O futebol na Argentina é uma religião e um assunto de Estado. Colecionar o álbum de figurinhas da Copa do Mundo também.

Faltando menos de dois meses para o Mundial do Catar, o governo somou o desafio de completar o álbum aos problemas políticos, econômicos e sociais do país.

A Secretaria de Comércio se envolveu esta semana na polêmica entre os representantes das bancas e a editora Panini, a fim de mediar um acordo que busca resolver os problemas de fornecimento tanto das figurinhas quanto dos álbuns para esses estabelecimentos, que haviam distribuição tradicionalmente canalizada.

A Panini prometeu à administração argentina e aos quiosques controlar os 60 distribuidores oficiais para que enviem os produtos para todos do país. Desta forma, as autoridades parecem ter resolvido uma das prioridades dos cidadãos — sejam eles jovens ou não: conseguir os adesivos das principais estrelas do futebol.

Há quem se disponha a completar o álbum em tempo recorde e pagar qualquer coisa pelos colantes que faltam. No entanto, a escassez de figurinhas levou, em primeiro lugar, ao aparecimento de placas nos pontos de venda anunciando que “Não há figurinhas” e, posteriormente, preços exorbitantes em troca das mesmas.

Há anúncios no popular site de vendas online Mercado Livre oferecendo o adesivo especial de Messi por 22 mil pesos argentinos, o que equivale a pouco mais de US$ 150 (R$ 789) no câmbio oficial desta sexta-feira (23). Normalmente, valeria menos de um dólar.

Alguns meios de comunicação locais informaram que o cromo do craque argentino chegou a 120 mil pesos argentinos, cerca de US$ 825 (R$ 4.344).

A situação começou a se agravar quando as bancas, que tradicionalmente vendem o álbum, reclamaram que a Panini os “traiu” e os estava deixando de lado para dar prioridade a outros estabelecimentos, como supermercados, postos de gasolina e mercados virtuais.

Na reunião de mediação convocada pelo governo, representantes da editora italiana afirmaram que controlarão mais e melhor seus 60 distribuidores oficiais, disse à CNN Adrián Palacios, vice-presidente do Sindicato de Quiosques da Argentina.

Quem procurar álbuns e figurinhas nas bancas terá que continuar em longas filas, implorando para que a escassez acabe, ou ir para outros canais de vendas, como supermercados, postos de gasolina e o mercado paralelo, onde os preços estão cada vez mais altos.

“Gol no primeiro minuto de jogo”

“No primeiro! Não, não… primeiro pacote, primeiro pacote! Ganhei o Messi, pai!”. Foi isso que Joaquín Stahlschmidt gritou exultante em um vídeo postado em sua conta no Twitter. Este jovem estudante de cinema encontrou em agosto, no seu primeiro pacote de figurinhas, a joia mais preciosa para os argentinos: o cromo de Lionel Messi.

“Foi uma loucura. No primeiro pacote tirei Messi, não acreditei. E postei nas redes sociais para mostrar o que havia acontecido. Em dois segundos, viralizou, incrível”, conta Joaquín.

Foi como marcar um grande gol no primeiro minuto de uma final.

Para o colecionador Claudio Destéfano, o fenômeno Panini tem suas raízes no fato de que na Argentina, há várias décadas, se colecionam figurinhas. O ritual, diz o jornalista especializado no ramo esportivo, era ter seus ídolos da primeira divisão do futebol do país retratados em um álbum, preenchê-lo em tempo recorde, encontrar “a difícil’ (cromo difícil de obter), e depois correr até a banca para procurar o prêmio: uma bola.

Embora o contexto atual tenha mudado, o que não mudou é a paixão por essa “religião”. O Parque Rivadavia, no centro da cidade, transformou-se nos últimos finais de semana num local de troca de figurinhas entre os torcedores.

A internet tem grande papel nisso, pois permite que eles se aproximem e tenham informações sobre onde na cidade ou no país ir para comprar figurinhas ou álbuns.

Até a última figurinha

Em agosto, poucas semanas após o lançamento, alguns fãs conseguiram completar o álbum. As compras em massa pela internet, as trocas marcadas pelo WhatsApp e um posterior encontro pessoal, permitiram que a tarefa fosse cumprida.

Mas não é isso que acontece com Joaquín: “Tem muita gente que compra 200 pacotes, enche o álbum, e fica por isso. Para mim, a diversão vai aos poucos”.

Claudio, dono de um quiosque no bairro Almagro, interpreta que esse fenômeno tão forte no atual contexto que a Argentina vive se deve ao grande momento que a seleção nacional vive e pela proximidade da Copa do Mundo.

Por outro lado, para Destéfano o motivo é outro: “Quando você interage com seu filho, se jogamos no PlayStation, você perde de sete a zero. Se você fala sobre questões de tecnologia, você não ganha. Por outro lado, o pai tem a possibilidade de lhe passar coisas e de partilhar histórias com o seu filho”.

Tanto Claudio, em seu quiosque, quanto Stahlschmidt, na Universidade, ou o colecionador, em seu estudo, sublinham que o fenômeno é puramente análogo. “O objeto físico ou material tem algo que o virtual nunca lhe dará”, diz o jovem estudante.

Desafio internacional

A situação com a Panini levou até o embaixador dos Estados Unidos na Argentina, Marc Stanley, motivado por Jorge Argüello — embaixador argentino em Washington –, a comprar seu álbum com figurinhas e desafiar seus colegas de outros países.

Também fez com que Mateo, filho de Lionel Messi, mostre a figura de seu pai através de um post de sua mãe, Antonella, e que o técnico da Seleção Argentina, Lionel Scaloni, no meio dos amistosos que a alviceleste disputará em Miami e depois em Nova York, comentasse com a CNN: “Meu filho faz, tenho certeza que ele os coleciona e ele também deve estar sem aquelas figurinhas. Eu não sabia que elas tinham esgotado”.

A Copa do Mundo está chegando, e todos os argentinos sonham com a grande conquista no Catar. Ao mesmo tempo, muitos fãs, como Stahlschmidt, querem continuar completando o álbum enquanto o maior evento do futebol é disputado.

Os olhos deste torcedor do Independiente e da seleção se iluminam quando ele diz: “Gritar ‘campeão’ ao mesmo tempo de ter completado o álbum de seus ídolos é algo que não tem preço”.

Veja detalhes do álbum e das figurinhas do Brasil:

Este conteúdo foi criado originalmente em espanhol.

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Fonte: CNN Brasil