A seguir, lições que eu aprendi ou revisei na pandemia.

Cozinheiros são essenciais, chefs não são.

Cozinhar é essencial. Cozinhar bem é privilégio.

Comer é essencial, degustar é futilidade. Combinar é recomendável, harmonizar é para quem tem dinheiro de sobra no banco.

Ter companhia nas refeições é bacana na maioria das vezes. Mas dá para viver sem.

Restaurantes não são essenciais. Eu gostaria que fossem, mas não são. Bares são mais necessários. Não pela bebida, que vende em qualquer quitanda. Pelo social. E pelas frituras, que só funcionam fora de casa.

Bufê, rodízio, self-service, mesão comunitário, cozinha aberta e bisnaga de ketchup são coisas destinadas ao esquecimento.

Padaria não serve para grande coisa sem o pingado no balcão. O brasileiro já descobriu isso e passou a fazer o próprio pão.

Aliás, pão é essencial. Pão de farinha artesanal de moinho de pedra e levain, com fermentação lenta e sal fúcsia das Ilhas Roberto, não é.

Arroz é essencial. Arroz integral é melhor para quem está com prisão de ventre. Arroz carnaroli envelhecido por 7 anos é para quem quer jantar em 2013, quando não tinha Covid-19.

Farinha é essencial. Farinha dos ribeirinhos orgânicos do Médio Juruá é essencial para os amazônidas do Médio Juruá. Na rua Lorena, a 20 contos o quilo, é um insulto.

Açúcar é essencial. Doces também. Brigadeiria, sonheria, churreria, boleria, macarroneria, cupcakeria, brownieria, pudinharia e quindinzaria podem seguir o exemplo das paleterias mexicanas.

Carne, vá lá, é importante. Filé é luxo. Bife ancho é ostentação. Tomahawk de wagyu dry-aged resvala na babaquice. Eu disse resvala?

Tilápia, acém, carolina >>> saint peter, denver steak, choux cream.

Sal e óleo não são eternos. Alho e cebola nunca são o bastante. Abacate apodrece antes de amadurecer. Apalpar o melão na feira é crime hediondo.

Álcool é supérfluo. Depois de quatro semanas sem beber, estou quase convencido disso. Ter uma cachaça favorita –literal ou metafórica– é absolutamente vital.

Lavar louça é essencial. A natureza pode dar conta de secá-la no escorredor. Máquina de lavar louça, nada essencial, quebra um galho sobrenatural. Tenha uma, se puder pagar. Pague água e luz, também.

O micro-ondas é nosso amigo. A panela de pressão também.

Mesa, talheres, pratos, guardanapos: essenciais ou não? Há controvérsia.

Brigar pelo próprio feijão é justo. Arriscar a vida alheia para vender “experiência”, “conceito” e “proposta” mora no DNA do pulha homicida. Está no mindset do sociopata proto-capitalista.

Pedir comida virou questão de segurança. Miguelar a gorjeta do entregador sempre foi questão de mesquinhez.

Foodie, influencer, curador, tendências, nada disso vale uma pamonha.

Guloso, sempre. Glutão, OK. Gourmet é a senhora sua mãe, com todo respeito.

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Fonte: Folha de S.Paulo