SAMUEL FERNANDES E CRISTIANO MARTINS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Já faz quase um ano que Cristiane de Souza Geraldo, 53, recebeu sua dose mais recente da vacina contra a Covid-19, em julho de 2022. Aquela foi sua quarta aplicação: as duas primeiras foram em maio e agosto de 2021, além da terceira em janeiro de 2022.

Moradora da cidade de São Paulo, Cristiane poderia ter tomado uma quinta dose a partir de 26 de abril deste ano. Nessa data, a prefeitura da capital paulista liberou a dose de reforço com a vacina bivalente para aqueles com mais de Mas Cristiane ainda não procurou um posto de saúde para isso. Segundo ela, uma das possíveis explicações é “por acreditar que já estou bem imunizada ou por falta de incentivo”. Também afirma que falta uma melhor comunicação sobre o imunizante. “Eu mesma não tomei e não fui atrás de mais informações.”

O caso de Cristiane não é uma exceção. A filha dela, Amanda Tescari Medeiros, 24, tem três doses da vacina contra a Covid, porém ainda não buscou o modelo atualizado. Ela poderia ter tomado o novo reforço desde 6 de maio, quando o imunizante extra foi liberado para todos os adultos em São Paulo.

De forma parecida com sua mãe, Amanda diz que a divulgação sobre a bivalente está aquém do que foi realizado anteriormente. Para ela, a comunicação sobre a primeira dose e a segunda, por exemplo, foi melhor. “Acho que isso faz com que a adesão da vacina [bivalente] seja menor também.”

Dados de todo o Brasil atestam que a procura realmente está baixa. Desde 24 de abril, o Ministério da Saúde liberou a vacina bivalente para todos aqueles com mais de 18 anos e deixou que cada governo local decidisse a disponibilidade da dose. Até agora, somente 13% do público elegível no Brasil se preocupou em tomar a nova dose, com cobertura especialmente baixa entre os mais jovens.

O reforço é disponibilizado para qualquer adulto que tenha tomado duas ou mais doses da vacina monovalente, aquela aplicada desde o início da pandemia. Somado a isso, é necessário que a última aplicação tenha ocorrido há no mínimo quatro meses.

O modelo atualizado é fabricado pela Pfizer. Ela é composta da cepa original do Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, identificada inicialmente em Wuhan, na China. Além dessa, o fármaco conta com subvariantes da ômicron, o que confere maior proteção, já que são cepas responsáveis por muitos casos atualmente.

Por isso, especialistas defendem a importância de atualizar o esquema de vacinação com o modelo atualizado. “É muito nocivo que a procura para vacinação bivalente esteja ainda tão baixa no Brasil, uma vez que tem surgido estudos mostrando que a proteção adicional que se obtém contra as novas variantes que circula é muito alta”, afirma Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia.

Eder Gatti Fernandes, diretor do departamento de imunização e doenças imunopreveníveis do Ministério da Saúde, reitera que o problema é de aderência à vacina, e não de falta de doses. Segundo ele, a pasta cumpre com “a obrigação de garantir que tenha vacina para todos”.

O interesse mais baixo ao imunizante tem várias explicações. Uma delas é a disseminação de fake news, que abala a confiança na vacina. Outra razão é a queda da sensação de risco. Quanto mais a população foi vacinada, menos fatalidades por Covid-19 foram sendo registradas e, então, o medo diminuiu. Isso foi visto mesmo durante o período em que o reforço era feito com o modelo monovalente, com média diária de doses mais baixa em comparação às primeiras aplicações.

“A cobertura vai diminuindo em uma fadiga da própria comunicação e com o controle de uma doença que já não amedronta mais tanto como fez no passado”, afirma Renato Kfouri, vice-presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações).

Para ele, no entanto, continua de suma importância manter a imunização atualizada. Afinal, foi principalmente graças à vacina que a doença chegou a esse nível reduzido. “As recomendações de ter seus esquemas vacinais básicos completos continuam valendo.”

Para que a baixa procura seja contornada, Fernandes afirma que o Ministério da Saúde toma medidas. O lançamento do movimento nacional pela vacinação tenta aumentar a conscientização e mobilizar pessoas e entidades de toda a sociedade em prol da causa. Ações também estão sendo tomadas contra disseminação de notícias falsas, além da adoção de uma postura pró-imunização do governo federal: a vacinação do presidente Lula (PT) com o reforço bivalente é um exemplo.

Vacinação em crianças está mais baixa
O problema da cobertura vacinal é ainda mais crítica entre as crianças de 6 meses a 4 anos. Nessa idade, o esquema mais recomendado é com três doses do modelo da Pfizer para esse público. Por enquanto, 1,4% alcançou o esquema completo. “Ela não é de três doses à toa, ela é calculada para ser assim”, afirma Dalcolmo.
Para aquelas entre 3 e 4 anos, também há a possibilidade da vacinação com duas doses da Coronavac, com a recomendação de uma terceira dose de reforço. Para esse esquema, a aplicação adicional é quase nula em todo o país, considerando a população elegível.
Marcelo Otsuka, vice-presidente do departamento de infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), afirma que é essencial vacinar os pequenos. “Nós nunca sabemos se haverá novas mutações e como que o vírus vai se comportar.”
De forma parecida, as fake news afetaram muito a confiança na vacina infantil. Mas, para Otsuka, a desinformação teve um malefício ainda maior para crianças, já que os pais são os responsáveis por levá-las aos postos e vários deles ficaram com receios de imunizar seus filhos. Fernandes, do Ministério da Saúde, reitera o ponto. “A criança não decide por sua vacinação. Isso depende dos pais.”
O técnico do ministério também afirma que um problema foi o atraso no início da vacinação entre os mais jovens. A recomendação do fármaco para todo o público da faixa etária entre 6 meses e 4 anos só ocorreu em 27 de dezembro de 2022. “Era um momento em que a percepção da doença já era outra. Já tinha passado aquele momento de UTIs lotadas e de isolamento social.”
Em um cenário assim, a comunicação para conscientizar os pais precisa ser eficiente. Otsuka, no entanto, diz acreditar que o ministério ainda patina nesse quesito, com pouco uso das mídias sociais para emitir alertas em prol da imunização. “Nós precisamos mudar a tática.”
Colaborou Nicholas Pretto

Leia Também: Pai atira no filho após discussão por roteador de internet em MG