São Paulo, a metrópole que nunca dorme, parece cenário de filme de zumbi no primeiro dia do ano.

Os carros desaparecem, assim como o barulho. Os raros infelizes nos pontos de ônibus criam musgo na pele enquanto esperam a condução. A desolação se acentua pela fase vermelha da quarentena, decretada no feriado para todo o estado.

Comer, no apocalipse zumbi, é sempre uma aventura com dose extra de emoção. Costuma envolver saques a lojas abandonadas, esconde-esconde nos corredores de supermercados povoados por mortos-vivos. Nunca me arrisquei nessa modalidade esportiva, embora oportunidade não tenha faltado.

Moro há 20 anos em frente a um supermercado que só fecha um dia por ano –o 1º de janeiro. Houve ocasiões em que, tendo bebido tudo no 31, precisei cruzar a cidade em busca de cerveja para adormecer o tédio do dia morto. Era mais fácil descolar uma marreta para enfrentar cadeados e seguranças armados.

Desta vez fiz a ceia em casa, portanto tenho sobras. Mas o bicho pegou em outras eras, quando acordava de ressaca e faminto depois de ter passado a virada numa festa alheia.

Procurar restaurante no 1 do 1 era uma expedição. A Vila Madalena parecia o Mojave; os Jardins tinham a energia vital do interior das Antártida. Quando você finalmente encontrava um lugar aberto, rolava fila de espera –mesmo vazia, a cidade é cheia de gente que precisa se alimentar.

Claro que a zumbilândia não se restringe a São Paulo. O mundo inteiro se transforma em “Walking Dead” em datas assim. Eu, quando viajava para fora do país, era especialista em chegar ao destino em feriados que parecem abduzir toda a população.

Já pousei em Paris na segunda-feira de Páscoa, em Barcelona na tal da Segunda Páscoa catalã (em maio!) e em Londres no boxing day, um dia depois do Natal. Imagine a dureza que é arranjar comida com todas as biroscas fechadas, na Inglaterra.

Graças ao corona, em 2021 fomos poupados do safári cross-town em busca do primeiro almoço do ano. A frustração é todinha virtual, nos aplicativos de entrega.

Por curiosidade mórbida, resolvi zapear o Rappi e o iFood. Padaria, açaí, panificadora, padoca, rodízio japa xexelento, outro açaí. Velhoooooooo!! Neste momento tem alguém almoçando pão na chapa ou açaí com leite Ninho. Dá conforto saber que eu não sou essas pessoas.

O rally internético também revela lugares tradicionais paulistanos, casas antigas que eu não frequento nem sei por quê. E que abrem no Ano Novo, veja só.

Almanara, R$ 56,60 num arroz com lentilhas. Bolinha, feijoada individual por R$ 139,40. De repente, lembrei exatamente por que não vou mais a esses restaurantes. Alguém deveria avisar ao Lanches Estadão que não é razoável cobrar R$ 34,90 por um sanduíche de pernil de boteco de taxista.

Aliviado por escapar desses golpes na carteira, vou agora esquentar a ceia de ontem. E verificar a tranca da porta: não quero nenhum zumbi bicão para filar meu almoço.

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Fonte: Folha de S.Paulo