De Roma a Madri, a instabilidade avança na União Europeia, com o crescimento dos populistas e tensões com os Estados Unidos – seu aliado histórico -, que paradoxalmente poderia fazer com que o Velho Continente recuperasse a unidade, segundo especialistas.

A União Europeia (UE) “me lembra alguém que está à beira do precipício e, inclusive, um pouquinho mais além. Os dedos dos pés já estão no vazio”, disse esta semana em Berlim o ex-ministro alemão das Relações Exteriores Joschka Fischer.

A UE dos tratados, da integração, está sacudida seja pelas crises políticas que derrubam ou fragilizam governos, seja por eleitores que dão poder a dirigentes antissistema.

Sem esquecer os mercados financeiros, que miram febrilmente cada evolução e suas potenciais consequências financeiras, em particular na Itália, país fundador do euro e muito endividado.

Na Espanha, o governo conservador de Mariano Rajoy caiu nesta sexta-feira (1). Na Grã-Bretanha, o governo de Theresa May, que gere o Brexit, se mantém somente graças a uma aliança, assim como o da chanceler alemã Angela Merkel, embora em menor medida.

Em vários países, os eleitores dão o poder a governos populistas, antissistema, ou que denunciam o liberalismo político, econômico, migratório, que marcaram o rumo da construção europeia das últimas décadas.

– ‘Família disfuncional’ –

“A Itália sofre uma crise nervosa, a Espanha está lastrada por seus problemas internos, a Polônia protesta com força, a Grã-Bretanha se vai, e a Alemanha está recostada no sofá. É uma família disfuncional”, ironizou esta semana no Guardian o historiador britânico Timothy Garton Ash.

“A UE está diante de uma crise histórica de sua construção”, considerou Emanuelle Reungoat, professora de Ciências Políticas na Universidade de Montpellier, no sul da França.

A crise grega levou a zona do euro à beira do abismo, mas hoje o problema é mais político, com elites desestabilizadas pelo crescente descontentamento da população, e que parecem sedadas, pouco prontas para agir.

“Neste cenário muito degradado, o motor franco-alemão não se acendeu”, considerou Sébastien Maillard, do Instituto Jacques Delors. “Não existe dinâmica, nenhum alento, não há cumplicidade” entre um Emmanuel Macron que diz ter grandes ambições e Angela Merkel, que começa seu quarto mandato assentada sobre uma maioria de coalizão e reticente a se lançar em uma maior integração europeia se isso implicar finanças alemãs.

“Merkel está enfraquecida, Macron está sozinho” se movendo para levar adiante seu projeto, observa Pascale Joannin, diretora-geral da Fundação Robert Schuman.

E a chegada ao poder em Roma de uma coalizão entre um partido de extrema direita e uma formação antissistema ameaça complicar ainda mais a agenda europeia, privando Macron de um aliado nos conclaves comunitários.

– Trump unificará a UE? –

“Talvez a Itália seja o último prego no caixão das reformas de Macron”, segundo John Springford, do londrino Centre for European Reform.

Para Maillard, a coalizão italiana, puxada por suas próprias visões, não ameaça tanto bloquear a política europeia. “Não são as mesas viradas”, mas as “cadeiras vazias” nas reuniões europeias, o que impossibilitaria a tomada de decisões.

Mas, paradoxalmente, um rosto deste grupo populista poderia permitir à UE retomar suas convicções. O presidente americano, Donald Trump, ao quebrar todos os códigos em vigor e ao declarar guerra comercial à UE, poderia dar um empurrãozinho.

“Talvez Trump conseguirá fazer o que ninguém conseguiu até agora: unir os europeus. Merkel se posicionou” para denunciar as tarifas impostas por Washington, destaca Joannin.

“Obriga a ter uma posição comum, pode funcionar se a cooperação franco-alemã se sair bem”, considera Maillard.

Mas inclusive se os governos conseguirem se mobilizar novamente diante de Trump, não terão resolvido o problema de fundo, resume Reungoat: “a falta de adaptação crescente entre a demanda dos cidadãos e a oferta política”.

A respeito, as próximas eleições europeias de 2019 serão importantes. “Sentimos que são desenhadas duas Europas, a de Macron e a de (Viktor) Orban”, o dirigente húngaro que resume nele as correntes políticas opostas à construção europeia tal como aconteceu até agora.

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