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Quando os EUA promoveram a primeira Cúpula das Américas, em 1994, em Miami, o país era o parceiro econômico dominante de uma América Latina na crista da onda da redemocratização e oxigenada por uma lufada de liberalismo. Na pauta, um pacote ambicioso de acordos comerciais culminando com a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que se entenderia do Alasca à Terra do Fogo. Quase três décadas depois, na segunda Cimeira recebida pelos EUA, em Los Angeles, o contraste não poderia ser maior.

Não por falta de desafios: a recuperação pós-pandemia, os retrocessos democráticos e a resposta à crescente insegurança alimentar resultante da guerra de Vladimir Putin exigiam engajamento e unidade das lideranças nas Américas.

Mas nas semanas que antecederam a Cúpula, ao invés de intensas rodadas de discussões, o que se viu foi o anfitrião pelejando para confirmar a lista de convidados sob as promessas vagas de uma “Parceria para a Prosperidade Econômica” e uma declaração de imigração.

Esta última, do ponto de vista doméstico dos EUA, era a mais relevante. Mas malogrou com o boicote de Honduras, El Salvador, Guatemala – o Triângulo do Norte, de onde sai a maioria dos imigrantes – e, sobretudo, do México, devido à insatisfação do presidente Manuel López Obrador com a recusa dos EUA de convidar Cuba, Nicarágua e Venezuela.

Outro tema do qual se passou ao largo é o narcotráfico. A América Latina é a maior fonte de cocaína do mundo. Na pandemia, um surto da economia ilegal empoderou o crime organizado, que cada vez mais transforma presídios em enclaves, agravando a violência e a corrupção.

A ausência do México – que, além de ser a principal porta da imigração ilegal e das drogas, é também o principal aliado e parceiro comercial dos EUA na região – é o sinal maior do declínio da influência econômica e política dos EUA na América Latina.

Destroços do naufrágio da Alca poderiam ser utilizados – como foram por Colômbia, Chile ou Peru – para articular condições favoráveis para a troca de bens, serviços e talentos, criando a estabilidade institucional que os investidores esperam. Mas o maior “sucesso” da Cúpula foi uma declaração protocolar sobre práticas regulatórias, assinada por apenas 14 países. Hoje, é a China o principal parceiro comercial da região, e sua participação tende a crescer.

Ainda mais esvaziada que a pauta comercial é a da infraestrutura. Os EUA, que frequentemente denunciam a opacidade dos contratos chineses, tinham a oportunidade de discutir as condições para restabelecer a participação do setor privado norte-americano na infraestrutura latino-americana e fazer uma contraoferta. Mas também isso ficou no ar.

Se a ausência do México sinalizou a debilidade dos EUA na região, a participação de Jair Bolsonaro sinalizou a debilidade do presidente Joe Biden.

Em tese, ambos conseguiram o que queriam em seu primeiro encontro bilateral. Biden evitou a ausência da maior economia e democracia da América Latina. Bolsonaro conseguiu uma foto para provar à opinião pública brasileira que não está isolado no palco global.

Na prática, Bolsonaro revelou mais uma vez sua falta de credenciais diplomáticas e desídia pelos interesses nacionais. Previsivelmente, foi o último a chegar e o primeiro a sair e, ao invés de aproveitar o encontro para conquistar ganhos concretos – como a revisão das restrições à importação de aço impostas por seu ídolo Donald Trump –, transformou-o em mais um palanque eleitoral para criticar as políticas sanitárias dos governadores, insinuar dúvidas sobre o sistema eleitoral e conjurar seus fantasmas sobre a soberania da Amazônia. Biden, o homem mais poderoso do mundo, teve de se restringir a elogios genéricos à proteção da Amazônia e à democracia brasileira – ambas degradadas por Bolsonaro.

Esse “diálogo de surdos”, como definiu o ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa, foi a expressão maior de uma cúpula cada vez mais esvaziada por uma combinação do isolacionismo norte-americano, dos neopopulismos latino-americanos e da presença cada vez maior de Pequim. 

Fonte: MSN