O padre Júlio Lancellotti, que atua na Pastoral do Povo da Rua de São Paulo (SP), usou as redes sociais para criticar uma paróquia e uma padaria em Franca (SP). O religioso usou fotos das grades erguidas em torno da Catedral Nossa Senhora da Conceição e de uma placa na porta do estabelecimento comercial que pede aos clientes para não dar esmolas no local.

Segundo o religioso, as ações caracterizam aporofobia, que significa rejeição aos pobres. Ele afirma que as imagens foram enviadas por moradores da cidade que seguem o trabalho dele com a população em situação de vulnerabilidade social.

“São pessoas que veem que eu comento muito sobre a questão da aporofobia, do rechaço aos pobres, de obstáculos arquitetônicos. Eu tenho publicado no sentido de que não é só uma crítica aos bancos, aos shoppings, mas é uma autocrítica também quando comunidades católicas ou cristãs também lançam mão desse meio.”

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Placa na porta de padaria em Franca, SP, orienta os clientes a não dar esmolas — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Placa na porta de padaria em Franca, SP, orienta os clientes a não dar esmolas — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Grades na igreja

As grades ao redor da Catedral Nossa Senhora da Conceição, no centro da cidade, começaram a ser erguidas em 2019.

Segundo o bispo de Franca, dom Paulo Roberto Beloto, a medida só foi adotada porque dependentes químicos e moradores de rua passaram a se concentrar nas laterais do templo, mas começaram a ser agressivos com frequentadores da igreja e da praça e com trabalhadores da limpeza.

“Nós tivemos algumas pessoas que começaram a ocupar o espaço. Até aí sem problema nenhum. Só que algumas delas, usuárias de drogas, começaram a se tornar agressivas com os nossos fiéis, com os funcionários da prefeitura que iam limpar. Muita sujeira. Até relacionamento sexual tinha em plena luz do dia. Começaram a acender fogos colocando em risco o próprio ambiente e o patrimônio.”

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Grades ao redor da Catedral Nossa Senhora da Conceição em Franca, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Grades ao redor da Catedral Nossa Senhora da Conceição em Franca, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Dom Paulo explica que a decisão de instalar grades foi discutida com a comunidade católica, com o Ministério Público, a Prefeitura e o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico (Condephat). Os órgãos envolvidos autorizaram a instalação.

“Às vezes pode causar um impacto ver uma grade, mas foi necessidade. Nós não deixamos de dar assistência aos pobres por causa das grades.”

Cartaz na porta

A padaria Estrela, criticada pelo padre Júlio Lancellotti, fica na Avenida Major Nicácio. Segundo o empresário João Batista Lima, o cartaz foi afixado por causa da hostilidade com que parte dos moradores de rua que ficam na praça em frente passou a tratar os clientes do estabelecimento.

Segundo Lima, a empresa não é contrária a gestos de solidariedade, inclusive mantém ações sociais. Mas o comportamento agressivo do grupo estava colocando em risco a segurança dos clientes.

“Lamentavelmente, pela distância física que está de nós, [o padre] não conhece todo o trabalho que desenvolvemos e nem a realidade que nós vivemos na cidade de Franca no tocante aos pedintes. A própria prefeitura tem ações de divulgação pedindo para não dar esmola. As entidades de serviço, a mesma coisa. Ficamos numa sinuca de bico. A intenção maior da padaria é a preservação física dos nossos clientes.”

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Homem dorme na entrada da Catedral Nossa Senhora da Conceição em Franca, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Homem dorme na entrada da Catedral Nossa Senhora da Conceição em Franca, SP — Foto: Carlos Trinca/EPTV

Na opinião do padre Lancellotti, tanto a igreja como a padaria podem trabalhar de forma amigável com autoridades públicas com o objetivo de combater a pobreza.

“A pobreza não diminui porque diminuem os pobres. A pobreza diminui porque há justiça social, porque há equidade, porque há proteção social. Ao invés de a gente gastar criando obstáculos, podemos nos empenhar junto aos poderes Legislativo e Executivo para que haja respostas para a justiça social.”

Segundo Lancellotti, iniciativas de acolhimento e apoio são instrumentos positivos no sentido de reduzir a desigualdade social.

“Nós criminalizamos a pobreza e achamos que os pobres são a causa de toda violência, eles são o efeito dessa violência também. Jogar uma pessoa na rua sem ter o que comer, sem ter onde dormir, sem ter acesso à água potável e a única coisa que se vê são grades até na casa de Deus é muito agressivo.”

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O padre Julio Lancellotti — Foto: Reprodução/EPTV

O padre Julio Lancellotti — Foto: Reprodução/EPTV

Ações desenvolvidas

Empresário e bispo são contrários às críticas do padre Lancellotti. Segundo dom Paulo, o religioso conhece o trabalho desenvolvido por membros da Igreja Católica de Franca com a população de rua.

“O padre Julio conhece o trabalho que o padre Ovídio realiza na nossa diocese, na Pastoral do Menor, e assumiu projetos com moradores de rua. Damos assistência em parceria com a prefeitura. Há uma preocupação. Nós não temos ojeriza aos pobres, pelo contrário. Nós procuramos acolher.”

Já Lima afirma que a padaria desenvolve diferentes ações na cidade para ajudar aqueles que mais precisam. Uma delas consiste na doação de um dia de faturamento bruto ao Hospital de Câncer.

“Uma dezena de creches ajudamos diariamente com o envio de pães, leite, tudo que é necessário. Sem contar o que doamos quando é pedido por entidades. Nós fazemos com o coração aberto. Nós não somos contrários a ajudar, nós praticamos essa ajuda.”

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Fonte: G1