STÉFANIE RIGAMONTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois do escândalo bilionário da Americanas no início deste ano, a maioria das empresas do varejo aumentou a transparência em seus balanços, especificando melhor as despesas que têm com o chamado risco sacado. No entanto, as companhias seguem reportando o dado dentro dos resultados operacionais, sem reconhecer esse mecanismo como uma dívida.

Risco sacado é um tipo de operação na qual a varejista consegue antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos. A instituição financeira, portanto, adianta o pagamento direto para o fornecedor e quem paga o banco é a varejista. O juro do empréstimo pode ser cobrado tanto do fornecedor como da varejista, dependendo de como a operação é estruturada.

Essa modalidade de pagamento a fornecedores está no centro da crise na Americanas, que reportou um buraco de R$ 20 bilhões em janeiro, e depois entrou em recuperação judicial declarando dívidas ainda maiores. Após o caso, companhias do setor mudaram a forma como reportam o dado em seus resultados trimestrais.

Segundo levantamento da consultoria empresarial americana FTI Consulting obtido com exclusividade pela Folha, das 10 empresas do varejo com capital aberto na Bolsa de Valores de São Paulo que têm perfil semelhante ao da Americanas, 7 aprimoraram a maneira de informar suas despesas com o risco sacado depois do escândalo.

As 3 empresas que não fizeram mudanças nessa parte do balanço é porque já possuíam formas mais transparentes de apresentação do dado.

O estudo comparou os resultados financeiros do terceiro trimestre de 2022, ou seja, divulgados antes do estouro da crise da Americanas, com os balanços do primeiro trimestre deste ano, portanto, depois do escândalo, das seguintes empresas: Magazine Luiza, Via, Natura, Lojas Renner, C&A, Guararapes, Marisa Lojas, Grupo Soma, Arezzo e Alpargatas.
Dessas, Guararapes, Arezzo e Alpargatas foram as que não modificaram a forma de reportar o risco sacado em seus balanços.

A Americanas ficou de fora do levantamento porque não tem reportado seus resultados financeiros desde a crise.
O estudo também mostrou que, embora as empresas tenham feito melhorias para ser mais transparentes com relação ao risco sacado, essa despesa ainda é reportada na parte operacional dos balanços, e não na financeira, dentro das dívidas.

Segundo o diretor executivo sênior da FTI Consulting, Luciano Lindemann, a orientação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) é para que as companhias insiram o risco sacado como uma dívida, dentro dos dados financeiros. Na prática, o risco sacado é uma operação que envolve bancos e que, portanto, têm taxas e riscos maiores do que uma simples despesa com fornecedores.
Acontece que, ao reportar risco sacado como despesa com fornecedor, a empresa consegue reduzir o seu endividamento.

RISCO SACADO E CASO AMERICANAS
O risco sacado esteve no olho do furacão que devastou a Americanas e balançou as ações de outras varejistas no início do ano.

No dia 11 de janeiro, o então diretor-presidente da companhia, Sergio Rial, divulgou “inconsistências” contábeis no valor de R$ 20 bilhões nos balanços da empresa. Após a denúncia, Rial renunciou ao cargo.

Essas inconsistências estavam justamente na forma de reportar despesas com o risco sacado.
O analista de investimentos Fernando Ferrer, da Empiricus Research, afirma que o risco sacado é um importante instrumento para o varejo, por meio do qual as empresas conseguem acesso a taxas mais baixas junto aos bancos para poder antecipar o pagamento aos fornecedores. No caso da Americanas, contudo, houve uma “prática contábil indevida”, segundo Ferrer.

Embora ainda estejam acontecendo investigações sobre o caso, já há algumas informações sobre essas “inconsistências” que afetaram a saúde financeira da empresa.
Segundo alguns especialistas consultados pela Folha, a Americanas, na triangulação com bancos, pedia aumento do prazo para o pagamento desses empréstimos, mas isso não era devidamente reportado.

Em vez de entrar como uma dívida, devido aos juros incidentes por um período mais longo, o dado simplesmente seria extraído do balanço com o aumento do prazo, inflando a lucratividade da empresa. Ou seja, a Americanas acabaria capitalizando suas dívidas.

MUDANÇAS NO MERCADO
Com a crise da Americanas, houve uma redução nos saldos das operações de risco sacado reportados por algumas empresas, conforme destaca o especialista em contabilidade Ítalo Borges, da BHub.

Segundo Borges, isso aconteceu porque, com a estouro do escândalo, houve um encarecimento dessa linha de crédito, com os bancos reduzindo drasticamente a exposição ao produto, o que gerou um efeito em cadeia em outras empresas do setor.
“Como destaques, a Ultrapar, controladora da rede dos postos Ipiranga, informou em seu release de resultados do primeiro trimestre de 2023 uma redução de quase R$ 1 bilhão nos saldos de risco sacados. Seguindo essa tendência, a Via, dona das Casas Bahia, também reportou uma redução de R$ 1,1 bilhão no mesmo período”, cita o especialista.

A expectativa é que, aos poucos, o mercado volte ao normal. Ainda assim, Ferrer vê uma mudança no médio e longo prazo, com os analistas e investidores agora mais atentos a esse dado, cobrando das empresas mais informações relacionadas ao risco sacado.

Além disso, Ferrer chama a atenção para o fato de que os bancos que estavam na lista de credores da Americanas foram prejudicados depois que a varejista entrou em recuperação judicial por conta da crise. Segundo o analista, agora as instituições financeiras estão menos complacentes com dados nebulosos sobre o risco sacado.

“Certeza de que uma crise dessa nunca mais vai acontecer é uma palavra forte. É difícil ter certeza. Mas, olhando pelo lado positivo, as pessoas passaram a ficar mais atentas. Então, há uma dificuldade maior para que se repita esse tipo de escândalo”, diz Ferrer.

Leia Também: Isenção para carros pode custar até R$ 990 mi, e governo discute compensação