TATIANA CAVALCANTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores cariocas da Universidade Federal do Rio de Janeiro desenvolveram um kit Cannabis capaz de diferenciar a maconha ilícita da cânabis terapêutica. O modelo já está em uso pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Em um pequeno tubo de plástico, coloca-se o material a ser analisado e pingam-se algumas gotas de reagentes. De acordo com os inventores, caso a mostra fique azul, em meio minuto, trata-se de droga ilegal, rica em THC (tetraidrocanabinol). Após um período de 5 a 7 minutos no reagente, se a mostra ficar violeta, trata-se de medicação à base de CBD (canabidiol).

O kit foi desenvolvido numa parceria entre a UFRJ e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). A iniciativa foi pensada para combater fraudes em terapias à base de CBD e para identificar instantaneamente a droga ilícita, de acordo com Cláudio Cerqueira, professor do Instituto de Química UFRJ e coordenador do Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos da universidade.

“Com a proibição da maconha, a pessoa que depende da medicação à base de canabidiol só tem a opção de importar o remédio, que vai para sua casa sem passar por uma análise. Um dos objetivos desse kit é proporcionar segurança terapêutica”, afirma Cerqueira.

O professor lembra que o canabidiol, presente na medicação, pode trazer benefícios ao tratamento de pacientes com doenças neurológicas como mal de Parkinson, mal de Alzheimer, esclerose múltipla, convulsões, fobias e intensa ansiedade, entre outros.

O pesquisador sênior da Fiocruz André Luís Mazzei, que faz parte da equipe de pesquisadores, afirma que o kit vai ser barato e acessível. Ele destaca que o teste poderá ser realizado em aeroportos, por cuidadores de idosos, por médicos e pelos próprios pacientes em domicílio.

“Nossa ideia, também, foi fazer um ensaio de campo e de triagem para ver se o paciente estava realmente tomando o CDB. A cânabis medicinal não pode ter [concentração de] THC [maior que 0,3%], é fraude. Isso é um direito do consumidor”, diz Mazzei.

Há três anos, o motorista Ricardo Nogara, 54, fornece medicamentos à base de canabidiol para o filho Enzo, 5, aprovados pena Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sendo um deles importado dos Estados Unidos. Antes dessa terapia, o garoto sofria 20 convulsões por dia.

Apesar de confiar na medicação, especialmente pelos bons resultados, Nogara afirma não ter certeza do que vem na composição ou se a concentração está correta. “A gente só sabe que é diluído em óleo. Eu me sentiria mais seguro tendo uma forma prática de testar os remédios que eu dou para meu filho.”

Segundo a Anvisa, há duas formas de acesso ao CBD no país: a compra de um produto autorizado em farmácia e drogaria ou a importação para uso excepcional. São 20 produtos autorizados que podem ser comercializados no Brasil, diz a agência.

O professor Cerqueira lembra a vantagem do modelo para identificar rapidamente a cânabis ilegal. “Teve gente que falou que eu queria fazer uma guerra contra as drogas, mas na verdade, fiz um kit também para atender ao local de crime e ajudar os cientistas forenses.”

O professor destaca ainda a praticidade. “Vai ser fácil para o perito fazer o teste. Poderá ser feito também por um agente da investigação. Quanto mais você facilita para as pessoas no local do delito, mais rápida é a resposta e a solução do crime.”

Denise Pires de Carvalho, reitora da UFRJ comemora o feito. “Se houver dúvida sobre a composição, pode usar o kit para saber se é Cannabis terapêutica ou maconha, que é ilícita no país. Somos os únicos no Brasil a produzir esse reagente. É uma inovação tecnológica realizada por cientistas na nossa universidade e que vai beneficiar nossa sociedade. “

O kit DLM Cannabis, como é chamado, foi inspirado no teste Duquenois-Levine, já aplicado em cocaína, com a diferença que o teste brasileiro incorporou a cor violeta. O tempo do teste também passa a ser uma evidência.

Já existem kits semelhantes no exterior, mas com valores elevados e com reagentes que evaporam em temperatura acima de 19º C, o que impossibilitaria o uso em ambientes externos no Brasil. O modelo nacional tem componentes que permitem a ebulição a 120º C.

“Se adapta ao calor de altas temperaturas do Rio ou de qualquer cidade de um país tropical”, afirma Mazzei.

O protótipo carioca será patenteado pela UFRJ e Fiocruz. O valor da unidade ainda não foi estabelecido, mas o modelo está em negociação para ser comercializado.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro investiu R$ 248 mil em protótipos da equipe da UFRJ que, além do kit Cannabis, também já produziu materiais para detecção de sangue, cocaína e até um marcador fluorescente para proteger mulheres sob medidas protetivas.

Cerqueira revela que quando criou o kit, seus pais já haviam sofrido as consequências do mal de Alzheimer. “Se eu tiver a doença também, quero ser tratado com cânabis medicinal. Esse kit pode viabilizar o tratamento de tantas outras pessoas.”

Procurada, a Polícia Civil do Rio de Janeiro confirmou que está na fase inicial de utilização do kit Cannabis, mas que indicará um porta-voz para comentar só após usar o material por mais tempo.