Luis Lacalle Pou (à esq.) observando Nicolás Maduro

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Luis Lacalle Pou (à esq.) é crítico à situação na Venezuela

As alegadas violações de direitos humanos na Venezuela fizeram com que presidentes de diferentes orientações ideológicas se unissem e contestassem as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a situação no país vizinho.

As críticas foram feitas durante a cúpula de líderes sul-americanos convocada por Lula realizada nesta terça-feira (30/05).

Durante o evento, o presidente do Chile, Gabriel Boric, que é de centro-esquerda, e o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, de centro-direita, rebateram as declarações de Lula.

A cúpula convocada por Lula reuniu líderes de 11 dos 12 países da América do Sul.

A única presidente que não participou do evento foi a do Peru, Dina Boluarte – por questões judiciais, ela não pode se ausentar do país.

A iniciativa vem sendo apontada pela diplomacia brasileira como uma tentativa para que a região voltasse a ter um diálogo político após alguns anos de hiato.

A reunião também é vista como parte do esforço do governo do presidente Lula de ampliar seu papel de liderança regional após os quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O encontro, porém, vem sendo marcado pelas polêmicas em torno da participação de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela.

O governo liderado por ele é apontado por entidades vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) como responsável por graves violações de direitos humanos como tortura, execuções e perseguição a adversários políticos.

Historicamente, o governo venezuelano vem se defendendo alegando que as acusações fariam parte de uma campanha internacional contra o regime liderado por Maduro.

O pivô das controvérsias foram as declarações feitas por Lula na segunda-feira, quando recebeu Maduro com honras de chefe de Estado. Segundo Lula, a Venezuela teria sido alvo de uma narrativa construída.

“Se eu quiser vencer uma batalha, eu preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo”, disse Lula.

O presidente brasileiro também afirmou que caberia a Maduro mudar a opinião pública internacional a partir de uma nova narrativa.

“Eu vou em lugares que as pessoas nem sabem onde fica a Venezuela, mas sabe que a Venezuela tem problema na democracia. É preciso que você construa a sua narrativa e eu acho que, por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você”, disse o presidente brasileiro.

Nesta terça-feira, porém, líderes convidados por Lula reagiram às falas de Lula.

Presidente da Argentina, Alberto Fernandez (à esq.) ao lado do presidente chileno Gabriel Boric

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Presidente da Argentina, Alberto Fernandez (à esq.) ao lado do presidente chileno Gabriel Boric

O primeiro a se manifestar de forma crítica em relação ao episódio foi o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou. Ele é do Partido Nacional, um dos principais partidos de centro-direita do país, e é conhecido por defender pautas como a liberdade econômica e redução do tamanho do Estado.

Durante a reunião entre os chefes de Estado, Lacalle Pou transmitiu seu discurso pelas redes sociais e disse ter ficado “surpreso” com as declarações. Ele, no entanto, não citou nominalmente o presidente Lula.

“Fiquei surpreso quando foi dito que o que acontece na Venezuela é uma narrativa. Já sabem o que pensamos sobre a Venezuela e o governo da Venezuela.”

“Se há tantos grupos no mundo tentando mediar para que a democracia seja plena na Venezuela, para que os direitos humanos sejam respeitados e não haja presos políticos, o pior a fazer é tapar o sol com a mão”, disse o presidente uruguaio.

Não há informações sobre como Lula ou Maduro reagiram às falas de Lacalle Pou.

Mais tarde, foi a vez de Boric abordar o assunto. O presidente chileno tem 36 anos de idade e é uma político de esquerda que iniciou sua carreira política no movimento estudantil.

Ele disse que celebrou a participação da Venezuela na cúpula, mas afirmou que não poderia fazer “vista grossa” para a situação na Venezuela.

“Para muitos de nós é a primeira oportunidade que temos de compartilhar o mesmo espaço que o presidente Nicolás Maduro. E que a verdade é que nos alegra que a Venezuela retorne às instâncias multilaterais. Cremos que é nestes espaços que se resolvem os problemas”, disse.

Boric, no entanto, disse abertamente discordar dos termos usados por Lula em sua menção à realidade venezuelana.

“Eu manifestei respeitosamente que tinha uma discrepância com o que disse o senhor presidente Lula ontem no sentido de que a situação dos direitos humanos na Venezuela era uma construção narrativa. Não é uma construção narrativa. É uma realidade que é séria e eu tive a oportunidade de ver a dor de centenas de milhares de venezuelanos que vivem em nossa pátria”, disse Boric.

Violações de direitos humanos

Gabriel Boric acenando

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As declarações de Boric e de Lacalle Pou acompanham o tom de crítica de parte da comunidade internacional

As declarações de Boric e de Lacalle Pou acompanham o tom de crítica de parte da comunidade internacional em relação à situação política na Venezuela.

Entidades como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam o governo comandado por Maduro de ser uma ditadura que usa da violência para manter o poder.

Os métodos incluiriam execuções, sequestros, estupros e prisão de opositores. Iniciado por Hugo Chávez, o grupo político de Maduro – o chavismo – está no poder na Venezuela de desde 1999.

Segundo elas, o governo usaria o aparato de inteligência civil e militar para vigiar a sociedade civil, inclusive sindicalistas e membros da imprensa.

As acusações mais recentes de violação de direitos humanos ao governo Maduro foram em março deste ano pela Missão das Nações Unidas para Verificação de Fatos sobre a Venezuela (FFMV, na sigla em inglês).

A missão relatou a existência de pelo menos 282 presos por razões políticas no país, e apontou a permanência de um clima generalizado de medo por parte da população.

Jantar no Palácio da Alvorada

A reunião entre os líderes deverá se estender até o fim da tarde desta terça-feira. Alguns presidentes vão deixar o Brasil ainda hoje, como Gabriel Boric. Outros deverão participar de um jantar oferecido por Lula no Palácio da Alvorada.

A expectativa é de que boa parte dos presidentes que participaram da cúpula de hoje também façam parte de outro encontro convocado por Lula previsto para agosto, em Belém.

O encontro reunirá líderes dos países que compartilham o bioma amazônico.

Fonte: BBC