de lixo. Mas os EUA avaliam que os atos de resistência estão dificultando a prestação de serviços básicos e públicos.

Os EUA sabiam que havia uma “rede séria de resistência” dentro da Ucrânia, capaz de assumir se e quando os militares tivessem falhado. Antes da invasão, os EUA anteciparam que a insurgência iria surgir, juntamente com a guerra de guerrilha, após um breve período de intensos combates em que a Rússia prevaleceu. Mas, agora, a guerra já se arrasta há meses, com muitos analistas prevendo um conflito muito mais longo.

Um alto funcionário norte-americano avisou um homólogo russo, antes do conflito, de que eles enfrentariam uma insurgência se invadirem a Ucrânia e tentassem ocupar territórios. Mas o aviso entrou por um ouvidoe saiu pelo outro, segundo a fonte, e a invasão prosseguiu, impulsionada em parte pela arrogância e pelo serviço de inteligência ruim.

A Rússia acreditava que as suas forças seriam saudadas com braços abertos e esmagariam rapidamente qualquer resistência. Foram fantasias errôneas que se dissiparam rapidamente, mas pouco fizeram para alterar os cálculos do presidente russo, Vladimir Putin.

Kofman, do Center for Naval Analyses, diz que não está claro que tipo de estrutura de governo a Rússia tentará criar para exercer controle, mas não há dúvida de que pretende manter os territórios. Depois de enfrentar insurgências prolongadas e sangrentas no Afeganistão e na Chechênia, o governo russo deveria antecipar outra possível insurgência na Ucrânia.

“Eles sabiam que isso aconteceria”, opinou Kofman. “É por isso que eles fazem campos de filtragem e enviam uma boa parte da população para fora das áreas ocupadas”.

Tim Lister, Barbara Starr e Zachary Cohen da CNN contribuíram para esta reportagem.

Fonte: CNN Brasil