SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A opção pela neutralidade no segundo turno da eleição entre Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT) irritou um grupo de importantes líderes da Gaviões da Fiel, torcida organizada acostumada a se envolver nas disputas políticas e eleitorais. Na madrugada de quinta (27), horas depois de duas faixas em apoio ao petista serem agitadas na Neo Química Arena, a Gaviões veio a público para dizer que “não apoia nenhum dos candidatos que concorrem ao cargo máximo do executivo (Presidência) nas eleições 2022”.

A posição neutra da atual diretoria, comandada pelo presidente Padinho, representa uma inflexão na postura tradicional da entidade e foi criticada em público e no privado por ex-diretores. Em 2018, por exemplo, quando estava sob outra direção, a Gaviões orientou seus associados a não votarem em Bolsonaro.

“Essa não é uma eleição normal”, afirmou Chico Malfitani, de 71 anos, fundador e conselheiro vitalício da torcida. Nas eleições passadas, ele apoiou Fernando Haddad e hoje defende Lula. “Nunca houve posicionamento político da Gaviões quando era Lula x Serra ou Dilma x Aécio, cada um vota em quem quer. Agora, com o Bolsonaro é outra história. Ele é um admirador confesso de torturador e da ditadura. Já disse que o erro da ditadura não foi ter matado mais uns 30 mil. Nós, fundadores, poderíamos estar no meio desses 30 mil.”

A Gaviões foi fundada em 1969, no meio da ditadura, e na esteira dos protestos contra o presidente corintiano Wadih Helu, alinhado ao regime. Em 1979, defendeu a anistia aos presos políticos. Em 1984, as Diretas Já. O histórico de apoio à democracia foi usado como argumento para a entidade se posicionar contra a ascensão do capitão do Exército Jair Bolsonaro, um político saudoso da ditadura. Após defender voto contra Bolsonaro em 2018, a torcida foi às ruas para pedir seu impeachment em 2020.

No ano seguinte, grupos de oposição se uniram para vencer as eleições internas da torcida. O novo presidente, Padinho, representa associados que afirmam preferir não ver a Gaviões envolvida nas disputas eleitorais.

“Deixamos nossos associados livres para essa escolha”, afirmou o estudante de história Danilo Oliveira, o Biu, atual vice-presidente da torcida. Ele afirma que votará em Lula no domingo, mas defende que a Gaviões não tome lado. “Todos sabem como e quando os Gaviões surgiram. Quais as circunstâncias e os motivos. O voto é secreto, livre e cada um sabe o país que espera no futuro. Hoje, com mais de 120 mil associados [na torcida], a pluralidade é absurdamente maior do que em 1969.”

Segundo relatos feitos ao UOL, membros da Gaviões que votam em Bolsonaro têm se irritado com o que consideram “uso político” da torcida pela esquerda.

“Não levantaremos bandeiras por respeitar cada associado”, disse Biu, que assumiu a vice-presidência após a expulsão de Alexandre Jacobino, o Jarrão, acusado de ter recebido propina para abrandar protestos contra o Corinthians.

Pulguinha, que já foi vice-presidente, afirmou considerar contraditória a posição de neutralidade nas eleições atuais já que essa mesma diretoria fez campanha para o candidato a deputado estadual Ernesto Teixeira, do MDB. Ele acabou não se elegendo.

“Acho contraditório os Gaviões se dizerem apolíticos e se isentarem dessa maneira, sendo que na verdade lançaram projeto político há pouco”, disse Pulguinha. “Essa questão de se isentar no momento mais importante da eleição mais importante do país não me agrada. Ao invés de querer bloquear quem está se posicionando, a diretoria tinha que criar um debate internamente, mas se isentar não tem como.”

FAIXAS

Na partida contra o Fluminense na última quarta-feira (26), duas faixas com o rosto de Lula foram estendidas no setor das torcidas organizadas, enquanto uma parte dos torcedores entoava cânticos contrários a Bolsonaro. Uma delas, levada por torcedores da Gaviões, foi aberta ao final da partida. A outra, erguida pela torcida Camisa 12, chegou a ser proibida pela PM no intervalo do jogo, e seu portador acabou conduzido ao Juizado Especial Criminal do estádio para prestar esclarecimentos.

De acordo com Eder Francisco, o Bob, presidente da Camisa 12, não se tratou de um ato de censura, mas de uma falha de comunicação entre a torcida e a PM. Para entrar no estádio, os torcedores organizados precisam enviar um ofício à corporação descrevendo o material que levarão. Nesse documento, a Camisa 12 não descreveu com precisão a bandeira com o rosto de Lula, confeccionada em 2004 no meio de uma série de homenagens a corintianos ilustres, o que desautorizaria seu uso dentro do estádio.