Lojas fechadas e restritas em Xangai, 15 de março de 2022. (Xinmei Liu/The New York Times)

© Distributed by The New York Times Licensing Group Lojas fechadas e restritas em Xangai, 15 de março de 2022. (Xinmei Liu/The New York Times)

Quatro anos atrás, muitos jovens chineses gostavam de usar a hashtag #AmazingChina. Há dois anos, diziam que a China era o aluno nota dez no controle da pandemia e instaram o resto do mundo, especialmente os Estados Unidos, a “copiar a lição de casa da China”. Agora, muitos acreditam que pertencem à geração mais azarada desde a década de 1980, porque a persistente busca de Pequim pela política de Covid zero vem causando estragos. Está difícil encontrar emprego. Testes frequentes de Covid-19 controlam sua vida. O governo impõe cada vez mais restrições à sua liberdade individual, além de pressioná-los a se casar e ter mais filhos. “Não suporto a ideia de que vou ter de morrer neste lugar”, disse Cheng Xinyu, de 19 anos, escritora da cidade de Chengdu, no sudoeste da China, que está pensando em emigrar para um país estrangeiro antes que o punho de ferro do governo a atinja.


Lojas fechadas e restritas em Xangai, 15 de março de 2022. (Qilai Shen/The New York Times)

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Ela também não consegue se imaginar tendo filhos na China. “Gosto de criança, mas não me atrevo a ter uma aqui porque não vou poder protegê-la”, afirmou, citando preocupações como trabalhadores de controle de pandemia invadindo apartamentos para pulverizar desinfetante, matando animais de estimação e exigindo que os moradores deixassem a chave do lado de fora, na fechadura da porta do apartamento.

Cheng faz parte de uma nova tendência conhecida como “filosofia de fuga” ou “runxue”, que prega fugir da China para buscar um futuro mais seguro e melhor. Ela e milhões de outras pessoas também compartilharam um vídeo em que um jovem reage contra policiais que alertaram que sua família seria punida por três gerações se ele se recusasse a ir para um campo de quarentena. “Esta será nossa última geração”, declarou ele à polícia.

Sua resposta se tornou um meme on-line que mais tarde foi censurado. Muitos jovens se identificaram com o sentimento, confessando se sentir relutantes em ter um filho sob o governo cada vez mais autoritário. “Não trazer crianças para este país, para esta terra, é a ação mais caridosa que posso fazer”, escreveu um usuário do Weibo sob a hashtag #thelastgeneration antes de ser censurado. “Como pessoas comuns que não têm direito à dignidade individual, nossos órgãos reprodutivos serão nosso último recurso”, escreveu outro usuário do Weibo.

A “filosofia de fuga” e a “última geração” são os gritos de guerra de muitos chineses na faixa dos 20 e 30 anos que se desesperam com seu país e seu futuro. Eles estão entrando no mercado de trabalho, casando-se e decidindo se terão um filho num dos momentos mais sombrios do país em décadas. Censurados e politicamente reprimidos, alguns pensam em sair, enquanto outros querem protestar não tendo um filho.

Essa é uma grande mudança para os membros de uma geração anteriormente conhecida por sua propensão nacionalista. Eles cresceram quando a China se tornou a segunda maior economia do mundo. Trolaram os críticos dos registros de direitos humanos de Pequim e boicotaram muitas marcas ocidentais por desrespeito à sua pátria. Às vezes, queixavam-se de seus horários de trabalho extenuantes e da falta de mobilidade social. Mas, mesmo que estivessem menos seguros de seu futuro pessoal, confiavam em que a China seria grande novamente – como seu principal líder prometeu.

Agora, ficou cada vez mais claro que o governo não pode cumprir suas promessas e o estado tem expectativas diferentes para a vida deles. Uma nova pesquisa com mais de 20 mil pessoas, a maioria mulheres com idade entre 18 e 31 anos, mostrou que dois terços delas não querem ter filhos. O governo tem uma agenda diferente, pressionando as pessoas a ter três filhos para rejuvenescer uma das populações que envelhecem mais depressa no mundo.

Doris Wang, jovem profissional de Xangai, contou nunca haver planejado ter um filho na China. Viver o duro bloqueio nos últimos dois meses reafirmou sua decisão. As crianças deveriam estar brincando lá fora umas com as outras, segundo ela, mas estão trancadas em apartamentos, passando por rodadas de testes de Covid, tomando bronca de trabalhadores de controle de pandemia e ouvindo anúncios severos vindos de alto-falantes na rua. “Até os adultos se sentem deprimidos, desesperados e insalubres, para não mencionar as crianças. Elas definitivamente vão ter problemas psicológicos quando crescerem.” Ela afirmou que planeja emigrar para um país ocidental para que possa ter uma vida normal e dignidade.

Para agravar as frustrações, as manchetes estão cheias de más notícias sobre empregos. Haverá mais de dez milhões de universitários formados na China este ano, um recorde. Muitas empresas, porém, estão demitindo funcionários ou congelando seus números enquanto tentam sobreviver aos bloqueios e às repressões regulatórias.

O zhaopin.com, site de recrutamento, descobriu que seu índice de perspectiva de emprego no primeiro trimestre deste ano era cerca de metade de um ano antes e ainda menor do que quando o coronavírus chegou em 2020. Os graduados que forem contratados receberão 12 por cento a menos por mês em média do que no ano passado, informou a empresa.

Um número crescente de graduados universitários está tentando entrar em escolas de pós-graduação ou passar nos exames cada vez mais competitivos para servidores públicos a fim de conseguir um emprego seguro no governo.

Dois terços dos 131 novos funcionários públicos recrutados no distrito de Chaoyang, em Pequim, em abril tinham mestrado ou doutorado, de acordo com um documento do governo, refletindo uma tendência crescente. Eles se formaram nas principais universidades da China e do mundo, incluindo a Universidade de Pequim, a Universidade de Hong Kong, a Universidade de Sydney e o Imperial College London. Muitos farão os trabalhos mais básicos do governo, aqueles que os graduados do ensino médio costumavam fazer.

Um doutor em física de partículas da Universidade de Pequim se tornará um oficial de gestão urbana, ou chengguan, divulgou o relatório. Os chengguan são os funcionários mais desprezados, conhecidos por brutalizar mendigos, perseguir vendedores ambulantes e ajudar a derrubar a casa das pessoas. O contraste é muito forte.

Um ponto positivo no mercado de trabalho está nos testes de Covid-19. Como Pequim segue a política de “Covid zero”, os governos locais precisam de muitas pessoas para trabalhar em suas inúmeras estações de teste. A província de Henan, no centro do país, anunciou em janeiro que treinaria 50 mil pessoas este ano em testagem, desinfecção e gestão de saneamento público. Mas até mesmo um site de notícias administrado pelo governo perguntou que tipo de perspectivas de carreira esses empregos ofereciam depois da pandemia.

Para os jovens chineses, os controles sociais cada vez mais rígidos são igualmente deprimentes. Alguns estudantes de Changchun, no nordeste da província de Jilin, reclamaram nas redes sociais que não puderam tomar banho por mais de 40 dias, quando a cidade estava em lockdown e sem acesso às casas de banho públicas.

A Universidade Tongji, em Xangai, conhecida por seus programas de engenharia e arquitetura, divulgou instruções detalhadas de como usar um sistema de fila baseado em telefone celular para toaletes e banheiros, segundo um documento sobre o sistema revisado pelo “The New York Times”. Os alunos precisariam clicar em “iniciar” quando saíssem do dormitório para ir ao banheiro e “parar” quando voltassem, para evitar ter duas pessoas no corredor ao mesmo tempo, diziam as instruções. Cada ida ao banheiro teria a duração máxima de dez minutos. Depois de oito minutos, os outros na fila poderiam cutucar digitalmente o aluno no banheiro. Depois de dez minutos, o aluno precisaria explicar ao grupo da fila por que demorou tanto. Alguns dos mecanismos de controle social nunca foram suspensos.

É impossível medir quantos jovens chineses ficaram desiludidos com o punho de ferro do governo nos últimos bloqueios, que afetaram centenas de milhões de pessoas. Pequim tem controle total sobre os meios de propaganda, a internet, os livros didáticos, as escolas e quase todos os aspectos que podem afetar as ondas cerebrais do público chinês.

Mas o crescente desencanto on-line é inconfundível. E as pessoas sempre vão encontrar maneiras de escapar da repressão. Na obra “1984”, Winston escrevia um diário. Em “A Insustentável Leveza do Ser”, Tomáš e Tereza se mudam para o campo. “Quando você descobre que, como indivíduo, não tem capacidade de lutar contra o aparato estatal, sua única saída é fugir”, frisou Wang, a jovem profissional de Xangai.

c. 2022 The New York Times Company

Fonte: MSN

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