MARIANA ZYLBERKAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) avaliou ao menos dois novos locais para fixar a cracolândia no centro de São Paulo nas últimas semanas. Ainda não há nenhuma decisão oficial sobre o assunto.

Além da ponte Governador Orestes Quércia, conhecida como Estaiadinha, no Bom Retiro, para onde a aglomeração de usuários foi escoltada há uma semana, a gestão municipal cogitou a rua Porto Seguro, no bairro Ponte Pequena, como novo endereço da cracolândia. Os dois locais também ficam na região central da cidade.

A via, uma travessa da avenida Cruzeiro do Sul próximo ao acesso para a marginal Tietê, está localizada em meio a uma série de equipamentos de assistência social do município e quase nenhuma residência ou comércio.

O ponto, porém, foi desconsiderado após autoridades policiais concluírem que o trecho não seria suficiente para receber as cerca de mil pessoas que frequentam a cracolândia diariamente. Desde abril, quando a contagem de frequentadores do fluxo passou a ser divulgada pela secretaria de Segurança Pública, houve aumento de cerca de 300 novos frequentadores.

A maior alta se deu em relação ao período da manhã. Na primeira semana de abril, foi registrada média de 876 pessoas no fluxo, forma como a aglomeração de dependentes químicos é conhecida. Contagem mais recente, da primeira semana de julho, chegou a 1.286 indivíduos.

Para o presquisador Aluizio Marino, que cooordena o LabCidade da USP, as tentativas de remover a cracolândia representam uma política fracassada para lidar com o assunto. “É uma antipolítica que desconsidera qualquer direito humano, não só das pessoas que estão na rua, mas da cidade como um todo”, diz. “A cracolândia é o resultado de um projeto de cidade que gera sofrimento”.

A estratégia de encontrar um novo lugar para a cracolândia representa uma mudança na política municipal vigente há mais de um ano, quando uma operação policial na praça Princesa Isabel dispersou o fluxo de usuários de drogas pelas ruas do centro. A partir disso, o norte da prefeitura foi defender a dispersão em vez da concentração como melhor cenário para lidar com a questão.

O argumento sempre foi de que grupos menores e dispersos dificultavam a ação dos traficantes, o que facilitava o acesso das equipes de assistência social e de saúde aos usuários de drogas para prestar atendimento na rua e convencê-los a buscar tratamento.

O efeito colateral, porém, foi a ampliação do perímetro da cidade afetado pelo problema social antes restrito aos arredores da praça Julio Prestes, endereço da cracolândia por mais de 30 anos.

A mudança coincidiu com a troca do comando da secretaria responsável pela cracolândia há cerca de um mês, quando Edsom Ortega foi nomeado como responsável pela gestão de segurança urbana e de zeladoria do local. O então secretário de Projetos Especiais Alexis Vargas pediu exoneração poucos dias depois.

Ex-secretário de Segurança Urbana na gestão de Gilberto Kassab (PSD) Ortega é considerado um defensor de uma linha mais dura para lidar com a cracolândia. Isso porque em 2012, ao assumir o cargo, ele disse que iria “enquadrar administrativa e criminalmente” as 48 entidades que distribuíam refeições a sem-teto em vias públicas da cidade.

A intenção, segundo ele, era atrair os moradores em situação de rua para os abrigos municipais diante da falta de alimentação.
Uma das principais motivações de Nunes para encontrar um novo ponto único para os usuários de drogas do centro é o impacto político causado pelas reclamações de comerciantes e moradores do centro, que lidam desde maio do ano passado com a dispersão da cracolândia. A rotina alterada pela nova realidade mobilizou vizinhos a organizar protestos e registros de reclamações em massa nos canais de atendimento municipais e policiais.

O prefeito tem aparecido com mais frequência em propagandas políticas de seu partido, o MDB, na tentativa de se tornar mais conhecido da população em geral para disputar a reeleição no próximo ano. “As pessoas não aguentam mais o fluxo na porta de suas casas. A corda estourou”, diz Marino.

Apesar das tratativas internas para viabilizar a retirada da cracolândia da Santa Ifigênia, Nunes negou qualquer movimentação de sua gestão nesse sentido. Segundo ele, a caminhada do fluxo até o viaduto Estaiadinha no último sábado (8) foi uma dinâmica própria dos usuários, sem participação do poder público.

A declaração foi dada um dia antes de uma nova operação policial ser deflagrada nas ruas do centro. A ação aconteceu após um grupo de usuários depredar um carro da Polícia Militar, um ônibus e um caminhão de bebida na região. Os ataques ocorreram na praça Julio de Mesquita, a poucos metros da cracolândia.

Entre as alternativas propostas pelo coordenador da LabCidade para o problema que afeta a capital há mais de três décadas está a criação de uma cena segura de uso, um espaço na cidade dedicado aos usuários de drogas em situação de rua. Segundo ele, essa é uma realidade já vigente na capital atualmente.
“Não é transformar a cidade em um cenário irrestrito de uso de drogas, mas disponibilizar estrutura ampla de assistência social, saúde e moradia aos dependentes. Ou se trabalha isso a longo prazo ou vai ficar nesse ciclo eterno de violência e conflito”, diz Marino.

Procurada, a prefeitura não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre as tentativas de mudança da cracolândia.

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