Quando a atacante jamaicana Khadija Shaw pisar no gramado do estádio AAMI Park, em Melbourne, na Austrália, ela estará sonhando com feitos que antes pareciam impossíveis. O improvável, no entanto, não parece ser forte o suficiente contra a disposição de “Bunny” (coelhinha, em inglês), apelido pelo qual é conhecida. Afinal, jogar uma segunda edição de Copa do Mundo e vestir a camisa de um grande clube como o Manchester City, ela já conseguiu aos 26 anos.

A próxima meta? Após a seleção jamaicana empatar com a França e bater o Panamá no Mundial da Austrália e Nova Zelândia, a ambição é eliminar o Brasil nesta quarta de manhã (7h de Brasília) e conseguir trocar a camisa com Marta, sua maior referência no esporte. “No futebol são 11 contra 11. A Jamaica está preparada. Temos um time forte, no físico e na técnica e não temos medo: para nós, o céu é o limite”, afirma. Na partida decisiva contra a seleção brasileira, as jamaicanas jogam por um simples empate para se classificar para as oitavas de final. “Khadija é uma atacante completa e sabe marcar gols”, diz o técnico da seleção jamaicana Lorne Donaldson.

De acordo com o treinador, a excelente trajetória recente do futebol feminino jamaicano está ligada às atuações da atacante. Com 1,82 metro de altura, Khadija é forte para aguentar o tranco de zagueiras corpulentas, rápida para vencê-las no mano a mano e habilidosa para fazer gols. Marcou 55 em 39 jogos com a camisa da seleção. No Bordeaux, da França, construiu fama de artilheira implacável ao fazer 32 gols em 35 partidas. Já no Manchester City, onde atua desde 2021, fez 29 gols em 39 confrontos.

COLEGA DE ESCOLA DO VELOCISTA YOHAN BLAKE

Nascida em um bairro pobre de Spanish Town, cidade da Jamaica, Khadija poderia ter seguido a carreira musical ou a vida de atletismo. A cantora Grace Jones nasceu no mesmo local que ela e o velocista Yohan Blake, que disputou a Olimpíada de Londres-2012 e do Rio-2016, era seu colega de classe. A região é tomada por conflitos armados e tragédias são comuns: três dos irmãos de Khadija e um sobrinho morreram nestes confrontos entre facções. Na região carente e violenta, um dos poucos passatempos é o futebol, que é jogado nas ruas ou em campinhos precários.

“Como o futebol feminino ainda não era popular na minha cidade e não havia time para as mulheres, eu gostava de assistir aos jogos dos meninos”, disse em uma entrevista para o site da emissora britânica BBC. Um dia, Khadija tomou coragem e pediu aos garotos para jogar também. Para sua surpresa, e dos meninos envolvidos, descobriu que tinha talento com a bola nos pés.

Naquele tempo já era conhecida como “Bunny”. O apelido foi colocado pela mãe pelo fato de ela adorar comer cenouras. A mãe, dona de uma pequena granja, e seu pai, um sapateiro, não acharam a menor graça na história dela calçando chuteiras. “Eles falavam para mim que futebol não era um esporte para ser praticado por uma mulher e que aquilo não me levaria a lugar algum”, lembra.

Para continuar brincando com uma bola, Khadija fugia de casa e jogava escondida. “Eu costumava escapar logo depois que meus pais saíam para o trabalho e voltava antes de eles chegarem em casa”, diz. “Um dia meu pai veio, de surpresa, e eu tive de sair correndo do campo.” Ao ser chamada pela mãe para uma conversa sincera, elas chegaram a um acordo: se Khadija passasse nas provas da escola e continuasse com boas notas, receberia permissão para jogar futebol. A menina cumpriu sua parte no acordo, sendo aprovada em seus exames com mérito e, em troca, entrou de vez no mundo do futebol feminino.

Não demorou muito para ela se destacar e, em pouco tempo, Khadija foi chamada para integrar o time sub-13 de Spanish Town. Meses depois, foi convocada para fazer parte da seleção da Jamaica. Chamada regularmente para as seleções jamaicanas sub-13 e sub-15, ela passou a viajar para jogar campeonatos e amistosos fora de seu país. Em uma destas excursões, na Flórida, olheiros de times de escolas dos Estados Unidos ficaram impressionados com a habilidade e faro de gol da atacante jamaicana. Recebeu propostas de bolsas de estudos e aceitou a da Eastern Florida State.

Com fama de boa atacante, escolheu estudar jornalismo e comunicação e foi jogar futebol pelo time da Universidade do Tennessee. As convocações para a seleção de base se transformaram em chamados para a equipe principal e Khadija não decepcionou. Tornou-se a maior artilheira de todos os tempos das Reggae Girlz, apelido do time jamaicano feminino.

Sua fama cresceu ainda mais quando, com seus gols, a Jamaica se classificou para uma inédita Copa do Mundo, em 2019, na França. Antes, a única vez em que uma seleção do país tinha disputado um Mundial da Fifa tinha sido em 1998, com o time masculino.

Semanas antes do Mundial de 2019, ela fez um teste na equipe feminina do Bordeaux da França. Foi contratada. “Para uma jovem de 22 anos, como eu era na época, as Ligas Europeias eram melhores para desenvolver meu jogo em comparação à Liga Americana”, disse ao jornal jamaicano Jamaican Observer.

No Bordeaux, foi artilheira do Campeonato Francês na temporada 2020/2021. As proezas de Khadija chamaram a atenção do Manchester City. “Era impossível não prestar atenção em um dos maiores talentos do futebol feminino”, diz Gavin Makel, diretor-administrativo do clube inglês.

Leia Também: Pia mantém mistério sobre titularidade de Marta e técnico da Jamaica projeta pressão brasileira