Começou, eu acho, com um vídeo do TikTok involuntariamente engraçado.

A pessoa que narra –a narração acelerada pelo aplicativo deixa tudo mais bizarro– sobe a escada de um prédio e chega a um terraço com algumas mesas de bar.

A voz paulistanésima diz que o lugar é muito concorrido, que é perfeito para passar horas petiscando, ainda mais com essa vista maravilhosa. A vista do tal “rooftop escondido no centro de São Paulo”: o Minhocão.

Pronto. Foi o bastante para desencadear, no Twitter, uma guerra entre São Paulo e o resto do Brasil. Um morador de Salvador publicou o vídeo e escreveu: “O conceito de vista maravilhosa dos paulistas é algo que me fascina.” Aí o pau comeu solto.

De um lado, cariocas, mineiros, baianos, maranhenses, capixabas e pernambucanos tripudiando a autoestima exagerada dos viventes de Piratininga; do outro, paulistanos defendendo o indefensável.

Nada contra o restaurante em questão. Não conheço, quero conhecer. Chama-se Cora, é tocado por um chef do norte da Argentina, tem um cardápio atraente e não se vende como rooftop de coisa alguma.

Atribuir beleza ao Minhocão é uma tontaria sem tamanho. Mas ele está lá e, enquanto estiver lá, nós paulistanos precisamos conviver com ele. A convivência melhorou bastante nos últimos anos, e a própria existência do Cora é uma amostra disso.

Quanto à guerra de tomates na internet, é o afloramento de um ressentimento histórico. Paulistanos são odiados Brasil afora, e isso tem pouco a ver com a indiscutível feiura de São Paulo.

No século 20, a elite industrial tentou emplacar São Paulo como modelo de prosperidade criado por aristocratas cultos e imigrantes disciplinados –em contraponto ao país mulato, mameluco, cafuzo, indolente e pobre além da divisa estadual.

Não rolou, pois mentira. São Paulo é tão Brasil quanto o resto do Brasil. Ainda tem gente aqui que se acha predestinada, assim como tem gente aí fora que alimenta o mito ao tratar São Paulo como um ente estranho.

As cidades brasileiras são feias. São Paulo assusta mais porque é a maior de todas.

Nas respostas ao post do Minhocão, as vistas maravilhosas não-paulistas eram de praias, de montanhas, de florestas, de campos abertos, de natureza. Salvador, Rio e Brasília, nossas três capitais, tiveram intervenção humana mais caprichada. Isso não as salva da feiura de suas entranhas.

Afaste-se da orla de qualquer bela cidade litorânea do Brasil: tudo o que se vê é feiura a perder de vista.

De mais a mais, São Paulo tem seus atrativos. Tem os botecos, os japoneses raiz da Liberdade, os coreanos do Bom Retiro, a feira dos bolivianos, alguns picos hipster que realmente prestam, boa pizza em vários cantos, casas do norte, comida jamaicana, comida egípcia.

Existe gostosura em meio à feiura de Essepê (não me venha falar Sampa, meu). Aqui é nóis. E nóis pede um chopps e dois pastel…, mas só na imaginação de quem chegou há pouco de fora.

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Fonte: Folha de S.Paulo

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