O Atlético-MG informou nesta semana sua saída da Liga Forte Futebol (LFF) para fazer parte da Libra. No início do mês, Botafogo, Cruzeiro e Vasco fizeram um movimento em bloco: saíram da Libra para criar uma nova frente, o Grupo União, que se colocou como uma terceira opção. Essas mudanças recentes ocorrem em um cenário de discordância entre os dois grupos. Libra e LFF – e agora também Grupo União – nasceram com a ideia de criar uma Liga para organizar e gerir o Campeonato Brasileiro, tirando o produto das mãos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o colocando sob o controle dos clubes.

Ao longo do processo de negociação entre Libra e Liga Forte Futebol, houve divergências relacionadas à divisão de verbas, à quantia que cada equipe teria o direito de receber e ao processo de aprovação de temas em conselho. Hoje, a perspectiva inicial de criação da Liga está mais distante de sair do papel, com cada grupo, inclusive, se manifestando de maneiras diferentes sobre essa questão.

Na visão da Libra, na prática, haverá três grupos negociando seus direitos. Cada um vai no mercado para ver quem ganha mais. Por outro lado, Marcelo Paz, presidente do Fortaleza e ligado à LFF, enxerga que “não é possível cravar que eles serão somente dois blocos comerciais, apesar de esse ser o cenário do momento. À medida que haja a formalização desses dois blocos, o próximo passo pode ser a união, o que fortaleceria o produto e poderia partir, posteriormente, para a criação da Liga.”

Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo, entende ser “inconcebível que os clubes ainda não tenham chegado a um consenso para a formação da liga nacional. Essa é uma aspiração antiga de todos eles e agora que a possibilidade de isso ocorrer é real, sem oposição da CBF, os clubes não se entendem”.

QUEM ESTÁ EM CADA GRUPO?

A Libra é composta por 16 clubes, sendo nove deles da Série A e sete da Série B. São eles: Atlético-MG, Bahia, Corinthians, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, Red Bull Bragantino, Santos, São Paulo, Guarani, Ituano, Mirassol, Novorizontino, Ponte Preta, Sampaio Corrêa e Vitória.

Já na Liga Forte Futebol estão 25 equipes, oito da elite do futebol brasileiro e mais 17 da segunda divisão: Athletico-PR, América-MG, Coritiba, Cuiabá, Fluminense, Fortaleza, Goiás, Internacional, ABC, Atlético-GO, Avaí, Brusque, Chapecoense, Ceará, Criciúma, CRB, CSA, Figueirense, Juventude, Londrina, Náutico, Operário-PR, Sport, Vila Nova e Tombense.

Há ainda um terceiro grupo que foi criado no último dia 6 de julho por Botafogo, Coritiba, Cruzeiro e Vasco. Antes da oficialização dessa frente, chamada de Grupo União, Botafogo, Cruzeiro e Vasco faziam parte da Libra, mas deixaram o bloco por divergências relacionadas ao aporte de investidores, divisão de verbas e lógicas de votação. O Coritiba aderiu ao Grupo União, mas não abandonou a LFF.

COMO CADA GRUPO ENXERGA A CRIAÇÃO DA LIGA?

Para a Libra, no momento a liga não está mais sendo debatida. Essa ideia se tornou utópica, porque, na prática, os clubes não chegaram a um acordo. A frente entende que deve se comportar como um bloco de negociação em conjunto de direitos de televisão. Ou seja, os 16 clubes que compõem a Libra vão atuar como uma entidade única no acordo dos direitos comerciais relativos aos jogos do Campeonato Brasileiro.

A LFF, por outro lado, está disposta a manter as tratativas para a criação de uma liga, mas entende que não há correspondência pelo lado da Libra. Caso não seja bem-sucedida em sua tentativa de aglutinar os clubes, a Liga Forte Futebol também passará a atuar como um bloco de negociação dos direitos comerciais.

O Grupo União nasceu em um cenário de relação estremecida entre Libra e LFF, colocando-se como uma espécie de “terceira via” nas tratativas entre os blocos. No manifesto de sua criação, o grupo deixa claro que acredita na criação da liga e estabelece princípios para seu desenvolvimento. Entre eles estão a governança exclusiva dos clubes, implementação de critérios de Fair Play Financeiro, e a venda dos direitos comerciais com a avaliação adequada de seu valor.

QUAIS SÃO AS DIVERGÊNCIAS?

Os dois grupos discordam em relação à diferença do valor recebido entre o clube de maior e o de menor receita. Para a LFF, essa disparidade seria de, no máximo, 3,5 vezes. Já a Libra trabalhava com uma diferença de 3,9 vezes, que poderia chegar a um mínimo de 3,3 vezes.

A Liga Forte entende que a Libra contribui para aumentar o abismo financeiro entre os clubes ao garantir que, no próximo contrato, os valores recebidos de cotas de televisão e pay-per-view nos acordos atuais fossem mantidos, o que ficou conhecido como “garantia mínima”.

Para a LFF, ainda que todas as equipes contem com esse benefício, ele contribui para que os clubes de maior receita tenham um poder financeiro muito superior aos outros. A Libra, por sua vez, afirma que, ao propor a extensão da “garantia mínima” para todos os membros, supera esse ponto.

Outro conflito entre as duas frentes é em relação ao número de votos para aprovação de matérias em conselho, como mudanças na divisão de receitas. No modelo proposto pela Libra, seria necessária unanimidade entre os membros para que qualquer discussão fosse sancionada, o que, para a LFF, vai de encontro ao feito nas principais ligas do mundo.

A Liga Forte trabalha com o mínimo de dois terços dos votos para que qualquer pauta seja aprovada pelos membros.

Marcelo Paz, presidente do Fortaleza, clube que é parte da LFF, afirma que “a iniciativa tem dificuldade de ir para frente porque está se discutindo algo muito grande, o futuro dos direitos de transmissão do futebol brasileiro pelos próximos 50 anos” e que, por isso essa “é uma discussão que tem que ser ampla”.

QUEM SÃO OS INVESTIDORES?

Os 15 clubes da Libra assinaram um acordo com a Mubadala Capital, um fundo de investimento dos Emirados Árabes Unidos cujo acionista majoritário é o governo do país. O contrato entre as agremiações e o fundo prevê que o bloco acessará o mercado de venda de direitos de televisão exclusivamente por meio da Mubadala.

Os membros da Libra ainda têm a possibilidade de receber um valor antecipado do grupo árabe em troca de 12,5% de sua fatia nos direitos comerciais – que ainda serão negociados – pelos próximos 50 anos. A Libra afirma, porém, que os clubes podem escolher se querem aderir ou não a essa modalidade. Os que optarem por não receber dinheiro nenhum agora não terão que ceder 12,5% da quantia anual a que têm direito à Mubadala.

Há estimativas feitas pela Libra de quanto cada clube pode receber de adiantamento caso escolha pedi-lo. O grupo alerta, porém, que esses valores podem mudar de acordo com o número de propriedades que entrarão no negócio, como direitos de televisão e placas de publicidade.

A LFF e o Grupo União firmaram outro acordo, com o grupo Serengeti Asset Management, que atua em conjunto com a Life Capital Partners (LCP). O contrato assinado entre as partes prevê dois valores diferentes para a negociação dos direitos comerciais: R$ 4,85 bilhões para o cenário em que a liga conte com todos os 40 clubes das Séries A e B e outro de R$ 2,7 bilhões para caso o projeto não saia do papel e os investidores se relacionem apenas com as agremiações que compõem Liga Forte Futebol e Grupo União.

No acordo com a Serengeti/LCP, os clubes recebem uma quantia adiantada em troca da concessão de 20% dos direitos comerciais a que têm direito pelos próximos 50 anos. O pagamento seria realizado por meio da XP Investimentos, que intermediou o contato entre a Liga Forte e os investidores.

Diferentemente da resolução entre Libra e Mubadala, a definição da LFF e do Grupo União não permite aos clubes decidirem se querem ou não ceder a porcentagem dos direitos comerciais aos investidores em troca de uma verba adiantada.

Além do contrato com a Serengeti/LCP, o Grupo União ainda entrou em acordo com a empresa Brax Sports Assets para a comercialização das placas de publicidade nas partidas do Campeonato Brasileiro a partir de 2025. A princípio, o vínculo vai até 2029.

Para Armênio Neto, especialista em negócios do esporte, “esse cenário de dois blocos independentes já existiu nas recentes negociações de direitos de transmissão em TV fechada e o que se viu foi dinheiro imediato na mesa e nenhuma evolução no produto depois. É legítimo que os clubes tenham divergências e busquem seus interesses, mas o entendimento e a consistência do produto devem ser colocados à frente da conveniência de ter dinheiro à vista para reforçar o time na próxima janela”.

QUAL O IMPACTO NAS TRANSMISSÕES?

Cada grupo vender separadamente suas próprias cotas de transmissão pode fazer com que o campeonato tenha diferentes emissoras de televisão ou empresas de streaming como detentoras de direito.

Com a promulgação da Lei do Mandante em 2021, durante o governo Jair Bolsonaro, o direito de arena das partidas passou a ser exclusivamente da equipe que joga em casa. No cenário atual, com a Libra tendo nove clubes na Série A e a junção da Liga Forte Futebol com o Grupo União englobando 11 equipes, cada uma dessas frentes poderá negociar apenas os direitos comerciais das partidas em que seus clubes membros forem mandantes.

No modelo planejado de liga, englobando os 40 clubes da primeira e segunda divisões, haveria um acordo em conjunto para a venda de direitos comerciais. No contexto que se desenha agora, a LFF e o Grupo União negociariam, por meio da Serengeti/LCP, as cotas comerciais referentes a 209 partidas e a Libra acordaria com a Mubadala os direitos de 171 duelos.

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