LUANA CARVALHO
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Horas antes de ser intubada por complicações causadas pela Covid-19, a cantora amazonense Eva Rodrigues, 40, escreveu uma carta para seu marido, Sol Petrus Praia, 24, na qual expunha os seus medos: “Orem para que Deus me cure imediatamente”, foi a última frase que ela conseguiu escrever.

Desde então foram 16 dias de intubação, seguidos de uma série de complicações que resultaram em uma traqueostomia, duas paradas cardíacas, 20% dos pulmões retirados e uma série de infecções.

Neste domingo (7), Eva completa 400 dias internada por sequelas da Covid-19 e se prepara para finalmente ter alta do Hospital Samel, em Manaus, onde passou os últimos 13 meses.

Ela chegou ao hospital em 3 de janeiro de 2021, contaminada em meio à segunda onda de casos de Covid-19 que deixou marcas profundas no Amazonas, incluindo mortes por falta de oxigênio nos hospitais.

Ao chegar ao hospital, Eva estava grávida de seu terceiro filho, Ethan, que acabou nascendo logo no primeiro dia da internação em uma cesárea de emergência, quando a mãe completava 38 semanas de gravidez.

Dadas as circunstâncias, o pequeno Ethan não sentiu o calor da mãe e nem foi amamentado com leite materno. Coube ao pai, Sol Petrus, acompanhar o filho na maternidade pública Ana Braga.

Devido à falta de estrutura do local, Sol montou uma força-tarefa e com ajuda de seus chefes e amigos conseguiu transferir Eva para a UTI de uma unidade particular, onde ela permanece internada.

“Não imaginávamos que a internação fosse durar tanto tempo. Até mesmo porque, naquele período, ou os pacientes se curavam ou logo morriam”, relembra Sol, enquanto ouvia uma das composições de Eva. O casal tocava em igrejas, eventos e dava aulas de canto e instrumentos.

Acostumado a ouvir a voz da mulher entoando louvores desde 2017 – ano em que se conheceram e começaram a namorar – o músico precisou conviver com os sons dos aparelhos de uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), para onde Eva foi levada no dia 7 de janeiro.

Ele estava cursando engenharia elétrica, dava aulas de violão na igreja evangélica que frequentava com Eva e era estagiário em uma fábrica do Polo Industrial de Manaus. Junto a isso, também passou a dedicar aos cuidados com a mulher e com o recém-nascido.

“Nem em meus piores pesadelos imaginava passar pelo que passei e ainda passo. Nós tínhamos uma rotina, fazíamos tudo juntos e assim eu queria permanecer para sempre. Mas aí aconteceu essa tragédia em nossas vidas. É muito doloroso ver meu filho se desenvolvendo sem a presença da mãe”, diz.

Pai de primeira viagem, o músico precisou aprender tudo sobre bebês. É ele quem leva Ethan para as consultas pediátricas, para tomar vacinas, e é quem prepara as mamadeiras do filho.

“Eva é mãezona, já tinha um casal de filhos, o Noah e a Yvilah. No início não foi fácil, passamos por dificuldades e enfrentamos preconceitos pela diferença de idade e por ela já ter dois filhos. Mas nós nos casamos, fomos morar todos juntos e planejamos o Ethan”, conta.

No quarto, fotos do casal decoram as prateleiras. Embora Ethan, o filho mais novo, não tenha contato com a mãe, Sol diz que não deixa que o bebê esqueça dela um dia sequer. “Eu mostro as fotos e ele já aprendeu a falar ‘mamãe’. Ele não deve entender o que ela representa para ele, mas ele sabe que ela é a mãe dele”.

Entre noites dormidas no hospital, trabalho e o filho que recentemente completou um ano, o músico conseguiu concluir a faculdade em dezembro do ano passado e foi contratado pela empresa onde estagiava.

Além de cantora e compositora, Eva cursava jornalismo e gostava de escrever. Foi na UTI, sem contato com a família, que ela pediu uma caneta e um papel para se comunicar com o marido. “Estou em um estado de nervos, nem com sedativos consegui dormir. Bem à minha frente, a mesma mulher já morreu três vezes”, relatou em um trecho da carta.

Um dos desejos de Sol também é fazer com que o talento da mulher seja reconhecido: “Quando o quadro da Eva ficou controlado, comecei a olhar nossas composições, a assistir os vídeos que gravamos e a alimentar nosso canal. Eva era uma mulher de muita fé e passou a vida ensinando a cantar. Ela passou a vida sendo criativa e talentosa. Eu não posso deixar isso morrer.”

Em meio a tantos procedimentos, duas paradas cardíacas e inúmeras convulsões, Sol diz que não perdeu a esperança de tirar a esposa do hospital com vida. Quando Eva completou cinco meses de internação, os médicos falaram sobre a possibilidade de tratamento paliativo em casa.

Os amigos fizeram uma vaquinha para reformar a residência da família. Com o dinheiro arrecadado, o músico refez toda a parte elétrica, adaptou o banheiro, conseguiu comprar nobreaks, bipap e uma cama hospitalar articulada.

Na última quarta-feira (2), Eva saiu da UTI e foi transferida para um apartamento do hospital, para o que a equipe médica chama de período de adaptação. A previsão é que ela vá para casa ainda em fevereiro.

A coordenadora da UTI do Hospital Samel, Dirce Costa, explica que a paciente conviveu durante oito meses com infecções causadas por bactérias pseudomonas, adquirida ainda na maternidade.

“Tentamos por meses combinações de antibióticos e nada funcionava. Até que chegou uma medicação nova do exterior e conseguimos controlar. Hoje, Eva não tem mais infecção, ficou com sequelas pulmonares e neurológicas, mas está pronta para ir para casa”, afirma.
O desafio para a família agora será manter a estrutura tanto de pessoal, quanto de material que Eva tem disponível no hospital. Mas, assim como Sol, a especialista acredita que após a alta, a recuperação neurológica de Eva acontecerá de forma rápida.

“Ela está consciente. Ela chora quando o marido precisa ir embora. Vira o rosto para não o ver saindo. Acreditamos que voltando a ter convivência com a família, o que for possível de ser recuperado na saúde dela será de maneira mais fácil e acelerada, pois é uma paciente jovem.”

Para a médica, o que manteve Eva resistente durante este tempo foi a persistência e o amor da família. No Natal de 2021, Sol conseguiu autorização e levou o pequeno Ethan para visitar a mãe.

“Eles querem ela de qualquer jeito. Nossa UTI é humanizada e não teve um dia que eles não estivessem com ela. Nunca desistiram. Mesmo quando nós, médicos, dávamos os boletins negativos, eles não perdiam a fé e nem a esperança. Agora chegou o momento de Eva ir para casa.”