“A maioria dos homens vive vidas de silencioso desespero” ― Henry Thoreau
As mãos espalmadas escondendo o rosto é o gesto universal dos que sentem vergonha, dos que temem a derrota e não encontram forças para virar o placar adverso antes que se apaguem as luzes.
É o medo do fracasso, que se aproxima rapidamente como uma matilha faminta diante de um corpo ferido.
Cruel é o homem, lobo de si, com suas matilhas vorazes, rondando em círculos numa coreografia invísivel, tendo ao centro a indefesa presa, ele próprio.
O homem tem fome de homem.
Ele tem sede do próprio sangue.
O homem, com sua cartilha de metas inatingíveis e suas missões kamikazes.
O criador da ilusão do sucesso, seus truques sujos e atalhos ilícitos.
O inventor do fracasso e do desespero.
O criador da culpa.
O tecelão da corda.
O criador do laço.
Ferreiro que deu forma ao cano dos revólveres.
O mixologista dos coquetéis letais .
Artesão da vergonha e seu gesto universal, esse das mãos espalmadas cobrindo a face.
Como o faz o goleiro, desesperado na hora do gol.
Do zagueiro que jogou para o fundo das próprias redes a bola branca, fugaz pomba da felicidade.
Do adolescente que não conseguiu caber em um mundo cada vez mais atrofiado e em que a barra de exigências está cada vez mais alta.
Do adulto soterrado por notas promissórias.
Do pai que não consegue colocar o pão sobre a mesa.
Da mãe que não se perdoa pelos falhanços dos filhos e os assume como se fossem seus.
É quando se escuta o barulho ensurdecedor do fracasso.
E que som seria este?
Que estranho barulho teria o desespero causado pela sensação do fracasso?
O de uma fruta que passou do ponto de maturação e se espatifou contra o chão?
O canto esganiçado de uma gralha?
O apito de um cargueiro se afastando no cais?
Ou o rufar de um trovão?
Ele pode ser estridentemente silencioso, mas pode soar como um trem carregado de tesouros minerais, deslizando sobre os trilhos em direção a um porto distante.
Não raro, aparece o paliativo da corda e seu convidativo laço.
Não raro, o fundo do poço, que esconde debaixo dos pés de quem chega a ele, um traiçoeiro alçapão.
Não raro, o cano frio entre os lábios.
O dedo no gatilho.
A coragem extrema, que não é o avesso da covardia.
O clique.
O bang.
A poça gelatinosa.
E o fim.
Não, não deveria ser o fim.
Mas a cortina do espetáculo barato da vida se fecha mesmo assim.
Fonte: Brazilian Voice