Estamos propondo a criação das zonas francas de produção nas favelas brasileiras. A ideia é que empresas que invistam em bases de negócios nessas regiões e contratem mão de obra local tenham isenção total de impostos. O empresário brasileiro, que costuma ser maltratado, precisa de incentivos fiscais em qualquer ambiente, mas, em espaços considerados hostis, essa base para o fomento é fundamental.

Naturalmente, o exemplo de Manaus vem à tona, mas iniciativas como os projetos de recuperação das hub zones nos Estados Unidos no pós-guerra e as vilas de ofício, de Jaime Lerner, em Curitiba, inspiram e mostram que a proposta, que também tem viés urbanístico, é palpável. As construções para instalação de novas empresas dentro de um contexto de vivência de bairro, com praças e lugares de convivência em localidades que vivem na informalidade quase absoluta e com urbanização caótica. Tais características sempre dificultaram a entrada do Estado e tal ausência, em parte, gerou o quadro paragovernamental que vemos hoje. Por que não dar tax free aos empresários?

Não se trata de panaceia, mas haverá mudança de eixo. Os recursos da iniciativa privada, geralmente distantes, passariam a entrar nas favelas, impactando a vida do morador, que poderá ter capacitação e novos empregos. Federações, entidades empresariais e grandes empresários, como Roberto Medina, podem contribuir, e o projeto deve contar com a força do Sebrae e todo Sistema S, com sua expertise em micro e pequenas empresas.

O empresário ganha, com menos tributos e custos, como com o deslocamento, já que o trabalhador mora no local. Vislumbre uma indústria têxtil ou um call center com mil funcionários. Os moradores, em sua maioria mulheres, ficam na comunidade, estarão empregados e não precisam mais de quatro conduções para chegar ao trabalho. Com isso, até o trânsito da cidade pode ser atenuado. É preciso dividir a conta para multiplicar os ganhos.

O caráter da iniciativa não é apenas econômico, mas também social. Produções em escala incluem grande número de mulheres. Outra vantagem, já que irmãs, filhas e mães de jovens das favelas, justamente os mais aliciados pelo tráfico, passam a ser mais presentes no dia a dia familiar. Em vez de “servir ao asfalto”, passam a servir à comunidade de forma integral, gerando mais coesão social, participação e cuidado. Mães presentes com renda própria e dignidade têm poderes que podem mudar o destino de uma geração. Um policial, um político ou ativista social tem menos chance de fazer um jovem largar um fuzil do que a própria mãe.

É preciso desmistificar a palavra favela. O dicionário define como “conjunto de moradias populares que, construídas com a utilização de materiais diversos, se localizam nas encostas dos morros”. Ponto. Chamá-la de comunidade não resolveu problema nem dos moradores. É apenas mais um balbucio dos politicamente corretos. 

O mesmo dicionário disserta sobre comunidade como “agrupamento social que se caracteriza por acentuada coesão baseada no consenso espontâneo dos indivíduos que o constituem. Estado do que é comum; paridade; comunhão, identidade”. Me parece até paradoxal usar tal palavra para definir uma favela. É como jogar poeira para debaixo do tapete. Ou um sopro, após um beliscão.

Propomos novo projeto que valorize aquilo que as favelas têm de melhor: seu povo. Uma população que é, em sua esmagadora maioria, gente honesta que sonha emergir de forma correta e salutar, por meio de trabalho e esforço próprios.

O Rio serve de exemplo, pois o crescimento caótico das favelas e o abismo social ladeado ao convívio diário e a guerra velada entre o morro e o asfalto são mais explícitos. Mas esse projeto pode ser replicado em todas as grandes cidades brasileiras, que encontram problemas congêneres em suas periferias, como no caso da capital federal. Em vez da Rocinha e do Vidigal, estaremos falando da Estrutural e Itapoã.

O cerne é que as favelas possam ter no seu tecido social a centralidade produtiva. Isenção tributária pode proporcionar isso. Que as favelas brasileiras se tornem novas Hong Kong. Em um de seus livros, Robert Bateman lembra que Nápoles é maior exportador de luvas da Europa, mesmo sem ter nenhuma fábrica do acessório. A favela passaria a viver um movimento em que deixaria de ser tributária do asfalto para se tornar protagonista de sua produção. Os moradores merecem essa chance.

Presidente da Embratur, Vinicius Lummertz

Fonte: Embratur